O Estado de São Paulo, n.45865, 15/05/2019. Economia, p. B3

 

Juro menor ajuda, mas é preciso reforma 

Doulgas Gavras 

Vinicius Neder 

15/05/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Para economistas, corte na Selic não destravaria investimentos, o que só viria com mudanças estruturais, como a aprovação da Previdência

COM 1º TRIMESTRE FRUSTRANTE, ECONOMISTAS VEEM ESPAÇO PARA CORTE DE JUROS ESTE ANO

Reação. Retração no setor de serviços e desempenho fraco do comércio e da indústria derrubam previsões de avanço do PIB no ano; para especialistas, somado a uma inflação sob controle, esse cenário permite ao BC reduzir a Selic no 2º semestre para estimular a economia

A queda da atividade do setor de serviços em março, anunciada ontem, reforçou que o primeiro trimestre foi pior do que se esperava. A retração acompanha resultados decepcionantes no mesmo período no comércio e na indústria. Com a economia ainda fraca, especialistas ouvidos pelo ‘Estado’ dizem que há espaço para que o Banco Central (BC) corte a taxa básica de juros (a Selic), na tentativa de estimular a economia.

No início do ano, a maior parte dos economistas previa que o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, só mexeria nos juros no ano que vem. O primeiro trimestre fraco, porém, mudou essa perspectiva. Ontem, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que a atividade do setor de serviços recuou 0,7% em março ante fevereiro, terceiro mês seguido de queda.

O dado seguiu resultados negativos na indústria e de estagnação no comércio. Nas últimas semanas, bancos e consultorias começaram a revisar para baixo as perspectivas de crescimento do País este ano. O último Boletim Focus, do Banco Central, aponta que o País deve crescer abaixo de 1,5%.

Apesar da alta dos preços de combustíveis e alimentos no começo do ano, o cenário esperado é de inflação sob controle no segundo semestre, com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficando em torno de 4% este ano. Isso, na avaliação dos analistas, reabre a possibilidade do uso dos juros, hoje em 6,5% ao ano, para tentar reaquecer a economia.

“O BC tem espaço para reduzir de 0,75 a 1 ponto porcentual a Selic na segunda metade do ano, sem estrago na inflação”, avalia o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman. “Só que o investimento ainda deve ficar travado. A Selic ajuda um pouco, mas o investidor precisa saber se o País ainda vai resistir aos próximos quatro anos – uma segurança que só reformas estruturais podem dar.”

Ele estima que o País cresça entre 1,0% e 1,5% este ano, no mesmo patamar de 2017 e 2018. “O que é grave, dado que saímos de uma recessão quando a queda foi de 8,0%. Só demonstra o quanto o processo de recuperação tem sido lento.”

2º semestre. No dia 10, o Bradesco revisou a projeção de alta do PIB de 1,9% para 1,1% e passou a estimar a Selic em 5,75% ao ano no fim de 2019. O Itaú Unibanco também prevê que os juros básicos devam estar em 5,75% ao ano no fim de 2019. “A decisão poderia ser acelerada caso houvesse uma definição mais clara da reforma”, afirma o economista-chefe do banco J. Safra, Carlos Kawall. “Um corte nos juros poderia vir no terceiro trimestre, em julho, mas isso dependeria que a reforma da Previdência fosse aprovada, pelo menos, na Câmara.”

Já para José Ronaldo de Castro Souza Jr., do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um eventual corte nos juros precisa esperar por uma clareza maior das pressões dos preços de alimentos e combustíveis na inflação. “É algo mais para o fim do ano mesmo.”

“Com a reforma da Previdência encaminhada, o Copom poderia começar a baixar juros lá por outubro. Esse seria um movimento positivo, considerando a alta ociosidade da indústria”, avalia Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria.

O também ex-diretor do Banco Central Luis Eduardo Assis, além de enxergar espaço para uma rodada de corte de juros agora, diz que essa seria uma medida necessária para o estímulo da economia, no momento em que o governo precisa dar “boas notícias”. “A reforma nunca será uma medida popular, mas é mais fácil mexer na Previdência com a economia dando algum sinal de reação.”

Já a economista-chefe da consultoria Rosenberg, Thaís Zara, concorda que a queda dos juros poderia dar um alívio para a atividade econômica. “É um movimento que sempre acaba ajudando, mas demora um pouco para se transmitir para a atividade econômica.” Ela avalia que o impacto dos juros menores seria sentido com mais força apenas no ano que vem.

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Ata do Copom só vê 'crescimento robusto' se reforma for aprovada 

Eduardo Rodrigues 

15/05/2019

 

 

Copom. Selic é mantida em 6,5% há 9 reuniões seguidas

Com o mercado apostando em um crescimento cada vez menor do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, o Banco Central admitiu ontem pela primeira vez que a economia brasileira pode ter inclusive recuado no primeiro trimestre deste ano. Na ata da reunião da semana passada do Comitê de Política Monetária (Copom), os diretores do BC disseram que o ritmo da atividade econômica tende a melhorar até o fim do ano, mas alertaram, mais uma vez, que um crescimento robusto para o País só virá com a aprovação de reformas fiscais, como a da Previdência.

Na semana passada, ao manter a taxa básica de juros (Selic) em 6,50% ao ano – o piso histórico – pela nona reunião consecutiva, o BC já havia comunicado que o risco de uma inflação menor associado à “ociosidade dos fatores de produção” – leiase, economia patinando – se elevou desde a reunião anterior do colegiado, em março.

“O arrefecimento da atividade observado no fim de 2018 teve continuidade no início de 2019”, reconheceu o BC, na ata. “A economia segue operando com alto nível de ociosidade dos fatores de produção, refletido nos baixos índices de utilização da capacidade da indústria e, principalmente, na taxa de desemprego”, destacou a autoridade monetária.

O BC lembrou que os indicadores do primeiro trimestre induziram “revisões substantivas” nas projeções de mercado para o crescimento do PIB em 2019. A expectativa de expansão da economia em 2019 recuou pela 11.ª semana consecutiva e passou de 1,49% para 1,45%, conforme o Relatório Focus publicado na segunda-feira. Há quatro semanas, a estimativa de crescimento era de 1,95%.

Revisões. “Essas revisões refletem um primeiro trimestre aquém do esperado, com implicações para o ‘carregamento estatístico’, mas também embutem alguma redução do ritmo de crescimento previsto para os próximos trimestres”, acrescentou a ata.

Ainda assim, o colegiado considerou que, apesar da interrupção no processo de recuperação gradual da atividade econômica, o cenário básico do BC contempla sua retomada adiante. O Copom voltou a argumentar que a economia brasileira sofreu diversos choques ao longo de 2018 (greve dos caminhoneiros, incertezas eleitorais, ente outros), que produziram “aperto relevante das condições financeiras”.

“Embora tendam a decair com o tempo, seus efeitos sobre a atividade econômica persistem mesmo após cessados seus impactos diretos. Os membros do Copom avaliam que esses choques devem ter reduzido sensivelmente o crescimento que a economia brasileira teria vivenciado na sua ausência e que alguns de seus efeitos ainda persistem.”