O globo, n.31390, 17/07/2019. Economia, p. 15

 

Carteira biblionária 

Manoel Ventura 

Rennan Setti 

17/07/2019

 

 

Empossado ontem em Brasília pelo presidente Jair Bolsonaro, o novo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, afirmou que, sob sua liderança, o banco de fomento terá um novo papel. Uma de suas principais metas à frente da instituição — ele enumerou cinco — é acelerar a venda de ações em posse da subsidiária de participações BNDESpar. Só os papéis de empresas listadas em Bolsa da carteira do banco somavam R$ 106,8 bilhões em valor de mercado em março, data do último balanço. Quase metade (R$ 53 bilhões) se refere a ações da Petrobras. O banco mantém ainda fatias de grandes empresas como Vale, Eletrobras e JBS.

Montezano afirmou que ainda não está definido se toda a carteira será vendida, mas a ideia é se desfazer da maior parte. O novo presidente do banco quer montar um cronograma —que deve ser divulgado a partir de setembro —para a venda das participações. Segundo ele, o objetivo do banco de agora em diante será investir

em negócios de impacto social, e citou como exemplo o setor de saneamento básico:

—Boa parte (das ações) hoje são posições meramente especulativas. Se o preço das ações sobe,émerog anho financeiro, sem nenhuma entrega para a sociedade. É melhor tirar dinheiro daqui ecolocarem outro sativos, como o saneamento, que também vai terre torno financeiro, mas muito mais outros derivados disso para a sociedade como um todo.

ABERTURA DA ‘CAIXA-PRETA’

Analistas têm ponderado que as ações da BNDESpar não podem ser vendidas rapidamente por causa das oscilações no valor de mercado. A estratégia sofre resistências entre os técnicos do banco, que precisam justificar o melhor momento de vender os papéis, sob pena de serem responsabilizados por órgãos de fiscalização como o Tribunal de Contas da União (TCU) por operações que se mostrem maus negócios adiante.

Além de se desfazer de ações, Montezano disse que tem como ou trameta dar mais transparência ao banco e “explicar” para a sociedade o que chamade“caixa-preta”do BNDES. Ele disse que cumprirá a demanda de Bolsonaro — que contribuiu para a queda do antecessor, Joaquim Levy — em dois meses para recuperar a imagem do banco.

— O que a gente está se propondo a fazer é explicar a caixa-preta. Existe hoje uma dúvida clara. O que sairá desse estudo que a gente está fazendo, prefiro não comentar agora — afirmou. — Estou pedindo dois meses para formar minha opinião a respeito do tema.

Montezano frisou que coordenará pessoalmente esse processo. Para ele, as informações oferecidas hoje pelo banco são “desencontradas”.

— Ainda paira uma dúvida substancial na cabeça de população e políticos — disse. — Precisamos tirar tirar essa nuvem negra sobre o banco.

‘DESESTATIZAÇÃO DO CRÉDITO’

Na presença do ministro da Economia, Paulo Guedes, Montezano elencou a devolução antecipada de R$ 126 bilhões ao Tesouro, a reorientação do BNDES para a assessoria financeira do setor público em projetos e privatizações e a formulação de um plano trianual com avaliação para a instituição como as outras três metas de sua gestão. E afirmou que trabalhará em sintonia com a pasta de Guedes.

Ainda na cerimônia, o ministro reforçou que uma das missões de Montezano é reduzir o tamanho do BNDES e, como consequência, “desestatizar o mercado de crédito”. A premissa de Guedes é que a retração do banco estatal abrirá caminho para o crédito privado. A tarefa esbarra, porém, na dependência das empresas do BNDES quando se trata de crédito de longo prazo, crucial para a retomada dos investimentos na economia.

Segundo estudo recente de técnicos do BNDES com base em dados do Banco Central, a participação do banco no crédito total do país já vem diminuindo desde o governo Michel Temer, que interrompeu a política de empréstimos subsidiados acelerados nos governos Lula e Dilma com alto custo fiscal. Passou de 21% no fim de 2015 para os 14,5% atuais. No entanto, o BNDES ainda responde por 49,2% do crédito corporativo com saldo a vencer em mais de cinco anos. Em segundo lugar está o Banco do Brasil, também público, com 19,5%. Olhando-se apenas o financiamento à infraestrutura, o BNDES concentra 64% dos empréstimos.

RISCO PARA RETOMADA

Economistas têm dúvidas sobre a capacidade de o mercado financeiro privado ocupar esse espaço. Luiz Carlos Mendonça de Barros, que presidiu o BNDES nos anos 1990, diz que ainda há incertezas na economia do país que afastam agentes privados de crédito:

— A concentração do BNDES no financiamento de longo prazo é histórica. O banco sempre fez isso porque sabe que a economia é cíclica, proporcionando o retorno desse crédito no longo prazo mesmo em períodos de recessão. Parece-mese rum risco grande, por questões ideológicas, mexer no que está dando certo.

Carlos Rocca, do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), reuniu dados que apontam expansão do mercado de capitais coma redução dos desembolsos doBN DE Se o fim de suas taxas subsidiadas. Em dezembro de 2015, por exemplo, títulos emitidos no mercado decapitais representavam 15,5% da composição da dívida das empresas brasileiras. Em março deste ano, já somavam 25,3%.

As empresas estão tomando menos empréstimos no BNDES e, além disso, estão pagando parcelas ao banco antes do vencimento porque conseguem alternativas mais baratas no mercado atualmente, coma quedados juros do país. No entanto, esse movimento se dá em um momento de baixo investimento na economia. No longo prazo, Rocca diz que o BNDES ainda tem um papel.

Para Ernani Torres, ex-superintendente do BNDES e professor da UFRJ, acelerar o encolhimento do BNDES agora pode prejudicara voltados investimentos na economia. Para ele, a devolução antecipada de recursos do banco ao Tesouro limita sua capacidade de oferecer crédito de longo prazo.

— O BNDES está encolhendo porque o governo quer reduzir sua dívida pública. —avalia Torres. —Isso pode durar uns dois anos, mas é politicamente insustentável no longo prazo porque o investimento não vai subir de 15% para 20% do PIB se o BNDES não entrar.