Correio braziliense, n. 20293, 12/12/2018. Mundo, p. 17

 

Descompasso no Itamaraty

12/12/2018

 

 

PACTO DA MIGRAÇÃO » Aloysio Nunes lamenta declarações do futuro chanceler, Ernesto Araújo, sobre saída do Brasil de acordo. Nações Unidas fazem alerta

O anúncio do futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de que o Brasil se distanciará do Pacto Global para as Migrações, assinado anteontem por 164 países, em Marrakesh, no Marrocos, foi criticado pelo atual ocupante do cargo, Aloysio Nunes. Também levou a Organização das Nações Unidas (ONU) e outras entidades internacionais a alertarem que os maiores prejudicados com a decisão serão os mais de 3 milhões de brasileiros espalhados pelo mundo, muitos em condições de vulnerabilidade. Por meio do Twitter, Nunes — um dos signatários do documento — afirmou ter recebido com “desalento” a mensagem do sucessor. Na rede social, ele foi alvo de uma enxurrada de comentários agressivos de simpatizantes do presidente eleito, Jair Bolsonaro.

“Li, com desalento, os argumentos que parecem motivar o presidente eleito a querer dissociar-se do Pacto Global para as Migrações”, escreveu o chanceler. “O pacto não é incompatível com a realidade brasileira. Somos um país multiétnico, formado por migrantes, de todos os quadrantes”, continuou Nunes. “O pacto tampouco autoriza migração indiscriminada. Basta olhar o seu título. Busca apenas servir de referência para o ordenamento dos fluxos migratórios, sem a menor interferência com a definição soberana por cada país de sua política migratória”, declarou o ministro, que explicou ter assinado o acordo “porque ele simplesmente contém recomendações de cooperação internacional para combater a migração irregular e conferir tratamento digno aos migrantes, entre os quais a cerca de 3 milhões de brasileiros que vivem no exterior”.

 

Critérios

O anúncio de Araújo foi feito pelo Twitter, na noite de segunda-feira, horas após a assinatura do pacto. “A imigração é bem-vinda, mas não deve ser indiscriminada. Tem de haver critérios para garantir a segurança tanto dos migrantes quanto dos cidadãos no país de destino. A imigração deve estar a serviço dos interesses nacionais e da coesão de cada sociedade”, escreveu.

“O governo Bolsonaro se desassociará do Pacto Global para as Migrações que está sendo lançado em Marrakesh, um instrumento inadequado para lidar com o problema. A imigração não deve ser tratada como questão global, mas, sim, de acordo com a realidade e a soberania de cada país”, acrescentou.

O futuro chanceler concluiu que “o Brasil buscará um marco regulatório compatível com a realidade nacional e com o bem-estar de brasileiros e estrangeiros”. “No caso dos venezuelanos que fogem do regime Maduro, continuaremos a acolhê-los, mas o fundamental é trabalhar pela restauração da democracia na Venezuela.”

“É sempre lamentável quando um Estado se dissocia de um processo multilateral, em especial um (país) tão respeitável de especificidades nacionais”, declarou Joel Millman, porta-voz da Organização Internacional de Migrações (OIM). Segundo ele, apesar da saída de alguns países, 164 governos assinaram o documento.

“Esta é mais uma marca, entre várias percebidas desde a eleição de Jair Bolsonaro, de que o Brasil parece estar, em definitivo, se afastando de uma tendência histórica da política externa brasileira, de multilateralismo”, disse ao Correio Juliano da Silva Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Brasília (IREL/UnB). “Por mais que na política doméstica o Brasil tenha passado por vários períodos nebulosos, desde sua independência, algo que permaneceu estável na história brasileira foi a tendência multilateralizante da política externa”.

 

Frases

“Li, com desalento, os argumentos que parecem motivar o presidente eleito a querer dissociar-se do Pacto Global para as Migrações”

Aloysio Nunes, chanceler brasileiro

 

“A imigração não deve ser tratada como questão global, mas, sim, de acordo com a realidade e a soberania de cada país”

Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores do Brasil