Correio braziliense, n. 20436, 04/05/2019. Cidades, p. 17

 

Liminar do STF alivia pressão sobre orçamento

Alexandre de Paula

Ana Viriato

04/05/2019

 

 

Decisão do ministro Marco Aurélio Mello suspende temporariamente resolução do Tribunal de Contas que resultou em dívida de R$ 10 bilhões ao GDF. Mesmo assim, Executivo local mantém politica de conter despesas e adiar o reajuste do funcionalismo

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu de forma liminar o acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que imputou dívida de R$ 10 bilhões ao GDF e provocaria uma baixa de R$ 680 milhões na arrecadação tributária da capital ao ano. A Corte de Contas havia estabelecido que os valores do Imposto de Renda incidente sobre a remuneração das forças de segurança brasilienses pertencem à União. O recolhimento do montante, por parte do Ministério da Economia, começaria a partir da folha salarial de abril. Apesar do alívio momentâneo, o Palácio do Buriti manterá o sinal amarelo ligado — o Orçamento passará por reavaliação e promessas de campanha, como o reajuste do funcionalismo, ficarão para depois.

O arrocho deve-se a uma série de fatores. Entre eles o fato de decisão do ministro não deter caráter definitivo. O plenário da Suprema Corte determinará quem deve ficar com o dinheiro: União ou DF. Ademais, nos quatro primeiros meses do ano, a arrecadação da capital ficou aquém do estimado. O GDF recolheu R$ 5,2 bilhões em impostos e taxas — R$ 280 milhões a menos do que a cifra prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2019. Pesa, ainda, a questão de o Palácio do Buriti projetar um deficit orçamentário de quase R$ 1 bilhão para este ano.

Em meio ao delicado cenário, o governador Ibaneis Rocha (MDB) afirmou que o momento é de cuidado e parcimônia. “Como gestor público, preciso agir com responsabilidade, prevenindo os cofres para o que pode acontecer à frente. A decisão do STF foi um alívio e estou confiante em nossa vitória definitiva. Mas o cenário ainda é instável”, pontuou.

O secretário de Fazenda, Planejamento, Orçamento e Gestão, André Clemente, engrossou o coro. “Obviamente, temos de fazer os contingenciamentos. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impõe isso: na perspectiva de frustração de qualquer uma das receitas, nós temos de conter a despesa”, argumentou. “Tínhamos um contingenciamento de R$ 600 milhões e, com esse risco (de a liminar ser revertida), vamos contingenciar mais R$ 600 milhões do Orçamento”, explicou.

Questionado sobre os reajustes do funcionalismo e a paridade da Polícia Civil, o secretário afirmou apenas que “todo gasto público está sob forte análise agora de sua pertinência, da sua oportunidade”. “O nosso compromisso, a nossa prioridade é atender o DF com infraestrutura, para que a população não sofra com as chuvas, e gerar empregos”, disse.

As declarações ocorreram após reunião com o secretariado do governo em que as medidas de arrocho foram comunicadas aos representantes das pastas. A partir de agora, apenas o essencial terá novos recursos disponibilizados, de preferência, segundo o secretário, com substituição de gastos anteriores.

Diretrizes

A deliberação no TCU ocorreu em 27 de março. Na sessão, o plenário revogou uma medida cautelar concedida, em 2010, pelo ministro Raimundo Carreiro. À época, ele determinou que o Ministério da Fazenda se abstivesse de reter o Imposto de Renda incidente sobre a remuneração das forças de segurança. Esses profissionais são pagos com recursos do Fundo Constitucional do DF, abastecido pela União (leia O que diz a lei).

Publicado em 29 de abril, o acórdão imputou ao DF uma dívida bilionária, resultado do passivo acumulado desde janeiro de 2003, à época da instituição do Fundo. No mesmo dia, o Ministério da Economia informou que passaria a reter o montante mensal a partir da próxima folha de pagamento. A Procuradoria-Geral do DF, então, recorreu ao STF.

Na ação cível originária, o GDF alegou, entre outros aspectos, que os integrantes das forças de segurança da capital pertencem ao quadro de servidores distritais. Ressaltou, ainda, que, apesar de a União realizar o custeio, é dever jurídico do DF realizar os pagamentos de remunerações, pensões e proventos. O Buriti argumentou que a decisão do TCU desequilibraria as contas do Distrito Federal, podendo comprometer até mesmo os salários do funcionalismo.

Relator da matéria, o ministro Marco Aurélio Mello concedeu a liminar em preservação à segurança jurídica. “O ressarcimento aos cofres do Tesouro Nacional dos valores tidos como indevidamente repassados desde o ano de 2003 poderá ocasionar verdadeiro colapso nas finanças do Distrito Federal — circunstância a justificar o exercício, pelo Judiciário, do poder geral de cautela”, argumentou.

Conforme o ministro, “é a partir do Distrito Federal que se traçam as diretrizes vitais para o bem-estar da totalidade do povo brasileiro”. “Enfraquecê-lo financeiramente em benefício da União, ausente expressiva razão jurídica a infirmar prática consolidada pelo tempo e albergada por razoável interpretação sistêmica e teleológica do texto constitucional, é solapar a viga-mestra de todo o edifício federal”, complementou Marco Aurélio.

No detalhe

Nos quatro primeiros meses do ano, o GDF recolheu R$ 170,9 milhões relativos ao Imposto de Renda incidente sobre salários e proventos de funcionários da Polícia Militar, da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros, que recebem pelo Fundo Constitucional. A estimativa é de que, em todo o ano, a cifra chegue a R$ 679,5 milhões. Confira a expectativa de arrecadação nos contracheques de cada categoria:

Polícia Militar

R$ 283.809.828,84

Polícia Civil

R$ 260.753.021,61

Corpo de Bombeiros

R$ 135.006.793,22

Total

R$ 679.569.643,67

O que diz a lei

» A Lei nº 10.633, de 27 de dezembro de 2002, instituiu o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) “com a finalidade de prover os recursos necessários à organização e manutenção da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do DF, bem como assistência financeira para execução de serviços públicos de saúde e educação”. Conforme a legislação, em janeiro de 2003, os recursos correspondentes passaram a ser entregues ao GDF, em duodécimos, até o dia 5 de cada mês.