O Estado de São Paulo, n. 45822, 02/04/2019. Política, p. A4

 

Barroso prevê crise se STF revisar prisão após 2º grau

Altamiro Silva Junior

André Italo Rocha

Amanda Pupo

Daniel Weterman

Fausto Macedo

Marcelo Godoy

Mateus Fagundes

Pedro Venceslau

Ricardo Galhardo

02/04/2019

 

 

Judiciário. Ministro vê risco de a Corte perder legitimidade caso altere posicionamento sobre execução de pena; julgamento de ações sobre o tema está marcado para o dia 10

Debate. Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, foi um dos participantes do evento do ‘Estado’ que discutiu corrupção

O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode perder sua legitimidade e provocar “uma crise institucional” caso a Corte “repetidamente” não consiga “corresponder aos sentimentos da sociedade”. A afirmação foi feita quando o ministro defendeu já existir decisão definitiva e vinculante no tribunal sobre a prisão de réus após condenação em 2.ª instância.

“Acho que nós precisamos ter isso em conta porque as instituições são os pilares da democracia. Portanto, não podemos destruir as instituições nem as instituições podem se autodestruir”, afirmou. O STF deve voltar a analisar a matéria no dia 10 de abril. Réus, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em 2.ª instância e preso pela Lava Jato, serão soltos caso o tribunal mude a orientação que vigora desde 2016.

“Você pode, eventualmente, ser contramajoritário, mas se repetidamente o Supremo não consegue corresponder aos sentimentos da sociedade, vai viver problema de deslegitimação e uma crise institucional”, disse Barroso ontem no evento Estadão Discute Corrupção. Realizado na sede do Estado, em parceria com o Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), ele discutiu as operações Lava Jato e Mãos Limpas, na Itália.

O ministro reforçou sua posição com números. Disse que o Supremo reforma apenas 0,4% das decisões dos tribunais inferiores e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) só faz isso em 1,2% dos casos. Assim, não faria sentido, por menos de 2% dos processos, mudar a decisão do STF sobre a prisão após a 2.ª instância. “Estamos falando de optar por um sistema que funciona ou um sistema que não funciona.”

Autora de uma das ações no STF que discutem a prisão após 2.ª instância, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu ontem que a Corte adie o julgamento do processo. O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, foi o responsável pela definição da data de julgamento. Além da OAB, os ministros julgarão as ações apresentadas pelo PCdoB e pelo antigo PEN sobre o tema.

A decisão do STF sobre o tema pode acontecer só depois de o STJ julgar o caso de Lula. Assim, a decisão do Supremo não mais atingiria o petista. Lula tenta na Corte superior derrubar a condenação a 12 anos de prisão no processo do triplex do Guarujá. Ministros do STJ acreditam que o recurso do petista deve ser analisado até a próxima semana pela 5.ª Turma do STJ, sob relatoria do ministro Felix Fischer.

A expectativa também é cultivada no Supremo, que vê o julgamento como uma forma de retirar a tensão da Corte quando forem analisadas as ações sobre prisão após condenação em 2.ª instância – o Supremo pode passar a permitir prisão só após análise do STJ, uma 3.ª instância.

Além de questionar a prisão em 2.ª instância, a defesa de Lula quer que o STJ mande o caso do triplex para a Justiça Eleitoral. Isso porque em julgamento recente, o STF decidiu que a Justiça Eleitoral é quem deve julgar a corrupção quando há relação com crime eleitoral. O Estado procurou a defesa de Lula, que não se manifestou. O julgamento do ex-presidente no STJ pode acontecer nas próximas sessões de quinta-feira (dia 4) e terça-feira (dia 9). A previsão é de que o processo seja levado em mesa por Fischer sem aviso prévio.

O procurador da República e coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, disse ontem no evento recear que a decisão do STF sobre a Justiça Eleitoral sirva para “inocular um vírus” nos processos da operação para matá-los. Já o ministro Barroso, citando o prefeito Odorico Paraguaçu, personagem de O Bem Amado, afirmou que a decisão sobre a Justiça Eleitoral deve valer só para o “pratrasmente”, o que excluiria novas análises da Justiça sobre casos já julgados da Lava Jato – são 50 só em Curitiba, entre os quais, dois de Lula.

