Valor econômico, v.16, n.4644, 06/12/2018. Empresas, p. B4

 

Cade decide investigar estatal sobre conduta em refino 

Fábio Pupo 

06/12/2018

 

 

O tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu, por maioria, pela abertura de investigação sobre o eventual abuso de poder dominante da Petrobras no mercado de refino de petróleo.

A decisão seguiu a sugestão do presidente do órgão antitruste, Alexandre Barreto. Ele não viu elementos suficientes para abrir um processo contra a estatal e optou por sugerir apenas o inquérito. "Não temos no momento motivos para a abertura de um processo administrativo. Contudo, temos elementos no estudo que podem se configurar infrações contra a ordem econômica", disse. Para ele, embora o quase monopólio exercido pela estatal não constitua por si só uma prática ilícita, a estrutura atual "potencializa" eventual abuso de posição dominante.

Como a decisão é pela investigação no momento, Barreto diz ser cedo para discutir sanções como a venda de ativos da estatal. "Ainda é indício, algo bem inicial. Então não dá para se falar em condenação e muito menos em remédios a serem aplicados", disse ele. A investigação tem prazo inicial de seis meses. Os passos seguintes incluiriam, constatadas as infrações, um processo administrativo a ser encaminhado para análise do tribunal do Cade para discussão de medidas - que podem, no limite, incluir a venda de ativos. Nesse caso, os conselheiros teriam que deliberar sobre uma eventual condenação da empresa.

A concorrência, nesse caso, fica a cargo de importação e de empresas com baixa atuação em todo país

A sugestão de Barreto sobre a investigação foi seguida por quatro conselheiros, mas também foi alvo de contestações. Única a discordar integralmente da sugestão, Paula Farani de Azevedo Silveira afirmou que o estudo usado para embasar a decisão não apontou indícios de abuso de poder dominante. Ainda segundo ela, a possível concorrência reduzida no setor decorre de ações estatais.

Já Cristiane Alkmin votou com Barreto, mas alertou sobre os possíveis efeitos da venda de ativos no futuro. "Não tenho dúvidas que a melhor alternativa é vender as refinarias. Mas não sei se a venda de alguns ativos pode ter impacto positivo, a depender do comprador", disse. Além disso, ela afirma que a ação do Cade poderia inclusive atrapalhar o planejamento da estatal - que sob o novo governo já deve acelerar vendas de ativos. Barreto respondeu que a decisão é apenas pela investigação, não havendo uma decisão sobre o tema.

A determinação para abrir a investigação tem como base nota técnica elaborada pelo Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade, no grupo de trabalho instituído com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O estudo buscou debater a estrutura do mercado de refinaria no Brasil e possíveis medidas para estimular a competição no setor.

De acordo com o documento, a Petrobras detém 98% de participação nesse mercado e há poucas alternativas à estatal para o refino de petróleo. Segundo o Cade, a concorrência fica a cargo de importação e empresas com baixa expressividade no território brasileiro.

Barreto afirmou que a Petrobras é uma formadora de preço e influencia em uma das cadeias mais relevantes do país. "Compete ao Cade fazer um controle preventivo exatamente para evitar que os agentes do mercado abusem do poder que eventualmente eles detenham. No mesmo sentido, no âmbito repressivo, é válido também uma reflexão sobre as estruturas dos mercados, especialmente se, nos casos extremos, e condicionado à ocorrência de ilícito, seja socialmente desejável uma intervenção estrutural da autoridade concorrencial", explicou o presidente.

Em abril deste ano, a Petrobras sugeriu voluntariamente a venda de dois conjuntos de ativos no setor de refinaria, nas regiões Sul e Nordeste. A operação resultaria em duas novas empresas e a estatal teria participação minoritária de 40% em cada uma delas.

O estudo do DEE, no entanto, defende que a alienação parcial desses ativos, conforme proposta apresentada pela Petrobras, não cria concorrentes plenamente independentes, ainda que a participação da estatal nas novas empresas seja apenas passiva (sem poder de controle). "Se a intenção na venda dos referidos ativos é a criação de um ambiente concorrencial vigoroso, entende-se ser oportuna a sugestão de que se faça uma venda de ativos por completo", aponta a nota técnica.

Além disso, o Departamento destaca que a localização dos ativos a serem vendidos pela Petrobras deve ser levada em conta, apontando o Sudeste como opção para um desinvestimento.