Correio braziliense, n. 20312, 31/12/2018. Política, p. 4

 

A linha de frente de Bolsonaro

Lucas Valença

31/12/2018

 

 

 Recorte capturado

GOVERNO EM TRANSIÇÃO » Com forte influência de militares, gestão do futuro presidente terá cinco fortes pilares. Destaques para os dois superministérios, da Economia e da Justiça, sob a responsabilidade de Paulo Guedes e Sérgio Moro, respectivamente

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, que tomará posse amanhã, terá cinco nomes principais em seu governo. Dois comandarão superministérios: Paulo Guedes, na Economia, e o ex-juiz Sérgio Moro, na Justiça e Segurança Pública. Já o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, tem trabalhado nos bastidores e mostra que não deve ser um “vice decorativo”. Na Casa Civil, Onyx Lorenzoni partirá para a articulação do governo no Congresso, mesmo sob críticas. Já o general Augusto Heleno mostra-se discreto, mas terá livre acesso ao presidente.

Na Economia, Paulo Guedes, de linha liberal, será ‘dono’ da pasta e vai administrar uma máquina com, aproximadamente, 65 mil funcionários. Para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, contará com Joaquim Levy. Ele retorna à administração pública após ter sido ministro da Fazenda no começo do segundo mandato de Dilma Rousseff.

Para o Banco Central, o indicado é o economista Roberto Campos Neto, executivo do banco Santander. O avô dele, Roberto Campos, foi ministro do Planejamento no começo da Ditadura Militar, de 1964 a 1967.

Um dos economistas responsáveis pela idealização do teto de gastos, Mansueto de Almeida, será mantido no Tesouro Nacional. Nos bancos públicos, Rubem Novaes assumirá o comando do Banco do Brasil (BB) e Pedro Guimarães presidirá a Caixa Econômica Federal. Carlos Hamilton integrará o alto escalão do BB, como divulgou, em primeira mão, o Blog do Vicente, do Correio.

Para o economista responsável pela plataforma Contas Abertas, Gil Castello Branco, a fusão das pastas, em especial da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio (Mdic), pode ser positiva para a administração pública. Na opinião dele, as estruturas precisam mudar para que a “mesma linha de pensamento” permita que a equipe funcione de forma coesa. “Nós tivemos problemas históricos por existirem essas pastas. Nesses últimos anos, isso ficou flagrante. Enquanto a Fazenda tinha como função o equilíbrio das contas e a diminuição do deficit, o Planejamento seguia o caminho praticamente oposto”, argumenta. O mesmo conflito existia entre a Fazenda e o Mdic.

O que poderia vir a ser um problema, com relação à quantidade expressiva de pessoal, também pode resultar em fatos positivos. Assim, a tendência é de que as decisões tomadas pelo governo sejam mais “coordenadas” e que isso influencie na confiança do mercado. É o que explica Castello Branco. “O que vai haver é uma valorização maior das secretarias. As poucas que existirem terão poder maior do que tinham. Então, muito do que for cobrado valerá também dos secretários”, esclarece.

Uma consequência imediata da fusão das pastas, porém, terá de ser resolvida já no início do mandato. Com a junção dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, o Conselho Monetário Nacional, que hoje conta com três membros (com o representante do Banco Central), ficará sem o “voto de minerva”.

 

Lava-Jato no poder

No superministério da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro convidou para os principais cargos da pasta pessoas que o auxiliaram na Operação Lava-Jato. Os contemplados foram os servidores ligados à Polícia Federal. O problema, no entanto, é que o ex-juiz concedeu pouco espaço no alto-comando a especialistas em segurança pública. O tema também será de responsabilidade de Moro. A maioria dos integrantes da cúpula está orientada a se preocupar com as questões ligadas à corrupção e ao crime organizado.

O responsável pela segurança pública, no geral, será o general da reserva Guilherme Theophilo, candidato derrotado ao governo do Ceará pelo PSDB — obteve 11,3% dos votos. Ele foi anunciado por Moro como um especialista na área e que pretende seguir a linha de segurança pública adotada pelo general Braga Netto, responsável pela intervenção federal no Rio de Janeiro.

