O globo, n. 31280, 29/03/2019. País, p. 12

 

Temer vira réu pela 1ª vez em caso da mala com R$ 500 mil

André de Souza

Cleide Carvalho

29/03/2019

 

 

Ex-presidente é acusado de ser o beneficiário de propina da J&F acertada pelo ex-deputado Rodrigo da Rocha Loures

O ex-presidente Michel Temer vai responder pelo crime de corrupção passiva

O juiz da 15ª Vara Federal do DF aceitou a denúncia por corrupção passiva contra o ex-presidente Michel Temer no caso da mala com R$ 500 mil da J&F. A acusação havia sido apresentada em 2017 pela PGR, mas o Congresso impediu a abertura da ação penal. Oex-presidente Michel Temer (MDB-SP) virou réu ontem após a Justiça aceitar a denúncia por corrupção passiva contra ele no caso que envolve uma mala com R$ 500 mil da J&F. O juiz Rodrigo Parente Paiva Bentemuller, da 15ª Vara Federal do Distrito Federal, recebeu a denúncia ratificada pelo Ministério Público Federal (MPF) na última terça-feira.

O GLOBO revelou, em maio de 2017, trechos da delação premiada de Joesley Batista e de seu irmão, Wesley, donos da J&F. Joesley gravou uma conversa com Temer, na qual o então presidente indicou Rocha Loures para resolver um assunto da empresa. Posteriormente, o assessor foi filmado pela Polícia Federal recebendo uma mala com R$ 500 mil enviados por Joesley.

Inicialmente, a acusação havia sido apresentada em 2017 pela Procuradoria-Geral da República, mas o Congresso Nacional impediu a abertura da ação penal e o caso ficou suspenso. Como Michel Temer perdeu a imunidade presidencial, o caso foi encaminhado para a primeira instância e, agora, segue a tramitação normal.

Na decisão, o magistrado disse que o recebimento da denúncia não quer dizer que já haja provas para condenar o ex-presidente. Significa apenas que a acusação tem condições de prosseguir. Michel Temer vai responder pelo crime de corrupção passiva.

De acordo com a decisão Bentemuller, pode-se “extrair de todo o arrazoado, e do conjunto probatório reunido até o presente momento, elementos que evidenciam a materialidade do crime imputado e indícios de autoria, os quais justificam a instauração do processo penal”.

Prazo para defesa

O juiz federal também deu dez dias para que o ex-presidente possa responder por escrito à acusação, “ocasião em que poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário”.

A ratificação foi apresentada pelo procurador Carlos Henrique Martins Lima à 15ª Vara Federal do Distrito Federal, onde o caso tramitava em relação ao outro réu na ação, o exdeputado Rodrigo da Rocha Loures, homem de confiança de Temer.Éa primeira vez que o emedebista se torna réu pelo crime de corrupção — apesar de ter sido preso preventivamente na quinta-feira da semana passada por ordem da Justiça Federal do Rio no caso que envolve a empresa Eng evix,eleaind anão foi denunciado neste processo.

A ação, movida com base na delação premiada do grupo J&F e do empresário Joesley Batista, acusa o expresidente emedebista de ser o beneficiário de um acerto de propina entre Joesley e Rocha Loures.

Em meio a este acerto, a Polícia Federal filmou o recebimento, por Rocha Loures, de uma mala contendo R$ 500 mil como pagamento inicial da propina. Os repasses seriam periódicos e poderiam chegar a R$ 38 milhões. Rocha Loures é apontado na denúncia como o intermediário, ou “longa manus” — executor de ordens — , de Temer no recebimento da propina.

O caso voltou à tona três dias depois de Temer ter obtido liberdade em relação à ordem de prisão preventiva determinada pelo juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Outras denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra Temer também devem chegar em breve à Justiça Federal do Distrito Federal: o caso do quadrilhão do MDB e o inquérito dos Portos.

O advogado Eduardo Carnelós, que defende Temer, afirma que a denúncia corresponde à primeira acusação formulada pelo ex-procurador Rodrigo Janot, parte de uma operação “sórdida” com a qual se pretendeu depor o então presidente da República.

“Como tudo que nasceu daquela operação ilegal e imoral, essa imputação também é desprovida de qualquer fundamento, constituindo aventura acusatória que haverá de ter vida curta, pois, repita-se, não tem amparo em prova lícita nem na lógica”, afirmou o advogado em nota.

Na semana passada, o expresidente ficou quatro dias na PF no Rio. No caso da construtora Engevix, a prisão foi baseada na delação do empresário José Antunes Sobrinho, um dos donos da empresa. Em depoimento, Sobrinho contou que foi procurado por João Baptista Lima, o coronel Lima, amigo de Temer, em 2010, sob a promessa de interferência no projeto da obra de construção da usina de Angra 3 com o aval do ex-presidente, em troca de propina.

Posteriormente, Antunes relatou ter sido assediado entre 2013 e 2014 pelo coronel Lima e pelo ministro Moreira Franco para fazer doações ao MDB. Os dois também foram presos preventivamente junto com Temere, posteriormente libertados. Antunes relatou que foi levado para encontros com Michel Temer por Lima e Moreira Franco.