Moro. Dallagnol e Barroso participaram do evento ao lado do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Este contou que, por decisão do governo de Jair Bolsonaro, a Advocacia-Geral da União modificou o parecer que havia sido entregue ao STF contra a prisão após a condenação em 2.ª instância. Para ele, era importante o governo mostrar a sua posição.

O ministro da Justiça afirmou ainda que pôs a PF à disposição do STF para apurar as ameaças a integrantes da Corte. Aberto por Dias Toffoli, o inquérito investigaria ainda notícias falsas contra o Supremo. “Agressões e ameaças não fazem parte do direito de crítica”, afirmou Moro. Para Barroso, a crítica pode ser “a mais severa possível”, mas não pode chegar “à ameaça de morte.” Ele disse esperar que o inquérito não atinja procuradores que criticaram o STF. “Eu, sinceramente, espero que não.”

Arrepender. Por fim, Barroso fez uma defesa da Lava Jato. Disse que, com base em princípios da Constituição, nunca se viu diante da necessidade de produzir uma decisão injusta. Afirmou enxergar um certo ressentimento da elite do País contra a operação, pois todo mundo tem algum conhecido envolvido.

“Ninguém se arrepende de coisa alguma. Todo mundo diz que está sendo perseguido. Não aconteceu corrupção no Brasil. Esta é uma das coisas que mais me impressionam. É fotografado, filmado. E diz que está sendo perseguido, é uma conspiração. A despeito disso, penso que o trem já saiu da estação. A Lava Jato deixou de ser operação, passou a ser uma atitude, um símbolo que representa a não aceitação do inaceitável. Estamos do lado certo da História.”

'Crise institucional'

“Você pode, eventualmente, ser contra majoritário, mas se repetidamente o Supremo não consegue corresponder aos sentimentos da sociedade, vai viver problema de deslegitimação e uma crise institucional.”

“Não se trata de uma questão semântica constitucional, mas de se optar por um sistema que funciona ou por um sistema que não funciona.”

Luís Roberto Barroso

MINISTRO DO SUPREMO, SOBRE A POSSIBILIDADE DE PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA

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Para advogados, reclusão em 2ª instancia afronta lei

Pedro Venceslau

Carla Bridi

02/04/2019

 

 

Advogados de réus da Operação Lava Jato que acompanharam o evento Estadão Discute Corrupção, realizado ontem na sede do Estado, criticaram a declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso sobre a execução do decreto de prisão em 2.ª instância.

Para o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, que defende Joesley Batista, do Grupo J&F, “a vedação da prisão antes do final do processo está prevista expressamente na Constituição e na lei”. “A discussão sobre a funcionalidade da lei é legítima, mas o local para esse debate é o Legislativo, não o Judiciário.”

Também presente no seminário, Theodomiro Dias Neto afirmou que seria importante um uso mais “moderado” da prisão. “Estou de acordo com prisão preventiva em muitos casos, mas não pode deixar de ser um recurso em última instância no sistema penal”, disse ele, que coordenou o processo de negociação da Odebrecht com o Ministério Público Federal.

Dias também criticou o que chamou de “lado ruim” da Lava Jato. “Houve abusos, houve desmandos, é importante estar atento a isso. Em alguns momentos acho que houve excesso, um certo espalhafato no uso da comunicação”, afirmou.

Ele cobrou que os agentes públicos sejam mais “serenos” ao comentar publicamente fatos relacionados a processos, para evitar tensão entre as instituições, principalmente entre Judiciário e Procuradoria da República.

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, que não esteve no evento, também repercutiu a fala da Barroso. “A Constituição Federal é absolutamente clara quando diz sobre a presunção de inocência: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A hipótese desta flexibilização abre possibilidades graves.”