O globo, n. 31277, 26/03/2019. Mundo, p. 20

 

Entrevista - Sebastían Piñera: 'Estamos vendo os últimos atos de desespero da ditadura de Maduro'

Sebastián Piñera

Janaína Figueiredo

26/03/2019

 

 

Em entrevista exclusiva, líder chileno reafirma que é contra intervenção militar na Venezuela e diz que Prosul não será fórum só de direita, mas sul-americano

Para o presidente do Chile, Sebastián Piñera, a chegada de aviões militares russos à Venezuela é sinal de desespero do governo. Ele se diz preocupado com ex-presidentes sul-americanos presos ou processados por corrupção. No encerramento da visita do presidente Jair Bolsonaro (PSL) a Santiago, no último sábado, o chefe de Estado do Chile, Sebastián Piñera, assegurou com o convida do que os dois países são contra uma eventual intervenção militar na Venezuela. Na esteirada criação do Foro para o Desenvolvimento e Progresso da América do Sul( Pro sul )— iniciativa que liderou junto coma Colômbia e que hoje conta coma participação de oito países—Piñera se mantém firme na posição. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, diz que achegada de dois aviões militares russos com cerca de cem pessoas a Caracas é fruto do desespero do regime. O presidente pro tempore do Prosul disse, ainda, que a América do Sul deu uma guinada nas urnas à centro-direita e mostrou-se preocupado pelo fato de que ex-presidentes sul-americanos estejam presos ou respondam a processos por corrupção.

Os encontros e eventos nos últimos dias em Santiago refletiram uma clara guinada à direita na América do Sul. Como o senhor avalia esse novo cenário regional?

Bom, foram eventos bem diferenciados. O Prosul, como ficou claro, não é um foro ideológico e, sim, aberto a todos. Há mais de cinco anos não nos reuníamos para dialogar, enfrentar problemas do presente e assumir desafios do futuro. A União de Nações Sul-americanas (Unasul) fracassou há muito tempo por excesso de ideologia. (Os ex-presidentes Hugo) Chávez e Lula tentaram usála para uma causa ideológica. Criamos um foro sem ideologia e com um forte e claro compromisso com a liberdade, a democracia e os direitos humanos. Sem dúvida, por decisão livre, soberana e democrática, hoje a maioria dos governos da região é de centro-direita. Mas o Prosul não é um foro de direita e, sim, de países democráticos.

Quais serão suas primeiras iniciativas?

Discutimos como unir forças para enfrentar problemas do presente. Formamos grupos de trabalho para tratar de questões como combate ao narcotráfico, ciberataques, segurança, mudança climática, saúde e educação, entre outros. Esses são os assuntos de que trataremos no Prosul.

Em discurso no Foro de Santiago, o senhor colocou como países inimigos Venezuela, Nicarágua e Cuba...

Era um foro de partidos de direita. Se você me perguntar, considero que o socialismo fracassou em todos os países onde foi implementado.

Muitos interpretaram a criação do Prosul como um recado à Venezuela...

Não. Mas a Venezuela não foi convidada porque tem uma ditadura que é incompetente e levou o país a uma crise política, econômica, social e humanitária e é tremendamente insensível. Uma ditadura muito corrupta com laços com o narcotráfico. Mas o Prosul não foi pensado para girar em torno da Venezuela.

Em sua declaração conjunta com o presidente Bolsonaro, ambos rechaçaram uma eventual intervenção militar na Venezuela...

Sim, nossa opinião é de que temos de buscar todos os caminhos para terminar com a ditadura, sempre que sejam pacíficos.

No último fim de semana, dois aviões russos chegaram a Caracas, com mais de cem pessoas. Isso o preocupou?

São os últimos atos desesperados da ditadura de Maduro. Mas, faça o que fizer, mais cedo ou mais tarde prevalecerá a vontade do povo venezuelano. Analisei como caem as ditaduras, e elas caem com esse tipo de atos desesperados.

A visita do presidente Bolsonaro gerou tensão no Chile. Como o senhor viveu esse momento?

Claro que existem pessoas que tentaram boicotara visita do presidente Bolsonaro, mas nós o recebemos como corresponde receber o presidente de um país como o Brasil, um grande amigo e aliado. Parabenizei o presidente por sua notável eleição, e comentamos como ele encarna uma imensa esperança da maioria dos brasileiros que querem mais progresso e menos corrupção. Selamos acordos muito importantes, incluindo de livre comércio, e reiteramos nosso respaldo para que o Brasil ocupe uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Após a partida de Bolsonaro, o senhor disse não concordar com algumas de suas expressões do passado...

Claro que eu não compartilho todas as declarações de Jair Bolsonarto no passado, mas no futuro temos temas que nos unem. Se você analisar tudo o que disseram os políticos no passado .... Desejo a melhor das sortes ao governo Bolsonaro, porque o Brasil tem estado paralisado por questões como a insegurança e a corrupção.

Em suas conversas foi mencionada a prisão do ex-presidente Michel Temer?

Não falamos sobre esse assunto. Mas é claro que chama a atenção que no Brasil, assim como no Peru e Argentina, tantos ex-presidentes estejam presos ou indiciados por corrupção. Isso é ruim para a democracia.