Valor econômico, v.20, n.4855, 10/10/2019. Política, p. A12

 

Projeto da cessão onerosa avança na Câmara 

Raphael Di Cunto 

Marcelo Ribeiro 

10/10/2019

 

 

A Câmara aprovou, em votação simbólica, o projeto de lei que destina 33% dos R$ 106 bilhões estimados para o leilão da cessão onerosa do pré-sal para Estados e municípios, mas, numa derrota do ministro da Economia, Paulo Guedes, e da cúpula da Casa, a maioria das travas para evitar que prefeitos gastassem o dinheiro com investimentos foram rejeitadas. O texto segue para análise do Senado, o que deve acontecer na próxima semana.

Só os Estados terão regras sobre como gastar os recursos: precisarão, primeiro, promover o equilíbrio financeiro dos fundos de previdência de seus servidores para só então, se restar dinheiro, gastar com investimentos. A equipe econômica queria que, antes das obras, governadores e prefeitos quitassem os precatórios alimentares (dívidas judiciais trabalhistas), mas a proposta acabou derrubada durante as negociações.

O líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), afirmou que as travas visavam sanear as contas públicas. “Como são recursos que só ocorrerão uma vez, queríamos destinar para algo estrutural, mais duradouro.” Para ele, houve erro político na promulgação da emenda constitucional que autorizou o pagamento da compensação à Petrobras e a deixou que os recursos de Estados e municípios fossem discutidos juntos. “Esse plenário aguenta a pressão de 27 governadores, mas não aguenta de 5,5 mil prefeitos”, pontuou.

Os prefeitos pressionaram ao longo de todo o dia os deputados para que as travas fossem rejeitadas e que pudessem ter recursos em caixa que viabilizassem a entrega de obras às vésperas da eleição municipal, em outubro de 2020. Ligações telefônicas e vídeos nas redes sociais irritaram os parlamentares e muitos bateram boca com os prefeitos.

Um grupo grande deles, liderados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), se aglomerou no salão verde da Câmara e ficou cobrando mudanças. “Se tiver que pagar primeiro previdência e precatórios, não vai sobrar dinheiro para investimentos”, reclamou o presidente da entidade, Glademir Aroldi, a deputados.

Logo após deputados saírem da reunião para anunciar o acordo aos prefeitos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deixou a sala em direção ao plenário e foi ovacionado por causa dos termos finais do projeto. Ele, que negociava com Guedes e os partidos manter as travas, não disfarçou a contrariedade e seguiu reto, sem parar para as saudações.

As cidades não terão nem a trava inicial de precisar, antes dos investimentos, quitarem dívidas previdenciárias com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ou equilibrarem seus fundos próprios de previdência. Os prefeitos poderão gastar com “previdência ou investimentos”. “É óbvio que vão torrar o dinheiro em obras”, resumiu Lira.

A única restrição a prefeituras e governos estaduais será a proibição de que gastem o dinheiro com pagamento de funcionários. Deputados ponderaram que, na prática, um governador pode redirecionar recursos que estavam previstos para investimentos para aumentar a folha salarial e o dinheiro novo para as obras, mas que terá dificuldades de fechar as contas nos anos seguintes porque o dinheiro do bônus só será pago uma vez.

As negociações sobre as travas suplantaram as discussões sobre a repartição dos recursos, acertadas no dia anterior entre Maia, o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o governo. Os governadores ficarão com 15% do leilão, divididos numa fórmula que misturou o Fundo de Participação dos Estados (FPE), que privilegia Norte e Nordeste, com a compensação pelas desonerações da Lei Kandir às exportações, que beneficia mais Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

A mudança levou a protestos dos deputados nordestinos, mas que tinham, na sua maioria, cedido para viabilizar o acordo. “Existe perda significativa do Nordeste, mas, em nome do acordo, decidimos aceitar, mesmo que nós do Nordeste não estejamos satisfeitos”, disse o líder do PDT, André Figueiredo (CE). Já os prefeitos receberão com base nos critérios do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Além disso, o Rio de Janeiro, onde está a área explorada, ficará com R$ 3 bilhões.

