Valor econômico, v.19, n.4650, 14/12/2018. Brasil, p. A2

 

Unesp expulsa 27 alunos acusados de fraude em declaração de cota racial 

Hugo Passarelli 

14/12/2018

 

 

Juarez Xavier: "Partimos do pressuposto de que os cidadãos podem ser convocados a retificar qualquer documento"

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) expulsou 27 alunos por acusação de fraude na declaração usada para pleitear vaga por cotas destinadas a pretos e pardos. Além do desligamento, os estudantes ficam impedidos de ingressar na instituição por cinco anos - o regimento interno da instituição prevê essa penalidade em caso de expulsão. A medida sairá na edição de hoje do "Diário Oficial" do Estado.

Pela lei de cotas, 50% das vagas em universidades federais e estaduais devem ser destinadas a alunos de escola pública. Destas, a Unesp reserva 35% para pretos, pardos ou índios. Neste etapa, a universidade analisou só os casos referentes a pretos e pardos.

As supostas fraudes foram possíveis porque o enquadramento nas cotas para pretos e pardos é viabilizado por autodeclaração de quem presta o vestibular. Para os índios, a regulamentação é mais específica e exige, por exemplo, documento da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A apuração dos casos começou em 2016, quando uma comissão provisória foi instaurada para analisar denúncias recebidas por coletivos negros da Unesp. A comissão tornou-se permanente em julho do ano passado, após um processo de investigação e criação de parâmetros para avaliar as possíveis irregularidades.

A comissão da Unesp baseou-se em acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), que leva em consideração características fenotípicas, como pigmentação da pele e dos olhos, tipo de cabelo e forma do nariz e dos lábios.

O grupo formado por oito representantes da universidade apurou denúncias recebidas por meio da ouvidoria e também pediu às diretorias acadêmicas, espécie de secretaria de cada unidade, dados cadastrais de alunos suspeitos de irregularidade.

A partir dessa triagem, que utilizou inclusive checagem de redes sociais, o grupo passou a convocar alunos para entrevistas presenciais. "Partimos do pressuposto de que os cidadãos podem ser convocados a retificar qualquer documento apresentado a órgãos públicos", diz Juarez Xavier, presidente da comissão de averiguação das autodeclarações.

Além dos 27 alunos expulsos, Xavier diz que o grupo já realizou 300 entrevistas. Embora nem todos possam ter violado as regras, esse é o público passível de sanções pela Unesp.

Constatada a irregularidade, os alunos puderam ainda entrar com recurso em duas esferas administrativas. Em muitos casos, o argumento foi de que não constava no manual do aluno (que determina as regras do vestibular) a possibilidade de questionamento da autodeclaração.

"Por essas manifestações, percebemos que deveríamos fazer uma ação educativa e aprimorar o manual do aluno para evitar esse tipo de contestação", afirma Renato Diniz, superintendente da Vunesp, fundação que aplica o vestibular da Unesp, e também integrante da comissão.

Segundo Diniz, o trabalho neste momento dedicou-se a identificar as irregularidades. "A investigação partiu de uma preocupação de zelar pelo bom cumprimento da política de cotas", diz.

A partir do ano que vem, a ideia é tornar o processo mais ágil e verificar, a partir da foto enviada na matrícula on-line, possíveis casos de fraude, antecipando-se a uma eventual denúncia. "Com isso, conseguimos dar a vaga mais rapidamente para quem de fato tem direito", diz.

Também será criada uma comissão unificada, ligada à reitoria da Unesp, para acelerar a tramitação do processo. Hoje, além do grupo presidido por Xavier, há comissões em cada unidade da Unesp, o que torna o processo mais demorado.

De acordo com a Unesp, o percentual de ingressantes oriundos de escolas públicas no vestibular de 2018, quando foi concluída a implantação gradual do sistema de cotas, foi de 55,8%. Em 2014, quando se iniciou o sistema, esse percentual era de 40,7%.

A Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) caminham na mesma direção e devem crias suas comissões para apurar irregularidades em cotas, diz Vinicius Conceição Silva, coordenador auxiliar do Núcleo da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Na Unicamp, o foco, por ora, é a pós-graduação. "O debate hoje sobre cotas raciais não é mais focado na implementação, mas sobre a efetividade dessa política, ou seja, se ela atende a quem tem direito", afirma.