Correio braziliense, n. 20357 , 14/02/2019. Política, p. 2

 

Tensão em Brasília. Bebianno por um fio 

Rodolfo Costa

Leonardo Cavalcanti 

14/02/2019

 

 

Executivo » Presidente Jair Bolsonaro sai da internação em São Paulo direto para uma série de decisões importantes na capital do país. Problema mais urgente a ser eliminado diz respeito às suspeitas sobre o ministro-chefe da Secretaria-Geral

A guerra aberta entre o ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, e o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, deixa o integrante do primeiro escalão da Esplanada por um fio. Uma postagem Carlos, desmentindo o ex-presidente do PSL, elevou a temperatura em Brasília. Carlos afirmou que era mentira de Bebianno o fato de ter ligado três vezes para o presidente para falar sobre as denúncias contra o PSL. O ponto central da crise aberta é uma investigação sobre o uso de laranjas pelo PSL nas eleições do ano passado, período que Bebianno comandava o partido. A ação de Carlos foi reforçada pelo próprio Jair Bolsonaro, em entrevista à Rede Record. “Se estiver envolvido e, logicamente, responsabilizado, lamentavelmente o destino não pode ser outro a não ser voltar às suas origens.”

Apesar de ter recebido solidariedade de parlamentares ao longo do dia, a investigação aberta pela Polícia Federal deixa Bebianno exposto, levando a crise do PSL para dentro do Planalto — a legenda é a mesma de Jair Bolsonaro. A expectativa de investigadores é que a apuração iniciada em Pernambuco, terra do atual presidente do partido, Luciano Bivar, será levada para Brasília por causa do foro privilegiado dos envolvidos.

O escândalo envolvendo o PSL e Bebianno é apenas um problema de Bolsonaro. Depois de 17 dias internado em São Paulo, o presidente enfrenta ainda a falta de unidade da articulação política, o protagonismo do vice Hamilton Mourão — que irrita a ala parlamentar governista —, a guerra aberta de setores protecionistas contra o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a tramitação e a montagem da reforma da Previdência. A agenda de hoje está cheia, com reuniões a partir das 8h.

A queda de braço perdida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na questão do aumento da taxa de importação de leite em pó da União Europeia e da Nova Zelândia para compensar o fim das medidas antidumping é uma complicação para o presidente. O reajuste nas taxas foi tema de reuniões de diplomatas e investidores estrangeiros.

O desafio de Bolsonaro é não deixar Guedes enfraquecido, sob pretexto de enterrar prematuramente o texto. Não fortalecer a equipe econômica compromete a própria articulação política, alerta o analista político Antônio Augusto Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Ministros que dão sustentação decidem se permanecem ou não. Guedes pode abandonar o barco se achar que não tem condições para fazer o ajuste fiscal desejado. A palavra final é de Bolsonaro, mas a calibragem pode evitar desconfortos”, avaliou.

A definição sobre a reforma da Previdência será dada por Bolsonaro — segundo ele mesmo, hoje (leia mais na página 4). O que representa outro conflito a ser solucionado. A equipe econômica defende um texto com uma regra de idade mínima mais duro, mas a equipe política defende algo “viável”. “O desafio de Bolsonaro é achar o ponto de equilíbrio entre os núcleos”, destacou Queiroz. É aí, no entanto, que reside o problema principal. Com uma semana para o previsto envio da reforma, o presidente ainda precisa resolver os impasses na articulação política.

Articulação

O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), e a Casa Civil não conseguem se entender. Na Câmara, o discurso de alguns deputados é de que ninguém responde pelo governo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é quem tem recebido parlamentares para discutir sobre apoio à reforma da Previdência. Sem comando, líderes partidários esperam que o próprio Bolsonaro os convoque para apresentar as propostas e dar diretriz à articulação política. “Não pode deixar essas marolas virarem um tsunami”, alertou um aliado. Bolsonaro e Vitor Hugo têm encontro marcado às 10h no Palácio da Alvorada.

Dos focos de incêndio, o aparentemente mais simples de ser controlado é o protagonismo do vice, Hamilton Mourão. Afinal, a volta de Bolsonaro puxa para ele as atenções. Para a comemoração de governistas, que ficaram insatisfeitos com a reunião na última semana com o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, e de aliados evangélicos. O vice negou a transferência da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. Na prática, Mourão ganhou musculatura com a perda de força do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, alvo de desconfianças de diplomatas estrangeiros em Brasília. A dificuldade do vice é a estrutura minguada. E daí vem o controle de Bolsonaro sobre a pauta, por mais frágil que Araújo possa se apresentar.

Arestas a aparar

De volta a Brasília, Bolsonaro precisará apagar incêndios e iniciar, de fato, o governo

» Equipe econômica

A desautorização de Bolsonaro sobre o fim da taxa sobre importação do leite em pó da União Europeia levará o presidente e o ministro Paulo Guedes a definirem melhor uma agenda conjunta para evitar atritos entre as equipes econômica e política.

» Previdência

O presidente precisará, segundo analistas políticos ouvidos pelo Correio, ter pulso firme para definir o texto a ser encaminhado ao Congresso. A preocupação é não enviar uma proposta muito rígida ou muito branda, que não convença investidores.

» Bebianno

Suspeito de financiar uma candidatura laranja em Pernambuco, o ministro-chefe da Secretaria-Geral tenta se segurar no poder. Mas esbarra na resistência do entorno político do presidente, que precisará definir a permanência ou não do ministro.

» Mourão

Cumprimento de agendas e declarações do vice-presidente geraram repercussão negativa entre aliados do governo e ao próprio presidente.

O núcleo duro do governo avalia que o relacionamento precisará ser equacionado.