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Nordeste e Norte perdem com nova partilha 

Marina Falcão 

Cristian Klein

Marta Watanabe 

10/10/2019

 

 

A inclusão do critério da Lei Kandir na distribuição da receita da cessão onerosa traz perda para todos os Estados do Norte e do Nordeste, além do Distrito Federal. Ao mesmo tempo, aumenta a fatia destinada a São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul - cinco das sete bancadas mais representativos na Câmara dos Deputados. Com a mudança, a participação dos governos estaduais do Sul, Sudeste e Centro-Oeste nas receitas destinadas aos Estados avança de cerca de 20% para 40%.

A mudança resulta da troca de critério, que antes distribuía os recursos com base nos índices do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Pelo novo critério os Estados devem receber 15% das receitas, já líquidas do valor que deve ser pago à Petrobras. Desse valor, dois terços serão distribuídos de acordo com o FPE e um terço pela participação na distribuição de recursos da Lei Kandir e do Fundo de Auxílio Financeiro Para Fomento das Exportações (Fex).

As várias projeções que circularam ontem mostram que São Paulo é o que mais ganha em termos absolutos com a nova regra. Com a mudança, o Estado deve receber de R$ 560 milhões a R$ 620 milhões a mais do que na regra anterior, dependendo do cálculo. Pelo critério anterior, receberia em torno de R$ 100 milhões. A divisão considerando a Lei Kandir foi defendida na terça-feira pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Minas Gerais é o que deverá ter a maior fatia destinada aos Estados, em estimativas que vão de cerca de R$ 840 milhões a R$ 900 milhões.

Segundo levantamento encaminhado ao Valor pelo governo do Piauí, São Paulo terá um ganho de R$ 618 milhões com a inclusão do critério da Lei Kandir para distribuição dos recursos aos Estados em relação à regra que considerava apenas o FPE. Pela regra 100% FPE, São Paulo só ganharia R$ 90,5 milhões e agora levará um total R$ 708,54 milhões do bolo. Representativo na Câmara dos Deputados, Pernambuco, ainda segundo o levantamento, será o mais prejudicado, recebendo R$ 191,7 milhões a menos em relação ao critério anterior. A Bahia também perde com o critério da Lei Kandir, mas continuará entre os que receberão as maiores fatias de receitas.

O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), disse que considera “lamentável” a nova proposta para distribuição de recursos da cessão onerosa. Ele tem chamado a proposta de “Robin Hood invertido”, pois “tira recursos dos Estados mais pobres para honrar uma dívida da União, a Lei Kandir, com Estados mais ricos”. Segundo Dias, a nova proposta trouxe perda de R$ 1,7 bilhão para os nove Estados do Nordeste, sendo R$ 160 milhões apenas para o Piauí. “A gente vinha num ambiente de confiança na Câmara, no Senado, na relação com o governo e lamentavelmente estamos vendo todos os dias uma ruptura daquilo que é acertado.”

O governador disse que o ambiente pode prejudicar a votação da reforma da Previdência no Senado. “Independentemente de quem é governo e quem é da oposição, estamos falando de uma receita do nosso povo. Quem vai ter coragem de votar uma coisa que tira dinheiro de seus Estados para mandar para regiões mais ricas do país, para pagar uma conta da União? Há uma reação”, afirmou. Segundo Dias, a proposta da reforma da Previdência conta hoje com 56 votos no Senado e bastariam “oito ou nove” senadores dizerem que não votam mais para o projeto não passar. “Você poderia me questionar: o que tem a ver a reforma da Previdência com a partilha do pré-sal? A rigor, nada. Mas o que tem a ver Lei Kandir com a regra da partilha do pré-sal? Nada”, disse.

