O Estado de São Paulo, n. 45812, 23/03/2019. Política, p. A6

 

Desculpas esfarrapadas

João Domingos

23/03/219

 

 

O presidente Jair Bolsonaro atribuiu a ordem de prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer às práticas da “velha política”, na qual, segundo ele, “a governabilidade vem em troca de cargos, ministérios e estatais”. Já o Ministério Público acusou Temer de liderar uma organização criminosa que atuava “há praticamente” 40 anos.

Há uma discrepância entre o que disse Bolsonaro, segundo o qual a prisão de Temer foi ocasionada pelo “toma lá, dá cá”, o que de fato garantiu ao ex-presidente uma grande base parlamentar no Congresso, e a acusação do Ministério Público.

Na conclusão de Bolsonaro, as ações de Temer foram políticas, usadas para montar a governabilidade. Acabou indo para a cadeia. Por isso, o atual presidente disse que, apesar das pressões, vai resistir aos acordos baseados na nomeação de afilhados políticos para cargos, ministérios e estatais. Presume-se que, a partir desses acordos, cometem-se crimes. E Temer, o ex-ministro Moreira Franco e vários outros foram presos preventivamente pelo juiz federal Marcelo Bretas, do Rio, por causa desses acordos que levam a crimes.

O Ministério Público afirmou que Temer lidera uma quadrilha há praticamente 40 anos. Fazendo-se as contas, e voltando as quatro décadas, chegamos a 1979, já transcorridos 15 anos da ditadura militar, ano em que o general Ernesto Geisel entregava o poder para o general João Figueiredo. Naquele ano, segundo o MP, Temer começava a liderar a quadrilha. É de se perguntar: o que fizeram o MP e a Polícia Federal que não perceberam que um chefe de quadrilha foi nomeado procurador-geral de São Paulo em 1983, depois se candidatou a deputado federal e foi por três vezes presidente da Câmara, líder e presidente do então PMDB por anos, vice-presidente da República por dois mandatos e presidente com o impeachment de Dilma Rousseff? Afinal, Temer é acusado de cometer crime de ação continuada.

Considerando-se ainda que Temer chefia uma quadrilha há aproximadamente 40 anos, e de tão esperto nunca foi pego, é de se duvidar que ele chamasse os presidentes de partidos, se identificasse como um capo e propusesse a todos que, uma vez no governo, garantida a governabilidade, dividissem o butim.

Quando Bolsonaro diz que a montagem da governabilidade baseada num sistema de distribuição de cargos a partidos pode resultar em roubalheira, ele não deixa de ter razão. Mas não necessariamente. É possível fazer a boa política com acordos partidários.

Façamos um exercício com o governo de Bolsonaro, que precisa muito montar uma base de apoio no Congresso e não quer dar chances ao azar. Ele poderia chamar os dirigentes partidários, um a um, propor o acordo, dizer que as coisas mudaram e que não aceita acusados de malfeitos (na equipe de Bolsonaro há suspeitos de uso de candidatos laranjas e desvio de dinheiro do Fundo Partidário, mas deixa pra lá). E que, como tem o chefe da Abin, o general Augusto Heleno, como principal conselheiro, como tem a PF sob o comando do ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), será informado de tudo o que acontece no governo. Um desvio sequer, rua. Se ele agir assim, provavelmente acumulará capital político.

A ideia de atrair os partidos para o governo, levá-los a aprovar a reforma da Previdência, só pela força das urnas, sem oferecer nada em troca, parece um sonho distante. A agenda conservadora de Bolsonaro virou motivo de piada entre alguns dirigentes. Os projetos da área econômica poderiam encantá-los. Mas o governo consegue se meter em tanta confusão, com ministros falando barbaridades, a exemplo de Onyx Lorenzoni (Casa Civil) sobre o banho de sangue de Pinochet, no Chile, ou filhos que palpitam sobre tudo, que os partidos não negam que sentem um certo desconforto com a situação.

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'Não dei motivo para ele sair' diz Bolsonaro 

Ricardo Galhardo

Daniel Weterman

23/03/2019

 

 

Diante da ameaça do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de deixar a articulação política da reforma da Previdência, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou ontem que não deu motivo para o parlamentar tomar essa atitude e que está aberto para conversar. “Quero saber o motivo pelo qual ele está saindo”, disse Bolsonaro, após deixar o Palácio de La Moneda, sede do governo chileno. “Estou sempre aberto ao diálogo. Estou fora do Brasil. Quero saber o motivo, só isso e mais nada. Eu não dei motivo para ele sair”, afirmou.

O presidente disse que a declaração de seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), com críticas a Maia por adiar a tramitação do projeto anticrime, não é motivo para ele ameaçar sair da articulação política. “Se foi esse o motivo, eu lamento, mas isso não é motivo.” Ele afirmou que “todo o Brasil está indignado” com a demora na votação do projeto anticrime.

Bolsonaro disse ainda que é “só conversando” que será possível trazer Maia de volta. “Você nunca teve uma namorada e, quando ela quis ir embora, o que você fez? Não pediu para ela voltar? Você não conversou?”, comparou. Ontem, o presidente parece ter escalado seu staff para tratar do assunto. Seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o vicepresidente Hamilton Mourão e a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso, também tocaram no assunto, em tom de afagos e de reconciliação.