Para comandar a Polícia Federal, foi anunciado o atual superintendente da PF no Paraná, delegado Maurício Valeixo, representante mais próximo a Moro. O delegado Rosalvo Ferreira, ex-superintendente da PF no Paraná, terá a missão de “unir as polícias”. Ele vai comandar a Secretaria de Operações Policiais Integradas. Os presídios ficarão sob a responsabilidade do delegado Fabiano Bordignon, que comporá o Departamento Penitenciário Nacional. Também deve auxiliar, segundo Moro, no combate às facções criminosas, em especial o Comando Vermelho e o PCC.

O secretário executivo do ministério será o delegado Luiz Pontel. Ele teve destaque na Operação Banestado, que investigou esquema de remessas ilegais ao exterior. Pontel foi responsável pela primeira prisão do doleiro Alberto Youssef, que veio a ser novamente detido no início da Lava-Jato.

A escolha mais polêmica foi a da delegada Érika Marena, que batizou a Lava-Jato, operação em que também atuou. Mais recentemente, ela integrou a Operação Ouvidos Moucos, que prendeu e pode ter levado ao suicídio o então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier. Até o momento, nada de irregular foi comprovado contra Cancellier. Marena vai para o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional.

 

Decorativo, não

Já o vice-presidente eleito, Hamilton Mourão (PRTB), transita nos corredores do Centro Cultural Banco do Brasil, local de trabalho da equipe de transição, com a intenção de ocupar espaços vagos. O militar, com forte presença nas Forças Armadas, em especial, no Exército, tem criado constantes atritos com Bolsonaro por não se portar como “vice decorativo”, termo utilizado por Michel Temer para se definir antes do processo que levou ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Ao tomar posse, Mourão terá direito a 140 funcionários no Planalto, mas, segundo membros da equipe que atuou com ele na transição, deve reduzir o número de nomeações pela metade (entre 60 e 70).

O ex-candidato a presidente em 2014 Levy Fidelix, que protagonizou polêmicas na campanha à época, vem se tornando uma voz de confiança do vice. Ele é presidente do partido de Mourão e foi um dos que o convenceram a aceitar o pedido de Bolsonaro para compor a chapa.

Grande parte da equipe que cerca Mourão, porém, tem passagem por uma das Forças Armadas. Um exemplo é o brigadeiro (mais alto-comando da Força Aérea Brasileira) Átila Maia, de atuação discreta na equipe. Neste ano, o militar da reserva tentou, sem sucesso, uma das vagas do Distrito Federal para o Senado. Recebeu 5,15% dos votos válidos. Ele também é filiado ao PRTB.

 

Sob “fogo amigo”

A articulação do governo ficará sob o comando do futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), que vive um momento de crise interna na transição. Como apurou o Correio, militares ligados à futura gestão têm intensificado o “fogo amigo”, por estarem descrentes da forma de articulação de Lorenzoni.

Os contatos com as casas legislativas ficarão a cargo de dois secretários especiais. Carlos Manato (PSL-ES), que perdeu a campanha para o governo do estado, vai ser responsável pelas votações na Câmara. Já o deputado federal Leonardo Quintão (MDB-MG), que não se reelegeu, ajudará na articulação com o Senado e deve convidar para a equipe senadores que não se reelegeram.

Um dos homens mais próximos a Lorenzoni deve assumir como secretário executivo da Casa Civil. O cotado é Abraham Weintraub, economista e eventual responsável pela articulação da reforma da Previdência.

Peça central do governo e um dos militares mais importantes é o general Augusto Heleno. Ele vai assumir o Gabinete de Segurança Institucional e conta com a simpatia dos futuros comandantes das Forças Armadas: general Edson Leal Pujol (Exército), almirante Ilques Barbosa Júnior (Marinha) e brigadeiro Antônio Carlos Moretti Bermudez. Todos serão indicados respeitando a tradição informal de antiguidade.

Esses comandantes estarão subordinados ao futuro ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Ela foi criada no governo de Fernando Henrique Cardoso após a extinção dos ministérios individuais das Forças. O militar também é ligado a Augusto Heleno.

 

Frase

“Nós tivemos problemas históricos por existirem essas pastas. Nesses últimos anos, isso ficou flagrante. Enquanto a Fazenda tinha como função o equilíbrio das contas e a diminuição do deficit, o Planejamento seguia o caminho praticamente oposto”

Gil Castello Branco, responsável pela plataforma Contas Abertas