Valor econômico, v.19, n.4651, 17/12/2018. Especial, p. A16

 

Futuro governo 'herda' plano de concessões pronto para decolar

Daniel Rittner 

Fernanda Pires 

17/12/2018

 

 

Os desafios enfrentados pelo governo Michel Temer para destravar as concessões na área de infraestrutura deixaram um "presente" ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, que promete mais investimentos privados no setor.

A equipe de Temer encheu a prateleira de projetos avançados de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Não houve tempo suficiente para executar tudo o que havia sido planejado inicialmente. Mas boa parte do caminho necessário - discussão de modelagem com empresas interessadas, elaboração de estudos, realização de audiência pública e análise do Tribunal de Contas da União (TCU) - já foi percorrido.

Isso permitirá ao novo governo começar voando. Logo em março, Bolsonaro poderá bater o martelo em três grandes leilões herdados da atual gestão: 12 aeroportos, quatro terminais portuários e um trecho de 1.537 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul entre Porto Nacional (TO) e Estrela D'Oeste (SP). Só esses projetos devem resultar em investimentos de R$ 6,4 bilhões ao longo dos contratos.

Esses leilões são considerados testes importantes. Pela primeira vez serão licitados blocos de aeroportos, misturando ativos lucrativos e deficitários em três lotes diferentes, em vez de ofertas individuais. No caso da Norte-Sul, a modelagem exigiu longas discussões sobre o direito de passagem da futura concessionária na malha de outras operadoras.

Há grande expectativa em torno do que vem depois. A escolha do engenheiro Tarcísio Gomes de Freitas como futuro ministro da Infraestrutura foi celebrada pelo mercado como sinal de que os planos de novas concessões serão mantidos e acelerados. Como secretário do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Freitas foi um dos principais interlocutores do Palácio do Planalto com o setor privado nos últimos dois anos e meio. Ele é tido como especialista bastante estudioso, sem dogmas, criativo nas soluções técnicas e aberto ao capital externo.

"O que virá depois é a continuidade do que está dando certo, o PPI", assegurou Freitas na semana passada, em São Paulo, onde falou para uma plateia repleta de assessores financeiros e jurídicos que se movimentam para atender potenciais interessados nos próximos leilões de infraestrutura. "Existem mais de 80 projetos em pleno desenvolvimento, que vão virar leilões muito em breve."

Ao fim dos próximos quatro anos, toda a rede da Infraero passará para a iniciativa privada e a estatal será liquidada. O desenho preliminar prevê seis blocos regionais divididos em duas novas rodadas de concessões. Na primeira, em 2020, a ideia é ter três blocos: um no Sul (com Curitiba à frente), outro no Norte (puxado por Manaus) e o terceiro na região central (tendo Goiânia como destaque). Na segunda rodada, em 2021 ou 2022, devem estar as duas "joias da coroa" liderando cada bloco: Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ). O último lote teria Belém e os outros cinco aeroportos da Infraero no Pará.

Quem acompanha o mercado avalia que o ambiente é favorável aos operadores já estabelecidos no Brasil e que têm amplo domínio de implantação de projetos - sabem onde estão os desafios e as oportunidades.

Isso vale principalmente em áreas como rodovias e mobilidade urbana, segmentos cujos operadores já dominam os riscos de implantação. "Operadores internacionais ainda sem presença no Brasil e investidores financeiros deverão ser seletivos, mirando negócios com riscos mitigados e em parceria com construtores locais", observa o consultor Paulo Cesena, especialista em infraestrutura.

Pela primeira vez serão licitados blocos de aeroportos, misturando ativos lucrativos e deficitários

Além da necessidade de garantir competitividade nos leilões, dominar as questões de investimento do projeto é cada vez mais relevante, pois os novos contratos de concessão trazem regras de reequilíbrio automático em favor do poder concedente no caso de atraso nas obras, independentemente de quem tenha dado causa. A concessão de 473,4 quilômetros da Rodovia de Integração do Sul (RIS) já foi leiloada assim em novembro. Essa regra também entrou no edital da Norte-Sul.

Alguns dos novos contratos dão ainda à União o direito de rescindir de forma amigável o contrato na eventualidade de não obtenção, pelo investidor, do financiamento de longo prazo. Essa cláusula não havia antes. A minuta da Ferrogrão, projeto de ferrovia ligando Sinop (MT) a Miritituba (PA), já tem essa previsão. "Não ter um plano bem elaborado de implantação afasta credores, arriscando a continuidade do projeto", afirma Cesena.

Na área de rodovias, a RIS foi o único leilão concretizado pela gestão Temer. As discussões no tribunal de contas se estenderam por quase um ano. O aval do órgão de controle sinaliza que novos editais devem ter uma análise mais rápida. A BR-364/365, entre Jataí (GO) e Uberlândia (MG), já foi liberada - embora ajustes sejam necessários. Outros leilões devem incluir a BR-364 (Rondônia) e a BR-101 (Santa Catarina).

O governo Bolsonaro terá pela frente, ainda, a relicitação das primeiras estradas federais privatizadas nos anos 1990: as rodovias Presidente Dutra (Rio-São Paulo), BR-040 (Rio-Juiz de Fora) e BR-116 (Rio-Teresópolis). Os estudos estão sendo feitos em uma parceria da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) com o International Finance Corporation - um braço do Banco Mundial.