Dias ressalta que os Estados já tiveram prejuízo na distribuição dos recursos da cessão onerosa, quando o governo abriu mão do Imposto de Renda. “Metade disso era de Estados e municípios, uma montanha de dinheiro de que estamos abrindo mão”, diz o governador, referindo-se à arrecadação do IR, que compõe o FPE distribuído aos Estados.

Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, diz que a inclusão do critério da Lei Kandir na divisão de receitas melhorou a distribuição dos recursos. “Com essa proposta, a divisão ficou mais equilibrada do que na anterior, na qual o Rio Grande do Sul receberia em torno de R$ 100 milhões e a Bahia, R$ 1 bilhão.”

Com o novo critério, avalia o governador gaúcho, a fatia do Estado passa de R$ 130 milhões para cerca de R$ 450 milhões. A nova regra, diz ele, considera o critério do FPE, que leva em conta as condições sociais e econômicas dos Estados. “Mas não se pode esquecer dos Estados do Sul e Sudeste, exportadores, que não têm recebido os repasses da Lei Kandir e do Fex e que também têm questões como o problema do déficit previdenciário, resultante do seu perfil demográfico.”

Para Leite, as novas regras não rompem acordos e não devem afetar o andamento de outros assuntos, como a reforma previdenciária. “A aprovação da reforma previdenciária é necessária para o Brasil, e eu nunca fui partidário de interromper essa discussão para debater cessão onerosa ou qualquer outro tema.”

O novo acordo sobre a partilha também agradou o Espírito Santo, que receberá cerca de R$ 70 milhões a mais do que estava previsto pela regra anterior. Com o novo critério, o Espírito Santo receberá cerca de R$ 330 milhões em vez dos R$ 260 milhões calculados anteriormente. “É uma boa notícia para o Espírito Santo”, afirmou o secretário estadual de Fazenda, Rogélio Pegoretti.

O secretário diz que, apesar da determinação de que os Estados destinem os recursos para sanar, prioritariamente, eventual déficit previdenciário, o Espírito Santo utilizará o dinheiro para investimento. Isso porque o governo já estava preparado para aportar recursos próprios do orçamento para cobrir o rombo da Previdência, que hoje chega a R$ 2,4 bilhões. A ideia, diz, é fazer uma substituição e destinar o mesmo valor do bônus da cessão onerosa para investimento. “Vamos utilizar os recursos equivalentes exclusivamente em investimento, no fundo de infraestrutura que criamos neste ano”, disse Pegoretti. Para ele, a destinação prioritária de recursos para cobertura de déficits previdenciários não deve desincentivar a aprovação de reformas pelos Estados.

O secretário diz que o efeito da reforma em tramitação no Congresso reduz em apenas R$ 100 milhões o déficit capixaba. “Isso está longe de resolver nosso problema. Por isso, mesmo esquecendo a PEC paralela, estamos estudando um projeto para replicar aos servidores estaduais as regras aplicadas aos servidores federais”, diz.

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TCU referenda com ressalvas processo que trata do leilão dos excedentes 

Murillo Camarotto 

10/10/2019

 

 

Por unanimidade e com ressalvas, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou ontem o processo que trata do leilão dos excedentes da cessão onerosa do pré-sal. Apesar de não ser uma exigência legal para a realização do certame, marcado para o dia 6 de novembro, o aval do órgão de controle é importante para a segurança jurídica da concorrência.

O ministro Raimundo Carreiro, relator do processo, acatou integralmente o parecer da unidade técnica do tribunal. Ao final, apresentou um voto com quatro ressalvas, com destaque para a necessidade de estruturação da Petróleo Pré-Sal SA (PPSA), estatal criada para representar a União em contratos de partilha de produção, modelo previsto para os excedentes da cessão onerosa.

