Correio braziliense, n. 20416, 14/04/2019. Política, p. 4

 

Entrevista - Randolfe Rodrigues

14/04/2019

 

 

“Temos um governo confuso, que se sabota”

Um dos mais atuantes parlamentares da oposição, o senador Randolfe Rodrigues (Rede), 46 anos, acredita que os partidos não alinhados a Jair Bolsonaro deram uma trégua nos primeiros 100 dias do governo. “Se, por um lado, tem sido mais fácil fazer oposição, por outro lado, tem sido lamentável constatar que temos um governo totalmente confuso, um governo que se sabota”, disse ele, em entrevista ao Correio na última quinta. Confira os principais trechos (LC):

Qual é o balanço que o senhor faz da oposição nos 100 dias do governo Bolsonaro?
Eu já fui oposição em outros momentos. Se, por um lado, tem sido mais fácil fazer oposição, por outro lado, tem sido lamentável constatar que temos um governo totalmente confuso, um governo que se sabota.

Então é mais fácil fazer oposição porque o governo se sabota?

É mais fácil desse ponto de vista, mas é ruim porque eu aprendi que o papel de uma oposição em um Estado de direito é contribuir, é apontar erros para aperfeiçoar o governo. E eu quero ser oposição assim. Antes mesmo da posse de Bolsonaro, eu dizia que não iríamos fazer oposição sistemática. Não seria da lógica de quanto pior melhor.

Mas a oposição está fazendo isso?

A oposição tem de se conformar com o resultado democrático das urnas. Ocorre que o governo iniciou e não abriu o espaço necessário para a contribuição. O governo tem, ao longo desses 100 dias, se perdido em factoides criados pelo próprio governo, tem se sabotado. O governo encaminhou aqui para o Congresso reformas que estão comprometidas. A da Previdência e a do pacote anticrime do ministro Sérgio Moro. Estão comprometidas não pela tal articulação como se fala. Estão comprometidas, pela incompetência do governo de conduzir isso, de fazer a mobilização. O restante da política da Esplanada é um desastre completo. O Exército atua atabalhoadamente lá no Rio de Janeiro chacinando, esfacelando uma família; a ministra dos Direitos Humanos não fala nada, fica preocupada se homem tem de usar camisa azul, mulher tem de usar camisa rosa, não é? O chefe da nossa política externa tem dado uma coletânea de declarações desastradas, e nossa política externa nunca custou tão caro para o Brasil.

A oposição tem unidade?

Não, nós temos diferenciações na oposição. Nós temos dois campos de oposição, um liderado pelo PT, e nós inauguramos um outro campo de oposição…

Nós quem?

Fundamentalmente, Rede e PDT. Que no Senado, esse outro campo de oposição tem um bloco parlamentar em que está a Rede, o PDT, o PSB, e o Cidadania hoje (antigo PPS). Esse bloco tem um certo diálogo na Câmara com o PCdoB, também com esses outros mesmos partidos. Então, nós inauguramos um campo alternativo de oposição. Eu digo que é um campo alternativo porque nós queremos fazer demarcação, não tem nenhuma sangria em fazer demarcação com o petismo, de fazer demarcação com o PT, mas é que nós temos, claramente, percepções diferentes de como nos localizarmos em relação à oposição.

Quais são as diferenças?

Uma delas, por exemplo: nós não podemos ir para a lógica e para a prática de que tem de ser contra tudo e contra todos. Isso não contribui. Estamos indo para a lógica de que, a cada projeto do governo, temos de apresentar projeto alternativo. Reforma da Previdência, por exemplo, não basta só a palavra de ordem “não tem de ter reforma da Previdência, vamos ser contra a reforma da Previdência”. Partimos do princípio de que existe um deficit e ele tem formas de ser enfrentado. A forma apresentada pelo governo não é a mais adequada, penalizando os mais pobres, acabando com o Benefício de Prestação Continuada, que vai aumentar para 70 anos e condenar os pobres a não receberem mais isso.

E quais são as alternativas?