Escolha de Freitas como ministro foi celebrada como sinal de que concessões serão mantidas e aceleradas

No fim de novembro, em evento com executivos da construção, o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, falou em adotar cláusulas para compensar as empresas por variações cambiais nos contratos de infraestrutura.

Mesmo sem dar detalhes, a declaração vai na linha desejada há anos pelas empresas. Colômbia e Peru são exemplos de países que já têm "seguros cambiais" nas concessões. "Foi como música para os nossos ouvidos", elogiou o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), Evaristo Pinheiro.

Outro segmento em que estão depositadas grandes expectativas é o de ferrovias. Esperava-se a renovação antecipada de pelo menos algumas das concessões que vencem apenas na próxima década. O cronograma, no entanto, "escorregou" para 2019.

Em troca de mais 30 anos de contrato, a Rumo promete investir R$ 6,9 bilhões na revitalização e duplicação de trechos da Malha Paulista. É o caso mais adiantado e já se encontra em avaliação no TCU. Em uma etapa anterior, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) já fez audiências públicas para debater as extensões contratuais das duas ferrovias da Vale - as estradas de ferro Carajás e Vitória-Minas.

A esperança do novo ministro da Infraestrutura, que esteve pessoalmente envolvido com a modelagem, é bater o martelo na construção de 383 quilômetros da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Mato Grosso e Goiás, como contrapartida pela renovação da Vale.

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Travada em 4 governos, 'rodovia da morte' vai a leilão 

Fernanda Pires 

Daniel Rittner 

17/12/2018

 

 

O ano de 2019 será movimentado para o mercado rodoviário, o primeiro do guarda-chuva de transportes a ser concedido à iniciativa privada na década de 1990. Leilões de novos trechos e relicitações dominam a agenda. Além do que já foi divulgado pelo Programas de Parcerias de Investimentos (PPI), o governo irá finalmente conceder à iniciativa privada a BR-381 entre Belo Horizonte e Governador Valadares (MG) - conhecida como "rodovia da morte" devido aos altos números de acidentes.

Ao menos quatro governos tentaram, sem sucesso, melhorar e duplicar a rodovia por meio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

A Empresa de Planejamento e Logística (EPL) está fazendo os estudos, ainda em estágio preliminar. Já está decidido, contudo, que a BR-381 será licitada com a BR-262. Esta, um corredor que liga os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e inaugurou os leilões do Programa de Investimento em Logística (PIL) no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2013. Deu "vazio", jargão usado quando não há proposta. Ao recapacitar os lotes e juntá-los, o governo aposta que terá mais chances de transferir o ativo.

Em 2014 o Dnit contratou a duplicação e restauração de 303 quilômetros da BR-381. Doze trechos foram transferidos à iniciativa privada e empresas estrangeiras, como a espanhola Isolux-Corsán, que se juntou à brasileira Engevix na concorrência, venceram alguns deles. Mas abandonaram canteiros de obras por problemas financeiros e hoje oito lotes estão parados. Algumas obras, contudo, como túneis importantes, já foram entregues, razão pela qual a rodovia pode ser tornar mais atrativa dessa vez.

Pelo estágio do PPI, o primeiro trecho que deve ser licitado é o de 437 quilômetros da BR-364/365, entre os estados de Minas Gerais e Goiás, que escoa a produção agroindustrial do sudeste goiano e do Triângulo Mineiro. Na sequência, a expectativa é que vá a mercado a BR-101 entre o município de Palhoça (SC) até quase a divisa com o Rio Grande do Sul.

"Vemos duas vertentes: avançar com mais trechos à iniciativa privada e resolver problemas nas concessões tanto da terceira quanto, em alguns casos, da segunda etapas", disse o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges.

Ex-ministro dos Transportes, ele se refere às concessões realizadas em 2013-2014 e 2007-2009, respectivamente, cujos vencedores não conseguiram fazer os investimentos no prazo obrigatório por problemas como falta de financiamento e não obtenção de licenças ambientais.

Borges vê com bons olhos a indicação de Tarcísio Gomes de Freitas para o futuro ministério da Infraestrutura do governo Jair Bolsonaro (PSL). Em entrevista ao Valor, Freitas disse que o ideal é tentar resolver pendências dentro dos contratos por meio das revisões quinquenais, em conjunto com os órgãos de controle.

Entre os portos - área que começou a ser transferida também na década de 90 à iniciativa privada - haverá bastante movimentação em 2019. Os quatro primeiros leilões serão de terminais destinados à movimentação de granéis líquidos, notadamente combustíveis, nos portos de Cabedelo (PB) e Vitória (ES).

São instalações pequenas mas estratégicas para o abastecimento das regiões onde estão inseridas. Ainda em dezembro há expectativa de lançamento de mais cinco editais para arrendamentos de áreas também destinadas a combustíveis no porto de Belém (PA). Juntas, elas somam 200 mil metros quadrados.

A grande espera do mercado, no entanto, é pelo novo terminal para contêineres no porto de Suape (PE), ponto estratégico para o fluxo de navios no Nordeste - região com pouca oferta de terminais com grande capacidade para esse nicho de carga. O projeto está em consulta pública e o leilão é esperado para o terceiro trimestre.

Será uma nova instalação com potencial para movimentar aproximadamente 840 mil Teus (contêiner padrão de 20 pés) por ano. O investimento previsto é de mais R$ 1,2 bilhão e a expectativa é que haja interessados - sobretudo grupos internacionais.