O globo, n. 31208, 16/01/2019. País, p. 4

 

Depois do decreto, a anistia

Jussara Soares

Karla Gamba

Renata Mariz

16/01/2019

 

 

Após o presidente Jair Bolsonar o assinar ontem o decreto que facilita apos sede armas de fogo no Brasil, o governo prevê editar até o final do mês uma medida provisória que poderá legalizar até 8 milhões de armas irregulares, segundo anunciou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

A anistia que regularizará equipamentos ilegais, por me iode MP, em conjunto com o decreto assinado ontem, deve incrementar o volume de unidades em circulação. Atualmente, segundo dados obtidos pelo GLOBO, existem no país 870.043 mil armas de fogo com registro ativo.

A flexibilização da posse de arma era uma das principais propostas de campanha de Bolsonaro. A principal medi dado decreto retira a prerrogativa da Polícia Federal de analisar se o cidadão tem necessidade de possui ruma arma. Com o novo texto, bastará uma autodeclaração atestando a necessidade. Ainda é necessário termais de 25 anos, apresentar atestados de aptidão técnica, laudo psicológico e não ter antecedentes criminais.

— Como o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, eu como presidente, vou usar essa arma — disse Bolsonaro, ao mostrar uma caneta.

O texto já coloca como pressuposto da efetiva necessidade da arma, por exemplo, o fato de o interessado morar em área urbana onde a taxa de homicídios, em 2016, era superior a 10 por 100 mil habitantes.

Na prática, o critério abrange a população de todos os estados. São Paulo, com o menor índice, tem taxa de 10,9 homicídios por 100 mil habitantes. Mesmo se houver redução na taxa, e a mesma ficar em patamar inferior ao previsto no decreto, a referência a 2016 continua válida.

Na semana passada, o governo ainda estudava se utilizaria como critério a taxa de homicídios por município. Caso a violência nas cidades fosse o parâmetro, o efeito do decreto seria mais limitado. Moradores de 3.179 das 5.570 cidades brasileiras seriam afetados.

Já os moradores de zonas rurais estão contemplados no decreto, independentemente da taxa de homicídio. Titulares ou responsáveis legais por estabelecimentos comerciais ou industriais também terão a posse de armas garantida.

A medida também libera a posse de armas para uma lista ampla de servidores públicos, inclusive os inativos, tais como os agentes da área de segurança pública. Também terão direito militares ativos e inativos. Outros casos poderão ser analisados para justificar o pedido de posse de arma.

As novas regras estabelecem que a validade do registro é de 10 anos. Até então era preciso renovar a cada cinco anos. O decreto abrangeu também as licenças já ativas que foram automaticamente renovadas por uma década.

— Quem tem um registro que tenha três anos, que venceria mês que vem, por exemplo, acabou de ganhar dez anos—disse Onyx.

Cofre em casa

O decreto prevê ainda que os proprietários declarem ter “um cofre ou um local seguro com tranca para armazenamento” do objeto, caso morem com crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental. O chefe da Casa Civil comparou o risco de ter um revólver ou uma pistola na residência aos possíveis danos causados por um liquidificador.

— Às vezes, a gente vê criança pequena que coloca o dedo no liquidificador, liga o liquidificador, vai lá e perde o dedinho. E daí, nós vamos proibir o liquidificador? É uma questão de educação e de orientação. Nós colocamos isso (no texto do decreto) para mais uma vez alertar e proteger as crianças e os adolescentes —afirmou o ministro Onyx.

Embora estabeleça o limite de até quatro armas, o texto deixa aberta a possibilidade de o cidadão superar essa quantidade, caso haja “fatos e circunstâncias” que justifiquem, como, por exemplo, o fato de uma pessoa ter mais de uma propriedade . A norma atual, expedida por portaria de 1999 do Exército, estabelece a quantidade máxima de seis armas, especificando os modelos e calibres. São duas curtas e quatro longas.

Próximo passo rumo à ampliação do acesso a armas, a anistia para legalizar armamentos irregulares valerá tanto para proprietários que deixaram de renovar o registro quanto para equipamentos que nunca foram licenciados. Nesse caso, será preciso que o armamento seja de calibre permitido, não tenha numeração raspada e sua procedência possa ser comprovada. O prazo de recadastramento, inicialmente, irá até dezembro de 2019, podendo ser renovado por mais um ano.

Segundo o ministro, os casos de armas sem registros são unidades que pertenciam a "avô, padrinho, pai e mãe que faleceu e ninguém nunca registrou." Onyx citou a burocracia como um impeditivo para a regularização dos equipamentos.

