O Estado de São Paulo, n. 45809, 20/03/2019. Internacional, p. A10

 

Bolsonaro oferece a Trump fidelidade total em troca de promessas inéditas

Beatriz Bulla

Ricardo Leopoldo

20/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Aproximação. Brasileiro encerra Visita aos EUA tendo ampliado cooperação militar, aberto mercado para produtos americanos e afinado pressão contra Maduro; em retribuição, obteve apoio para entrada do Brasil na OCDE e um status especial na Otan

Futebol diplomático. Bolsonaro recebeu de Trump camisa da seleção americana e retribuiu com a número 10 de Pelé em encontro na Casa Branca

O encontro de ontem entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump selou a aproximação com os EUA que o Brasil buscava. Na Casa Branca, o brasileiro ofereceu a Trump apoio total e recebeu em troca concessões e promessas que estavam além do radar de negociadores e diplomatas brasileiros. De olho em vantagens econômicas, Bolsonaro endossou, por exemplo, a tática americana para apressar a queda de Nicolás Maduro na Venezuela.

Ambos trocaram elogios em tom mais intenso que o habitual entre chefes de Estado que estão se conhecendo. Bolsonaro chegou a apoiar a reeleição de Trump em 2020. “Foi maravilhoso conhecê-lo. Você está fazendo um trabalho fantástico”, disse Trump a Bolsonaro. “Sempre admirei os EUA. E a admiração só cresceu desde a chegada de vossa excelência à presidência”, retribuiu o brasileiro. Trump afirmou os EUA foram o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil e o País foi o único sul-americano a contribuir com tropas na 2.ª Guerra.

Entre as concessões unilaterais feitas na viagem de três dias pelo brasileiro, está a liberação de vistos para americanos sem reciprocidade. Trump cedeu em alguns pontos, especialmente ao apoiar a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para o Brasil, que formalizou o pedido em 2017, a entrada seria um selo de confiança da comunidade internacional. Em troca, o Brasil aceitou começar a abrir mão de prerrogativas destinadas a países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio.

Mesmo quando fez um anúncio concreto, Trump o completou com uma promessa. O americano confirmou que os EUA designariam o Brasil como um aliado fora da Otan. Esta deferência era esperada como um prêmio de consolação pela falta de apoio à entrada na OCDE. Mas Trump surpreendeu e disse que poderia até pensar no Brasil como aliado da própria Otan.

O status de aliado extra-Otan não chega a ser uma grande concessão – mais de uma dúzia de países já ganharam o mesmo privilégio, entre eles Argentina, Jordânia e Tunísia. Com a designação, o governo brasileiro passa a ter posição prioritária em cooperação na área de Defesa e compra de equipamentos militares.

Ser aliado da Otan – hoje a Colômbia tem a posição de “sócio global” – tem um peso muito maior, mas acarretaria custos elevados. Em julho, em visita à Europa, Trump exigiu dos membros da aliança atlântica gastos de até 4% do PIB em Defesa – o que quase triplicaria o orçamento brasileiro em gasto militar.

No jogo de concessões e promessas entre os dois, Bolsonaro mudou o tom em relação à Venezuela. Apesar de militares brasileiros rejeitarem uma intervenção militar, Bolsonaro não descartou a ideia (mais informações na página A11). Trump repete que “todas as opções estão sobre a mesa”.

Sintonia. O discurso de Bolsonaro pareceu agradar plenamente ao presidente americano, que por vezes acenava com a cabeça. Isso ocorreu especialmente quando o brasileiro disse que os dois países estariam “irmanados” na garantia das “liberdades, no respeito à família tradicional, no temor a Deus, nosso criador, contra a ideologia de gênero, o politicamente correto e as fake news”.

Os dois assinaram o acordo de salvaguardas tecnológicas entre Brasil e EUA, que permite o uso comercial da Base de Alcântara, no Maranhão. O acordo vinha sendo negociado desde junho, antes da eleição de Bolsonaro.

