O Estado de São Paulo, n. 45873, 23/05/2019. Política, p. A4

 

Câmara aprova redução de pastas; Moro perde Coaf

Renato Onofre

Mariana Haubert

23/05/2019

 

 

Poderes. Governo consegue confirmar medida provisória que reestrutura Esplanada, mas Centrão retira conselho que controla atividades financeiras do titular da Justiça

Sessão. Deputados comemoram resultado da votação que transferiu Coaf do Ministério da Justiça para pasta da Economia

Após sucessivas derrotas na Câmara, o governo conseguiu aprovar ontem a medida provisória que reestruturou o número de ministérios na gestão Jair Bolsonaro, mas o Centrão seguiu o script que traçou desde o início e retirou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) das mãos do ministro da Justiça, Sérgio Moro. O órgão deve voltar para o Ministério da Economia.

A votação foi apertada. Com uma diferença de apenas 18 votos – o placar foi 228 a 210 –, o governo não conseguiu evitar o novo revés imposto pelo Centrão, mais uma vez aliado a partidos de oposição. Deputados justificaram que em vários países o órgão de inteligência financeira é vinculado ao Ministério da Economia e não faria sentido o Brasil mantê-lo na Justiça apenas para agradar a Moro.

“Se ele for para o Ministério da Educação, vai levar o Coaf junto?”, disse o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). O líder do governo, Major Vitor Hugo (PSLGO), contra-argumentou. Afirmou que o Brasil poderia inovar e ser seguido por outros países ao deixar o Coaf na Justiça. Segundo ele, essa configuração atende aos anseios dos “57 milhões de brasileiros que elegeram Bolsonaro com a bandeira do combate à corrupção”.

Em discursos no plenário, deputados do PSL apelaram para os atos de apoio ao governo marcados para domingo. O deputado Filipe Barros (PSL-PR) chegou a ser vaiado por parte dos colegas ao citar as manifestações em tom de ameaça. “Não é manifestação convocada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas pelo povo”, disse. Entre as pautas da mobilização, impulsionada pela rede bolsonarista, está a defesa do Coaf com Moro.

“Muitos dos que votaram pela mudança do Coaf votaram com medo, porque têm ficha corrida”, disse o líder do DEM, Elmar Nascimento, um dos principais nomes do Centrão.

Após o discurso inflamado do colega de partido, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), encerrou a sessão sem que todos os destaques ao texto tivessem sido votados. “O clima ficou pesado”, justificou. Nova sessão foi marcada para as 9h de hoje.

Lamento. Moro não escondeu sua decepção com o resultado, que representou mais uma derrota para sua gestão. “Lamento o ocorrido. Faz parte do debate democrático. Agradeço aos 210 deputados que apoiaram o Ministério da Justiça e o plano de fortalecimento do Coaf”, afirmou ao Estado.

O órgão teve participação ativa na Operação Lava Jato e sua incorporação à Justiça foi um pedido do ex-juiz a Bolsonaro ao assumir a pasta.

Placar. O resultado foi mais uma demonstração de força do Centrão – DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade. Dos 118 parlamentares desses partidos na sessão de ontem, 87 votaram contra Moro. Outros 89 votos foram dados por deputados da oposição – PT, PSOL, PSB, PCdoB e PDT. Por outro lado, todos do PSL, do PV, do Podemos, do PHS, do PMN, do Cidadania e do Novo votaram com o governo. Já o PSDB ficou dividido: foram 21 a favor de Moro e 5 contra. Um dos principais articuladores do Centrão, o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), se limitou a dizer que o “placar fala por si”.

Apesar da derrota do Coaf, o governo conseguiu evitar a recriação de ministérios. Após acordo feito na véspera, parlamentares confirmaram a incorporação da Integração Nacional e das Cidades no Ministério do Desenvolvimento Regional. Outras mudanças feitas na comissão que analisou a MP, porém, foram mantidas, como a volta da Funai para o Ministério da Justiça.

A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), evitou tratar o resultado como derrota e indicou que o Planalto não deve tentar revertê-lo no Senado. “É do processo democrático. Agora, é bola para a frente. Quem atacar o resultado está atacando o processo democrático”, disse. A estratégia também tem como objetivo evitar que a MP expire. O prazo final é o dia 3 de junho e qualquer alteração no texto no Senado fará com que a medida volte a ser analisada na Câmara.

Decepção

“Lamento o ocorrido. Faz parte do debate democrático. Agradeço aos 210 deputados que apoiaram o Ministério da Justiça e o plano de fortalecimento do Coaf.”

Sérgio Moro

MINISTRO DA JUSTIÇA

PARA LEMBRAR

MP teve mais de 500 emendas

Apresentada em 1.º de janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro, a Medida Provisória 870, que reduziu o número de ministérios de 29 para 22, recebeu mais de 500 emendas no Congresso – manter a estrutura da Esplanada do jeito que foi pensada pelo Palácio do Planalto se tornou um desafio para o presidente. A maioria das mudanças previstas partiu da oposição. O PT pediu 221 alterações e o PSOL, 114. No entanto, houve também nove propostas do próprio partido de Bolsonaro, o PSL, além de siglas mais próximas da base aliada, como PRB e DEM. Para garantir aprovação da medida provisória que alterou estrutura do Executivo, o Palácio do Planalto chegou a dar aval para a recriação de dois ministérios (Cidades e Integração Nacional) – os ministros seriam indicados por parlamentares. No entanto, sob pressão de aliados de Bolsonaro nas redes sociais e às vésperas de atos pró-governo, o Centrão recuou e desistiu de cobrar a volta das pastas.