O ministro Paulo Guedes (Economia) até agora não falou uma vírgula sobre as desonerações que ocorreram, inclusive boa parte no período petista. As desonerações totalizam quase R$ 400 bilhões. Então, só isso é quase 40% do R$ 1 trilhão que o ministro Paulo Guedes está propondo economizar. E as desonerações foram uma farra. Tem uma questão que parece que é intocável, uma cláusula que é intocada no debate de qualquer reforma brasileira, que é o imposto sobre a herança. Qualquer Estado democrático do Ocidente tem uma tributação maior do que a nossa sobre a herança. Nós temos uma tributação de 8%. Na França, isso chega a 15%, a 20%; nos Estados Unidos, também. A nossa proposta vai dar R$ 1,2 trilhão sem penalizar os mais pobres.

O servidor entra na conta os senhores?

Entra. O que nós queremos: não é possível um servidor que recebe R$ 2 mil ter a mesma taxação de um que recebe R$ 30 mil, R$ 35 mil. O servidor que recebe R$ 30 mil, R$ 35 mil está no topo, obviamente tem de ser mais taxado do que aquele que está abaixo. Por uma questão de justiça distributiva. E isso, na nossa proposta, estamos abordando, estamos debatendo. Nós queremos amadurecer com uma proposta de bloco, para apresentar como uma proposta alternativa.

A oposição não está perdida em relação ao enfrentamento?

Nesses primeiros 100 dias, a oposição concedeu ao governo toda a trégua necessária. Todas as confusões que existiram no Brasil, nesses 100 dias, foram o próprio governo que fez. Foi o presidente que foi ao carnaval falar de “golden shower”; são os ministros que fazem desbaratadas; é o presidente que vai arranjar confusão com a Liga Árabe; é o presidente que dá patada na França, na China, compromete nossa balança de exportações internacional, faz acordo concedendo a Base de Alcântara, proibindo brasileiros de entrarem lá, ou seja, quem tem feito todas as trapalhadas. Quem tem feito lambanças, nesses 100 dias, é o próprio governo. Parece-me que o presidente é mais bravateiro do que autoritário, mas esses 100 dias demonstraram claramente que as bravatas resultam na ausência de condução e de governo. As agendas que têm sido apresentadas na ausência do governo têm sido, via de regra, do parlamento.

Passados seis meses da eleição, que senhor acha que ocorreu com Marina Silva?

A campanha desidratou pela lógica da polarização. Marina já profetizava para nós quando estávamos organizando e fundando a Rede, em 2013 e 2014, que o modelo político de 1985 da redemocratização e da Constituição de 1988, o chamado presidencialismo de coalizão, tinha se esgotado e que era necessário fazer o hackeamento do sistema. Eu lembro como ontem essas palavras, porque eu acreditava também nisso, concretamente nisso. Nós queríamos hackear o sistema com proposta da Rede. O sistema foi hackeado, então, a previsão estava certa. Só que foi hackeado pelo viés conservador.

E agora?

Nós tomamos uma decisão em relação à Rede, ainda é muito prematuro. A Rede não pode sucumbir ainda às regras de cláusula de barreira, ainda tem muita vida e acho que pode dar uma grande contribuição para o sistema político e partidário do Brasil. Nós não descartamos, por exemplo, o debate de fusão, mas queremos adiá-lo para, pelo menos, o ano que vem, quando, inclusive, nós completaríamos legalmente cinco anos, e a fusão pode ser legalmente possível. Eu defendo; já conversei com Marina sobre isso, conversei com o senador Cid Gomes recentemente. Temos de construir e fortalecer os laços de organicidade desse bloco parlamentar que responde pela oposição aqui no Senado. Nesse bloco estão Rede, Cidadania, PSB e PDT. Tem muito acordo com isso, com o PDT, com o senador Cid Gomes.

“Parece-me que o presidente é mais bravateiro do que autoritário, mas esses 100 dias demonstraram claramente que as bravatas resultam na ausência de condução e de governo”