Apesar da facilitação para a regularizar armas ilegais, Onyx rechaçou o termo “anistia das armas".

— Não se trata de anistia, se trata do Estado abrir um novo prazo para as pessoas se recadastrarem. No governo do PT, ninguém chamou de anistia, por que vai chamar do Bolsonaro?.

“Como o povo decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, vou usar essa arma”

Jair Bolsonaro, ao mostrar a caneta que utilizou para assinar o decreto

“A gente vê criança pequena que coloca o dedo no liquidificador, liga, vai lá e perde o dedinho. E daí, nós vamos proibir o liquidificador?

Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil, ao falar sobre regras para posse em casas com crianças

Perguntas e respostas

1 Quem pode ter posse de arma a partir das novas regras?

Maiores de 25 anos; moradores de zona rural; residentes de áreas urbanas em estados com taxa de homicídios acima de 10 por 100 mil habitantes (todas as unidades da federação, com base nos dados de 2016); servidores ativos ou inativos ligados à área da segurança, incluindo administração penitenciária, sistema socioeducativo e polícia administrativa; responsáveis legais por estabelecimentos comerciais ou industriais; militares ativos e inativos; além de colecionadores, atiradores e caçadores devidamente registrados no Exército. É preciso comprovar a ausência de antecedentes criminais.

2 Quantas armas cada pessoa poderá comprar e manter em casa?

A nova legislação determina o limite de até quatro armas de fogo por pessoa. No entanto, segundo o mesmo decreto, essa quantidade poderá ser extrapolada caso o cidadão se interesse por uma quantidade maior de armamentos. Para isso, o interessado deve justificar sua necessidade para obter novos armamentos e se enquadrar na “legislação vigente”. A regra anterior estipulava o máximo de seis armas por pessoa. Além dos requisitos já citados anteriormente, continuam obrigatórios a comprovação de ocupação lícita e o atestado de capacidade do manuseio das armas de fogo.

3 Qual o prazo de validade da licença para a posse de arma?

Antes, a licença tinha validade de cinco anos, e agora o prazo de validade passou a ser de dez anos. A cada processo de revalidação, o proprietário da arma precisa apresentar antecedentes criminais, atestado de capacidade técnica e laudo psicológico. Esse prazo foi alterado recentemente. Originalmente, a licença tinha validade de três anos, mas, durante o governo do expresidente Michel Temer, o prazo foi estendido para cinco anos. A avaliação psicológica pode ser feita somente em clínicas credenciadas pela PF e listadas no site da corporação. O teste de manuseio de arma é feito por instrutor credenciado pela PF.

4 Registros ativos de armas terão que ser renovados quando?

O novo decreto autorizou uma renovação automática para as armas que possuem registro atualmente ativo e estabeleceu um prazo de validade de dez anos para essas licenças. Isso significa que todos aqueles que já são proprietários de armas legalizadas, independentemente da data do registro, somente precisarão renovar suas licenças daqui a dez anos. No discurso feito durante a assinatura do decreto, o presidente Jair Bolsonaro disse que pode vir a publicar uma Medida Provisória para regulamentar a participação das Polícias Civil e Militar no processo de autorização de pedidos e de recadastramento.

5 Em que local da casa as armas devem ser guardadas?

Caso o interessado em ter a posse more em uma casa habitada por crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental, ele deverá declarar, ao pedir o registro da arma, que tem um “cofre ou local seguro com tranca para armazenamento” da arma. A legislação anterior, que era bem mais restritiva, porque estipulava a comprovação da necessidade de compra da arma, não especificava a obrigação de fazer essa declaração sobre local de guarda. A partir de agora, não é mais obrigatório comprovar a necessidade da posse de arma junto à Polícia Federal. Basta uma autodeclaração a ser entregue à instituição.

6 O que acontece com armas com registro vencido ou ilegais?

O governo pretende publicar uma Medida Provisória até o fim do mês para fazer um recadastramento das armas hoje irregulares. Até as armas que nunca foram registradas e são consideradas ilegais poderão ser inscritas a partir das novas regras em estudo. Ontem, o ministro Onyx Lorenzoni estimou em 8 milhões o número de armas que poderão ser regularizadas pelo governo. Segundo o texto que está sendo elaborado, será preciso que elas sejam de calibre permitido para a população civil e que não tenham numeração raspada. Além disso, o proprietário deverá comprovar a procedência do armamento.