Valor econômico, v.20 , n.4660 , 03/01/2019. Legislação & Tributos, p. E2

 

O conflito de interesses na LSA

Amanda Sette Câmara

03/01/2019

 

 

O conflito de interesses existe quando o interesse particular dos sócios diverge do interesse da companhia. De acordo com o artigo 115, parágrafo 1º, da LSA (Lei das Sociedades Anônimas, como é conhecida a Lei 6.404/1976), em caso de conflito, deve-se sempre observar o interesse da sociedade. Desta forma, o dispositivo enumera as situações em que constatado o conflito de interesses, o acionista estaria proibido de votar. São elas: aprovação do laudo de avaliação dos bens com que concorreu para a formação do capital social; aprovação de suas contas como administrador; deliberações que possam beneficiá-lo de modo particular; e deliberações em que tenha interesse conflitante com o da companhia.

Com relação às duas primeiras situações, não há dúvida de que a simples constatação daqueles cenários tornam o acionista impedido de votar. Contudo, a grande polêmica relacionada ao tema é a abrangência da parte final do parágrafo em que determina que o acionista está proibido de votar nas "deliberações que possam beneficiá-lo de modo particular ou que tiver interesse conflitante com o da companhia".

A doutrina divide-se em duas principais correntes quanto à interpretação do referido artigo. A primeira corrente entende que o simples fato da sociedade se encontrar na situação descrita, já geraria o impedimento de voto. Já a segunda posição defende ser necessária uma análise casuística para determinar se o acionista estaria ou não impedido de exercer seu voto.

(...)

Os defensores da primeira corrente, do chamado conflito formal de interesses, entendem pela interpretação literal do texto da lei, ou seja, a mera existência de interesse conflitante com a companhia seria caso de proibição do direito de voto. Pelo critério formal, a análise da existência de conflito de interesses deve ser feita a priori. Sendo assim, não interessa se o voto seria proferido de acordo com interesso social ou se não acarretaria danos à companhia. A proibição é absoluta.

Os defensores do conflito material, por sua vez, entendem que o controle deve ser feito posteriormente, através da análise do conteúdo da deliberação. Tal corrente utiliza a redação do artigo 115, da LSA, para defender seu posicionamento. O parágrafo 4º do referido dispositivo dispõe que a deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável.

Outro aspecto levantado pelos adeptos desta corrente é de que o direito de voto é uma regra imposta pela LSA e seu afastamento deve ser visto como uma exceção. Além disso, os defensores dessa posição entendem que a boa-fé é presunção do direito societário e do direito civil e, sendo assim, espera-se que o acionista vote de acordo com o interesse social da companhia.

Superado o conceito de conflito de interesses e suas interpretações, mostra-se necessário avaliar o aspecto econômico do art. 115 da LSA e suas implicações no mercado de capitais. Nesse sentido, Rafael La Porta, Florencio Lopez-de-Silanes, Andrei Shleifer e Robert W. Vishny elaboraram o estudo "Legal determinants of external finance," no qual utilizando como parâmetro 49 países, demonstraram a relação entre proteção dos investidores e desenvolvimento do mercado de capitais.

De acordo com o referido estudo, países com políticas menos protetivas aos minoritários tendem a ter um mercado de capitais pouco desenvolvido. O critério de proteção baseia-se na legislação e no grau de aplicação da lei.

A lei e sua efetiva aplicação têm influência direta no desenvolvimento do mercado de capitais, uma vez que as políticas protetivas ao acionista minoritário evitam a ocorrência de abuso por parte dos controladores da companhia. Desta forma, a proteção ao minoritário gera maior segurança ao acionista, gerando maior desenvolvimento e confiança no mercado.

A restrição do direito de voto, apesar de parecer contrária à dinâmica empresarial e ao desenvolvimento do mercado, gera a quebra eficiente de assimetria informacional, elemento essencial para o funcionamento adequado do mercado. Caso a assimetria não seja quebrada, os investidores reduzirão o valor dos títulos, o que acarretará prejuízo para todos os acionistas da companhia.

Diante de todo o exposto, com base no princípio da boa-fé e nas limitações do direito ao voto, é possível afirmar que a melhor interpretação para o artigo 115 da LSA é a de conflito formal, a qual se mostra mais eficiente para a proteção dos interesses dos acionistas minoritários e, por consequência, ao desenvolvimento do mercado de capitais, uma vez que o impedimento do direito de voto torna o investidor mais confiante para investir e seguro de que não haverá abuso dos controladores da sociedade.

A segurança conferida pela análise formal do conflito gera maior segurança tanto para o grande investidor quanto para os acionistas minoritários, levando-os a confiar no mercado e a desenvolvê-lo.

 

Amanda Sette Câmara é advogada associada do Chenut Oliveira Santiago Advogados, é especialista em Direito Empresarial. Atua na área consultiva societária e contratual.