Valor econômico, v.19, n.4555, 27/07/2018. Empresas, p. B6

 

Internet das coisas depende de decreto para avançar

Ivone Santana

27/07/2018

 

 

Um pequeno chip que cabe na ponta do dedo abre caminho para números gigantes no mundo, e no Brasil também. A previsão é de bilhões, seja em volume desses microprocessadores que estarão em serviço em poucos anos, ou em cifras referentes a investimentos e negócios. A corrida nos serviços móveis já começou, só que desta vez os alvos não são os usuários de celular, mas suas coisas.

Silenciosamente, os objetos já vinham se comunicando e executando tarefas - rastreando caminhões em estradas ou acendendo a luz da sala antes de abrir a porta de casa. Mas, agora, a internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), movida por esses pequenos chips inseridos nas coisas ao redor das pessoas, entra em uma nova etapa.

Está em fase final de tramitação, na Presidência da República, o Plano Nacional de Internet das Coisas. Só falta a assinatura de um decreto pelo presidente Michel Temer. Na sequência, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) se reunirá com outras áreas do governo e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para definir as ações prioritárias e os respectivos prazos de implantação, informou Thiago Camargo, secretário de Políticas Digitais do MCTIC, por e-mail. Estarão envolvidos os Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; da Agricultura; da Saúde; e das Cidades.

A internet das coisas poderá adicionar à economia brasileira de US$ 34 bilhões a US$ 132 bilhões até 2025, segundo o secretário. O impacto se daria em quatro campos, em especial: na saúde, de US$ 5 bilhões a US$ 39 bilhões; nas cidades, de US$ 13 bilhões a US$ 27 bilhões; na área rural, de US$ 5 bilhões a US$ 21 bilhões; e na indústria, de US$ 11 bilhões a US$ 45 bilhões. Esses números foram divulgados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e social (BNDES) em outubro.

O estudo do BNDES indica que o potencial de IoT na produtividade e na melhoria de serviços críticos poderia chegar a cerca de US$ 200 bilhões por ano, em 2025, considerando o uso de IoT em todos os ambientes de aplicação. O valor inclui os ganhos econômicos diretos (PIB) e indiretos ("consumer surplus" - conceito pelo qual o consumidor estaria disposto a pagar mais pelo produto ou serviço adquirido).

Como exemplo de ganho de produtividade, Carlos Azen, gerente do departamento de tecnologia da informação e comunicações do BNDES, cita o uso de um sistema de internet das coisas na mobilidade urbana. Se for possível reduzir os gastos em transporte público, há um impacto econômico para usuários e fornecedores.

Camargo, do ministério, afirmou que algumas ações já estão em andamento. Citou como exemplos a chamada pública do BNDES para projetos-piloto de internet das coisas e a linha de US$ 1,5 bilhão para projetos da Finep (agência pública de fomento vinculada ao MCTIC). "Ao longo dos próximos cinco anos, outras ações serão lançadas", disse.

Para os projetos-piloto, o BNDES abriu linha de R$ 20 milhões não reembolsáveis. A expectativa é iniciar a liberação até o fim deste ano para execução dos projetos no início de 2019. A chamada para seleção dos projetos foi publicada em meados de junho, com foco em cidades inteligentes, ambiente rural e saúde.

Outra linha de crédito está sendo estruturada para pequenas empresas de IoT, mas não depende necessariamente do plano nacional, disse Carlos Azen, do BNDES. São 60 iniciativas de projetos identificadas no estudo que estão sendo incluídas no plano. "Estamos mobilizando a agenda porque achamos que terá impacto. O plano dá força e acelera iniciativas", disse Azen. Os valores desse tipo de financiamento ainda serão estabelecidos.

No momento, há 14 fundos abertos, dos quais o BNDES é cotista, com um total de R$ 600 milhões para investimento de empresas de diferentes tamanhos. Segundo Azen, os aportes já estão sendo feitos.

Para o gerente do BNDES, é difícil estabelecer fronteiras e dizer se o mercado de IoT será maior que o de chips de celular usados pelas pessoas. Na sua opinião, o impacto pode ser pequeno para os fornecedores, mas do ponto de vista do usuário, "é tremendo". "Qualquer ganho que um produtor tenha para tornar suas máquinas mais eficientes, como no agronegócios, tem um impacto econômico grande, mas não quer dizer que vai gerar uma receita grande para ele."

O estudo IDC Predictions Brasil 2018 estima que o mercado total de internet das coisas no Brasil será superior a US$ 8 bilhões neste ano. A IDC Brasil toma por base para suas previsões as iniciativas impulsionadas pelo Plano Nacional de Internet das Coisas e os projetos que estão em desenvolvimento.

Um dos pontos polêmicos do plano é a forma de tarifação de IoT, considerada fundamental para a evolução do serviço. Isso só será definido depois da publicação do decreto.

A definição do tipo de tarifa está entre considerar IoT como item de infraestrutura de telecomunicações ou serviço de valor adicionado (SVA). Se for item de infraestrutura, dizem alguns especialistas, muitos projetos podem ser inviabilizados, pois essa classificação envolve uma cadeia de contribuições fiscais e encareceria o chip.

Não está claro também a qual órgão caberá a definição do tipo de tarifa. Camargo, do MCTIC, disse que as discussões estão em andamento e continuarão após a publicação do decreto com a Anatel e os personagens interessados no tema. Nesse rol está o próprio MCTIC e áreas técnicas do governo.

Segundo o presidente da Anatel, Juarez Quadros, se IoT for tratada como item de telecomunicações, poderá ser tributada com Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) ou Imposto sobre Serviços (ISS), por exemplo. O setor defende a isenção da taxa do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), mas isso não pode ser incluído no decreto. Depende de outorga da Anatel, disse Quadros.

Quadros lembra que a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) estabelece que SVA não é um serviço de telecomunicações. Quadros reconhece que, para os provedores, seria melhor se a internet das coisas fosse definida como um SVA. Caso seja, deverá ter regulamentação complementar.