O globo, n.31503, 07/11/2019. Economia, p. 15

 

Arrecadação recorde em leilão sem disputa

Bruno Rosa

Ramona Ordoñez 

Danielle Nogueira 

Manoel Ventura 

Karen Garcia 

Henrique Gomes Batista 

07/11/2019

 

 

O megaleilão de áreas de petróleo no pré-sal, realizado ontem no Rio, arrecadou R$ 70 bilhões, um recorde no país e o maior montante já arrecadado num certame do gênero no mundo. No entanto, o resultado ficou abaixo das expectativas de levantar R$ 106,5 bilhões em bônus fixos de assinatura com a venda dos quatro blocos ofertados. A Petrobras arrematou dois blocos, em lances sem disputa, de áreas que ela já tinha informado que exerceria o direito de preferência. Não houve interessados nos dois blocos restantes. Ainda assim, o governo comemorou o resultado, que vai ajudar a fechar as contas públicas este ano, mas já fala em levar adiante uma revisão da legislação atual do pré-sal, que pode levar à troca do regime de partilha pelo de concessão. Um projeto nessa sentido tramita no Senado.

A Petrobras ficou com o bloco de Itapu, pelo qual vai pagar R$ 1,7 bilhão, e liderou com fatia de 90% o consórcio que arrematou Búzios, o mais atraente, por R$ 68,2 bilhões. Ali, a estatal tem como sócias as estatais chinesas CNODC e CNOOC, mas cada uma ficou com apenas 5%.

Neste modelo de leilão, no regime de partilha, o valor do bônus é fixo. O vencedor é quem compartilha coma União o percentual mais alto de seu lucro em petróleo. Sem competição, não houve ágio, ou seja, foi oferecido apenas o percentual mínimo.

INDENIZAÇÃO ASSUSTA

Como a arrecadação ficou abaixo das expectativas, será reduzido à metade o montante que a União dividirá com estados e municípios. Mesmo assim, do ponto de vista da arrecadação, o certame rendeu mais do que o somatório de todos os leilões de petróleo já realizados no país, de R$ 60,4 bilhões.

O fato de a Petrobras já atuar nas áreas leiloadas foi um dos fatores que afastaram as petroleiras estrangeiras. Isso porque o edital determinava que os vencedores dos blocos teriam que negociar coma estatal indenizações pelos investimentos já realizados, como a perfuração de poços. Segundo fontes a par de conversas entre empresas e a Petrobras, a estatal deu sinais de que exigiria compensações elevadas.

— Vinha todo mundo animado. Mas as discussões começaram a travar há uma semana e meia, devido a exigências de indenizações da Petrobras —disse um advogado que tem três grandes petroleiras estrangeiras entre os clientes.

Estudos de consultorias apontavam que a compensação poderia ultrapassar os US$ 20 bilhões.

Indagado sobre o assunto, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, ressaltou a importância da indenização e disseques e trata de um ressarcimento justo.

—Isso inibe as outras um grau de incerteza inevitável — afirmou Décio Oddone, diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que também citou ofato de a Petrobras indicar previamente com quais áreas quer ficar, o chamado direito de preferência, como entrave.

Para Magda Chambriard, consultora da FGV Energia e ex-diretora da ANP, o modelo do leilão afugentou petroleiras ao deixar em aberto o valor da compensação à estatal. Ela destaca que, pelo edital, um impasse poderia ser decidido por arbitragem e até pela ANP, em última instância.

O valor dos bônus fixos também teria contribuído para a falta de disputa. Algumas petroleiras consideram as cifras altas demais.

— Tomamos a decisão de não participar. Foi uma decisão de negócios. Entendemos que estamos numa posição positiva com os blocos que temos (no Brasil). Temos uma postura focada em disciplina de investimento. Decidimos não participar —disse André Araujo, presidente da Shell no Brasil.

BOLSONARO COMEMORA

Integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU), que participaram da avaliação do edital, disseram, reservadamente, que o órgão havia alertado o governo sobre o alto valor dos bônus e que are grade compensação à Petrobras poderia afastar participantes.

Apesar de protestos de representantes de petroleiros na frente do hotel da Barra da Tijuca, na Zona Oeste, onde foi realizado o leilão, o certame transcorreu sem incidentes. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, cogitaram ir ao evento, mas desistiram na última hora. À noite, ao ingressar no Alvorada, em Brasília, Bolsonaro comemorou:

—Tinha quatro áreas, foram vendidas duas. Foi um sucesso. Zero( frustração ). O campo mais importante foi vendido. Dinheiro é bem-vindo.

No leilão, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que Sépia e Atapu poderão ira leilão novamente em 2020.

A ANP realiza hoje a 6ª Rodada do Pré-sal, que oferece cinco áreas com bônus de assinatura que somam R$ 7 bilhões no regime de partilha. O ministro disse que, dependendo do resultado, o governo pode rever o modelo dos leilões:

— (Hoje) será realizado novo leilão no pré-sal, no regime de partilha. Teremos que aguardar e, depois, podemos ter um cenário e rever a metodologia e parâmetros para o sucesso dos próximos leilões.