O globo, n. 31258, 07/03/2019. País, p. 4

 

Postagem obscena

Bruno Góes

Daniel Gullino

Karla Gamba

07/03/2019

 

 

Bolsonaro divulga vídeo com prática sexual em bloco e provoca reações no Congresso

Após postar um vídeo com cenas pornográficas no seu perfil em uma rede social, na noite de terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro tornou-se alvo de uma série de críticas, no Brasil e no exterior. A postagem em que dois homens realizam um ato obsceno, durante um bloco de carnaval em São Paulo, recebeu cer cade 2 milhões de visualizações. O Palácio do Planaltos e viu obrigado ase pronunciar sobre a polêmica.

Na postagem, Bolsonaro afirmou que não se sentia confortável “em mostrar, mas te mosque expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conslusões (sic)”, escreveu o presidente, que foi alvo de críticas em vários blocos pelo Brasil”.

O presidente ampliou a polêmica ao publicar, na sequência, uma pergunta em que buscava saber o que significava “golden shower”, o nome, em inglês, para o ato, filmado no bloco de carnaval em São Paulo, em que um parceiro urina sobre o outro.

Depois da ampla repercussão, o Planalto disse que a intenção do presidente não era criticar o carnaval “de forma genérica”, “mas sim caracterizar uma distorção clara do espírito momesco, que simboliza a descontração, a ironia, acrítica saudável e a criatividade da nossa maior e mais democrática festa popular”. E completa, afirmando que as cenas reproduzidas por Bolsonaro violentam “os valores familiares e as tradições culturais do carnaval”.

A oposição reagiu. Deputados anunciaram a intenção de levar o caso à Procuradoria-Geral da República (PGR), para que seja apurada a suposta violação da lei que trata de divulgação de pornografia sem consentimento dos envolvidos. O líder do partido na Câmara, Paulo Pimenta (RS), chegou a sugerir o encerramento da conta do presidente no Twitter. Já o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que a atitude não é “condizente” com o cargo de presidente e que falta “decoro”.

Outros políticos de diferentes partidos, como DEM e PPS, também condenaram a postura de Bolsonaro. “Há muitas boas razões para criticar o carnaval, não faltam problemas que poderiam ser evidenciados e evitados. Isso não justifica mostrar uma obscenidade para milhões de famílias (...) Isso não é postura de conservador”, escreveu o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).

A gestão das redes sociais do presidente tornou-se motivos de discórdia na cúpula do governo. Atualmente, o filho, vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), controla as redes do pai.

Correligionários do presidente no PSL e um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (SP), saíram em defesa de suas publicações. “O cara toma banho de mijo em público, mostra o ânus de cima de um local alto para todos verem, mas o problema é o JB (Bolsonaro) (...) A esquerda é doente”, escreveu Eduardo em uma rede social.

Líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP) também apoiou o presidente e criticou a esquerda que “apoia a exposição de adultos pelados”. Líder do PSL, Delegado Waldir (GO) disse que há “hipocrisia” entre os críticos.

O vice-presidente Hamilton Mourão preferiu fazer apenas um rápido comentário: “Morre amanhã. Está morto amanhã. Tudo passa”.

O carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, também mencionou o episódio, ao comemorar a vitória da escola.

—É um recado político para o presidente. Isso daqui é a festa do povo, não o que ele acha que é —disse Viera.

Opinião do Globo

Desajustado

HÁ EVIDÊNCIAS de que Jair Bolsonaro tem dificuldades de se ajustar à altura do cargo de presidente da República. A mais recente, que chega a ser abominável, é o compartilhamento feito por ele, por Twitter, de cena pornográfica filmada no carnaval de rua.

MAS NÃO só isso. Também é uma insensatez querer simbolizar, com o vídeo que postou, o carnaval dos blocos, onde centenas de milhares de foliões, de todas as idades, brincam sem bizarrices deploráveis.

E, ALÉM de tudo, Bolsonaro espalhou o filme obsceno na sua rede, à qual muito adolescente tem acesso. A limitação posterior não redime o presidente. O conjunto de todo o desvario, que se pretendeu moralista, ainda por cima colocou o Brasil no noticiário internacional de forma negativa. Com razão.

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Mensagem pode servir como estratégia política

Dimitrius Dantas

09/03/2019

 

 

Principal assunto ontem nas redes sociais, a divulgação pelo presidente Jair Bolsonaro de um vídeo contendo atos obscenos durante um bloco de carnaval em São Paulo pode fazer parte de uma estratégia política calcada na polarização política, afirmam especialistas ouvidos pelo GLOBO. Para eles, a visão do Brasil também sai prejudicada pelo episódio.

Segundo os pesquisadores, o presidente pode ter pretendido fazer um aceno aos setores conservadores que ajudam a sustentar seu governo após críticas sofridas na última semana.

Wagner Pinheiro Pereira, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em análise de impactos da imagem na política, destaca que a utilização das redes sociais é uma das principais e mais recorrentes estratégias de Bolsonaro.

—O vídeo foi usado por Bolsonaro como um recurso estratégico e político de utilizar um acontecimento retratado no vídeo, a princípio considerado “fora da curva” da normalidade social. É uma forma sensacionalista que busca incitar o ódio e degradar a imagem dos seus opositores. O presidente deseja atribuir essas características imorais, criminosas, antipatrióticas aos seus críticos, apresentando-os como corruptores, depravados, desviados socialmente —afirmou.

Alberto Pfeifer, coordenador do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacint/USP), concorda que a intenção do presidente era a de se comunicar com o seu eleitorado. A estratégia, disse, é similar à que o presidente já adotava antes da eleição.

Para Pfeifer, contudo, assessores do presidente deveriam aconselhá-lo a desistir da estratégia, já que, a partir de agora, posicionamentos como esse, mesmo direcionados a um público segmentado, assumem novo relevo com ele tendo sido eleito.

—Existe o cidadão Jair Bolsonaro e o presidente Jair Bolsonaro: duas dimensões diferentes que se confundem e confluem a partir da vitória eleitoral. Ele quer falar para seu eleitorado com o vídeo, obviamente. Mas a questão que fica é: ele deve se comportar assim como presidente? E a resposta é não —disse.