Em entrevista, Mourão – que está no exercício da Presidência – afirmou que “compete ao governo lançar pontes” para manter Maia na articulação da reforma. “Rede social não tem a ver com a opinião do Executivo”, disse. Flávio afirmou que Maia “é fundamental na articulação para aprovar a Nova Previdência e combates de projeto ao crime”, e que ele “está engajado em fazer o Brasil dar certo!” Joice disse que Maia é vítima de uma campanha mentirosa e reforçou que ele é um dos que “mais tem trabalhado” pela aprovação da reforma.

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Centrão faz coro a Maia e ameaça com rebelião 

Renato Onofre

Mariana Haubert

Camila Turtelli

23/03/2019

 

 

Inconformados com o tratamento de Bolsonaro, líderes dos partidos que compõem o grupo já falam em medidas de retaliação ao governo

‘Bombeiro’. Líder do governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) tenta organizar encontro entre o presidente da Câmara e Bolsonaro

As críticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), à articulação política do governo para a votação da reforma da Previdência ganharam apoio de líderes do Centrão, que já estavam irritados com o Palácio do Planalto. Deputados disseram ontem que vão recusar a oferta de cargos nos Estados e preparam novas derrotas para o Executivo semana que vem.

Nessa linha, o primeiro enfrentamento deve acontecer na próxima terça-feira, durante sabatina do ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Deputados do bloco encabeçado por PP, PR, PTB e PRB avisaram a representantes do governo na Casa que pretendem abandonar a sessão, abrindo espaço para a oposição sabatinar o ministro responsável pela proposta da reforma da Previdência.

Parlamentares também buscam apoio para derrubar a isenção de visto para americanos, anunciada nesta semana pelo presidente Jair Bolsonaro durante viagem a Washington.

O incômodo de deputados tem relação, principalmente, com a forma adotada pelo governo para negociar cargos. Conforme o Estado revelou, articuladores do Palácio do Planalto querem que os parlamentares deixem suas digitais nas nomeações, assinando uma planilha ao lado de seu afilhado político.

Outro motivo alegado para a “rebelião” é que na lista apresentada aos deputados há apenas cargos considerados sem relevância. Diretorias de estatais importantes, por exemplo, ficaram de fora. Além disso, as indicações estão condicionadas a nomes de servidores de carreira dentro de cada órgão.

A gota d’água para os parlamentares, porém, foi a declaração de Bolsonaro em uma live direto do Chile, em que atribuiu a prisão de Michel Temer à “sintonia fina” que o ex-presidente mantinha com o Congresso.

O deputado Domingos Neto (PSD) resumiu a insatisfação ao afirmar que o governo não pode ter uma atitude nas redes sociais e outra ao sentar para conversar. “As negociações estão paralisadas. Enquanto o governo não mudar a forma de articular, não há acordo”, afirmou.

Em um movimento orquestrado, coordenadores das bancadas regionais comunicaram a suspensão das negociações por cargos. As conversas vinham se arrastando nas últimas duas semanas. “Toda a bancada está pronta para ajudar o governo, mas o governo precisa se ajudar, porque está muito bagunçado. Hoje, no Congresso, é preocupante a situação que está a interlocução”, disse Neri Geller (PP-MT).

Reação. Articuladores políticos do governo tentam atuar como “bombeiros” na crise. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, buscou deputados do PSL para organizar o discurso. Já a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), tentou apaziguar o clima ruim com Maia. “Nós estamos em um ponto de reatar a relação”, disse ela, após se encontrar com o presidente da Câmara. Joice e Onyx tentavam ontem agendar um encontro entre Maia e Bolsonaro para este fim de semana.

Até mesmo o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-SP), entrou no circuito para apaziguar os ânimos. “O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é fundamental na articulação para aprovar a Nova Previdência e projetos de combate ao crime”, disse no Twitter.

“Nós estamos em um ponto de reatar a relação.”

Joice Hasselmann (PSL-SP)

LÍDER DO GOVERNO NO CONGRESSO

“O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é fundamental na articulação para aprovar a Nova Previdência e projetos de combate ao crime. Assim como nós, está engajado em fazer o Brasil dar certo!”

Flávio Bolsonaro (PSL-RJ)

SENADOR

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Guedes: 'ajuda filho do presidente atacar o presidente da Câmara?'

Renata Batista

Vinicius Neder

23/03/2019

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, evitou ontem comentar diretamente as declarações mais recentes do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), mas mostrou seu desagrado com as atitudes do filho do presidente. Carlos postou nas redes mensagem com críticas ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), por adiar a tramitação do projeto anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, ao Congresso. Em reação, Maia avisou Guedes que deixaria a articulação política da reforma da Previdência.

“Eu boto apenas o espelho e pergunto: O que você acha? Você acha que o filho do presidente deve ficar atacando o presidente da Câmara dos Deputados? Você acha que isso ajuda?”, disse Guedes, ao ser questionado por jornalistas após discursar na cerimônia de posse da nova titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Solange Paiva Vieira, ontem no Rio de Janeiro.

No discurso, dirigido a uma plateia formada por servidores da Susep e pelos principais nomes da equipe econômica, Guedes também tocou indiretamente na troca de farpas entre Maia e o governo Bolsonaro. “Não se assustem quando virem que, aparentemente, os agentes econômicos não estão se entendendo com o governo ou que os agentes públicos não estão se entendendo entre si. São dores do parto de uma democracia emergente. Isso não deve nos assustar”, disse.