Correio braziliense, n. 20292 , 11/12/2018. Brasil, p.7

Em um dia, 40 denúncias

Lucas Valença

 

 

A força-tarefa do Ministério Público de Goiás (MPGO) recebeu, apenas ontem, 40 denúncias de mulheres contra o médium João de Deus, suspeito de abusar sexualmente de vítimas que o visitaram em busca de ajuda espiritual. A maioria das acusações foi feita pelo e-mail criado exclusivamente para essa finalidade: denuncias@mpgo.mp.br. Todas as denunciantes serão ouvidas nos próximos dias. O procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres Neto, assinou portaria designando cinco promotores e duas psicólogas para integrarem a força-tarefa.

As mulheres que desejarem denunciar formalmente o líder religioso não precisarão viajar a Goiás para prestar depoimento. Segundo promotores do MPGO, os relatos serão colhidos nos estados das vítimas, pelos MPs locais.

Segundo Luciano Miranda Meireles, coordenador do Centro de Apoio Criminal do MP goiano, já há depoimentos marcados em São Paulo e Minas Gerais. E, certamente, outros estados e o Distrito Federal colherão denúncias.

Ele explicou que, há seis meses, o MPGO solicitou à Polícia Civil do estado uma investigação criminal sobre o médium, porque já havia suspeitas, mas dada a dimensão que o episódio ganhou, o próprio MP assumiu a investigação. A coordenação ficará com Abadiânia (GO), cidade onde João de Deus faz seus atendimentos, mas com apoio de uma equipe lotada na capital do estado.

“Nós sabemos que, muitas vezes, essas vítimas demoram um tempo para entender esse tipo de crime. Por isso, temos feito de tudo para que elas possam se sentir seguras, para dar confiança a essas vítimas e permitir que possam denunciar sem medo”, afirmou Meireles.

A promotora Patrícia Otoni esclareceu que as vítimas que moram em Abadiânia e que tenham medo de denunciar devido à influência do médium na cidade poderão agendar depoimentos em outros locais. “A influência dele é muito grande na região, e a própria população do local está dividida”, disse.

A delegada responsável pela Coordenadoria de Comunicação da PCGO, Marcella Orçai, explicou que as denúncias serão investigadas por duas forças-tarefas, uma coordenada pelo MPGO e outra pela Polícia Civil do estado. “As investigações que chegaram à Polícia Civil serão investigadas pelo Departamento de Investigações Criminais, com auxílio do Ministério Público. O MP não pode avocar nossas investigações. Eles podem requisitar que nós restauremos procedimentos. Pegar nossos procedimentos, só depois de finalizados”, afirmou.

Participam da ação agentes e psicólogos do Departamento de Investigações Criminais (Deic); da Delegacia da Mulher e da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA).

Marcella Orçai afirmou que a polícia goiana já havia instaurado dois inquéritos para apurar denúncias de abusos cometidos por João de Deus. Um, em 2016, que está em estágio mais avançado, e outro, neste ano, cuja denunciante é uma moradora de São Paulo. “Antes disso, o João já tem três processos no Poder Judiciário. Sendo que dois desses foram arquivados e, no outro, ele foi absolvido.”

 

Interdição

Existe a possibilidade de a Casa Dom Inácio de Loiola, o centro erguido por João de Deus em Abadiânia, ser interditado, mas essa medida só será tomada quando o MP obtiver evidências robustas. “Enquanto não tivermos algo concreto, por cautela, não poderemos interditar o estabelecimento. Fatalmente, (um pedido desse tipo) vai ser negado (se for feito agora). Tomaremos todas as providências, de forma célere, mas não atabalhoada”, afirmou Meireles.