O TCU também destacou problemas na modelagem econômica do leilão, especialmente no que se refere às estimativas dos valores de compensação à Petrobras. Os vencedores do leilão devem reembolsar a estatal pelos investimentos já realizados nas áreas da cessão onerosa nos últimos anos e também pelo adiamento de receitas previstas antes da decisão de oferecer as áreas à iniciativa privada.

Durante a votação, o ministro Bruno Dantas disse que adiar o leilão poderia resultar na perda de uma janela de oportunidade de dezenas de bilhões e reais. Somente com bônus de assinatura, o leilão deve movimentar R$ 106,5 bilhões.

Antes da decisão do TCU ser oficializada, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, disse que a cessão onerosa é o evento mais importante do trimestre, do ponto de vista das políticas fiscal e energética.

O tribunal determinou ainda que a PPSA assuma imediatamente a representação da União no leilão dos excedentes. A estatal deverá receber as informações necessárias para estar apta a atuar em defesa dos interesses da União caso algum bloco não seja arrematado no certame. Nesse cenário, a Petrobras continuaria explorando pelo regime de cessão onerosa, mas a União teria direito a uma parcela da produção.

Carreiro se comprometeu ainda pautar para 23 de outubro outro processo, que trata da revisão do contrato de cessão onerosa, assinado em 2010. Pelo acordo, a Petrobras deveria pagar US$ 42 bilhões para a União, em troca do direito de explorar 5 bilhões de barris. (Colaborou Lu Aiko Otta)

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Congreso aprova LDO de 2020 sem brecha para aumentar fundo eleitoral 

Vandson Lima 

Marcelo Ribeiro 

Raphael Di Cunto 

10/10/2019

 

 

O Congresso Nacional aprovou, com quase três meses de atraso, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, que fixa os parâmetros para elaboração do Orçamento.

Após acordo entre os deputados, a brecha para elevar o fundo eleitoral de 2020 para pelo menos R$ 3,5 bilhões - revelada pelo Valor em julho - acabou rejeitada. Assim, foi mantida a previsão de que o fundo será de 30% das emendas parlamentares de bancada (R$ 1,7 bilhão).

Os parlamentares rejeitaram um destaque que estabelecia uma regra para garantir ganho real no reajuste do salário mínimo. A correção será apenas pela inflação, alinhado com a proposta encaminhada pelo Poder Executivo.

A proposta prevê reajuste do mínimo, a partir de janeiro, em 4,2%, passando para R$ 1040,00. Até o fim do ano, pode haver variação sobre esse valor. No projeto da lei orçamentaria anual (PLOA), o governo já propôs a revisão para R$ 1039,00.

No Senado, foi aprovada em dois turnos e de forma unânime uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estende até o fim de 2028 o prazo para que Estados e municípios paguem precatórios devidos.

A proposta foi apresentada pelo senador José Serra (PSDB-SP) e relatada por Antonio Anastasia (PSDB-MG). A medida, contudo, não atinge os precatórios de natureza alimentícia, que são a maioria do estoque e permanecem com prazo para quitação até 31 de dezembro de 2024.

Apesar do amplo consenso em torno da matéria, Serra reclamou da mudança. “Essa restrição reduz a potência fiscal da proposta. Na média, 78% do estoque de precatórios tem natureza alimentar. A economia inicial estimada em R$ 7 bilhões por ano se reduz, então, para R$ 3,8 bilhões”. A PEC segue para análise na Câmara.

Duas MPs também foram aprovadas e seguem para sanção presidencial: a MP 885 agiliza o repasse aos Estados de recursos decorrentes da venda de bens apreendidos relacionados ao tráfico de drogas. Outra novidade é que, no caso da apreensão de armas, após perícia ou vistoria que atestem seu bom estado, estas serão destinadas aos órgãos de segurança do Estado responsável pela apreensão.

Já a MP 884 acaba com o prazo final para inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR). O CAR é pré-condição para que o agricultor ou pecuarista tomar crédito junto às instituições financeiras.