Em comunicado conjunto, Brasil e EUA concordaram em reduzir barreiras comerciais e de investimentos, como a importação de 750 mil toneladas de trigo americano a uma tarifa zero de impostos – decisão que deve prejudicar a Argentina – e o estabelecimento de bases para a importação de carne suína dos EUA. Em contrapartida, os EUA prometeram marcar uma visita técnica ao Brasil para reabrir o mercado americano para carne bovina in natura brasileira.

Questionado sobre o encontro privado com Trump, Bolsonaro disse que houve momentos de “gargalhadas”. “Temos muito em comum. Temos cinco filhos, por exemplo. Temos também muitos problemas em comum.”

CONFIABILIDADE

Petróleo do Iraque

Durante a campanha, Trump disse que usaria o petróleo iraquiano para reduzir os custos da guerra – o que nunca aconteceu

Muro

Trump prometeu um muro na fronteira e garantiu que os mexicanos pagariam por ele. Hoje, quem financia parte da obra é o contribuinte americano

Infraestrutura

Presidente disse que investiria US$ 1 trilhão para renovar a infraestrutura do país. Seria fácil negociar com os democratas, mas o tema não saiu do papel

China

Um dos primeiros atos de Trump seria designar a China como “manipuladora de moeda”. Após assumir, ele mudou de ideia

COMPROMISSOS E ACORDOS

● Em três dias de viagem, Bolsonaro elogia Trump e fecha parcerias com os EUA

Domingo

● Bolsonaro e comitiva brasileira desembarcam em Washington. Em frente à Casa Branca, manifestantes exibem faixas contra o brasileiro

● Em evento organizado por Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, o deputado federal Eduardo Bolsonaro qualificou brasileiros em situação irregular fora do País como uma “vergonha”

● No jantar com integrantes do movimento conservador americano na residência do embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, Bolsonaro fica entre Olavo de Carvalho e

● Steve Bannon. Durante discurso, presidente critica o “antigo comunismo” brasileiro

Segunda-feira

● Bolsonaro dribla a imprensa e vai à CIA, fato raro na diplomacia do País. Juscelino Kubitschek e João

● Goulart participaram de encontros com representantes da agência em visitas

● Presidente fica duas horas fora da residência oficial apenas na companhia de seus seguranças. Membros de sua comitiva afirmaram que ele pediu um tempo para “relaxar”

● Brasil e EUA assinam Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que permitirá o uso comercial da Base d e Alcântara no Maranhão

● Durante discurso a empresários, Bolsonaro fala em reconhecer a “capacidade bélica” dos EUA para resolver a crise na Venezuela

● Bolsonaro formaliza a dispensa de vistos para turistas de Austrália, Canadá, EUA e Japão. O decreto não prevê contrapartida, ou seja, dispensa o tradicional princípio da reciprocidade

● Bolsonaro dá entrevista à Fox

● News e diz ser favorável à construção de um muro na fronteira de EUA e México. “A maioria dos imigrantes não tem boas intenções”

Terça - feira

● Bolsonaro e Trump se reúnem no Salão Oval da Casa Branca e trocam camisetas de futebol

“ É uma satisfação estarmos nos EUA depois de algumas décadas de presidentes antiamericanos"

Bolsonaro

“ Nunca o Brasil esteve tão perto dos EUA"

Trump

● Trump afirma que apoiará entrada do Brasil na OCDE, visto pelo Brasil como um selo de confiança internacional. Entrada tem sido defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes

● Trump e Bolsonaro afirmam que trabalharão juntos para restabelecer democracia na Venezuela e reforçam que todas as opções estão na mesa

“ Certas questões, se você divulgar, deixam de ser estratégicas"

Bolsonaro

● Durante coletiva, Trump afirma que tornará o Brasil seu principal aliado militar fora da Otan "e quem sabe dentro da Otan"

● Na coletiva, Bolsonaro é questionado sobre a eleição de 2020 nos EUA. "É um assunto interno. respeitaremos o resultado das urnas, mas eu acredito piamente na vitória de Donald Trump"