Correio braziliense, n. 20483, 20/06/2019. Economia, p. 8

 

Em defesa do FAT e do BNDES

Cláudia Dianni

20/06/2019

 

 

Oito ex-presidentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) assinaram e divulgaram ontem uma carta conjunta em defesa do banco e com críticas à proposta feita pelo relator da reforma da Previdência (PEC 6/19), deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), de usar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para cobrir despesas com aposentadorias.

Para os ex-presidente do BNDES, a proposta de Moreira coloca em risco 8 milhões de empregos. “O FAT é um sistema de proteção social com responsabilidade fiscal. Tanto quem é contra quanto quem é a favor da reforma da Previdência não tem motivos para apoiar o desvio do FAT constitucional. Não dará certo converter recursos atualmente destinados à poupança para financiar gastos correntes. A mudança proposta pelo relator coloca em risco, nos próximos 10 anos, R$ 410 bilhões em financiamentos de investimentos de longo prazo, entre recursos que deixariam de entrar no BNDES e o retorno dos empréstimos que seriam concedidos com tais recursos”, afirma o texto.

A Constituição de 1988, no artigo 239, determinou a destinação de parte dos recursos arrecadados com o PIS-Pasep — que compõem o FAT — ao BNDES. Os recursos são utilizados em linhas de financiamento para apoiar negócios em diversos setores e, de acordo com o banco, retornam ao FAT na forma de pagamento de juros.

Alavanca

A carta foi divulgada durante debate entre os ex-presidentes, ontem de manhã, na sede da instituição. De acordo com Luciano Coutinho, que presidiu o BNDES entre 2007 e 2016, não é adequado o governo usar dinheiro do FAT para pagar despesas correntes. Segundo ele, o texto original da reforma já reduzia o repasse de 40% para 28%, mas, com a nova proposta, o banco perderia todos os recursos do FAT. “Financiamento de longo prazo é essencial para a infraestrutura, que é a única alavanca disponível para a retomada do crescimento econômico e a geração de emprego”, disse Coutinho.

De acordo com o texto divulgado conjuntamente, “o BNDES se funda em uma burocracia tecnicamente preparada e capaz de colocar em execução estratégias advindas de diferentes governos em períodos distintos.” A carta afirma ainda que o banco trabalha “com rigor técnico, seguindo conduta estritamente legal e tomando decisões impessoais, aprovadas em diferentes colegiados”. Assinam o texto Pio Borges, Luciano Coutinho, Paulo Rabello de Castro, Dyogo Oliveira, Demian Fiocca, Andrea Calabi, Luiz Carlos Mendonça de Barros e Márcio Fortes.

Não é a primeira vez que ex-dirigentes de diferentes espectros políticos se unem para se manifestar contra as decisões do governo Bolsonaro. Em março, oito ex-ministros do Meio Ambiente assinaram manifesto denunciando o que chamaram de desmonte da governança ambiental. No início de junho, seis ex-ministros da Educação assinaram carta em defesa das políticas públicas da área, com pedido de garantia de recursos, igualdade de acesso e autonomia universitária.

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"Bolsonaro é caçador de fantasmas"

20/06/2019

 

 

O economista Paulo Rabello de Castro, que presidiu o BNDES entre junho de 2017 e abril de 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB), disse que o presidente Jair Bolsonaro se comporta como “caçador de fantasmas”, ao insistir em procurar o que chama de “caixa-preta” do banco. Ele afirmou que vários técnicos em diferentes órgãos federais controlam as atividades da instituição. “Tribunal de Contas da União, Controladoria Geral da União, Polícia Federal, auditores privados. Ninguém acha nada de errado”, disse.

Na segunda-feira, em carta ao ministro da Economia, Paulo Guedes, Joaquim Levy se demitiu da presidência do BNDES depois de ser criticado por Bolsonaro. No sábado, o presidente da República disse que o chefe da instituição estava com “a cabeça a prêmio”. Bolsonaro estava insatisfeito com Levy por nomear técnicos que trabalharam no governo do Partido dos Trabalhadores e por demorar para abrir a “caixa-preta do banco”. Levy foi substituído pelo economista Gustavo Montezano.

Paulo Rabello de Castro disse que, durante sua gestão, contratou a consultoria internacional para avaliar a gestão do BNDES. “A qualificação do banco é muito positiva no cenário internacional”, disse.  Segundo ele, a consultoria avaliou se os clientes da instituição eram adequados, ou seja, se eram qualificados para receber os empréstimos. “Estão preocupados com ágio de centavos, quando as ações das empresas financiadas se multiplicaram e chegaram às alturas. A JBS, por exemplo, é hoje a maior empresa de proteína do planeta”, disse.

O economista afirmou ainda que a consultoria não encontrou erros de gestão em empréstimos a negócios em Cuba e na Venezuela. “Os empréstimos não são para os países, mas para a produção. O banco financia engenharia, atividade econômica”, afirmou, e esclareceu que o objetivo da consultoria contratada era verificar a correção da gestão e não buscar uma organização criminosa. “Não vi nada de desabonador. Foi uma gestão expansionista durante uma recessão internacional”, disse, em referência à administração do banco nos governos do PT.

“Não há nenhuma reclamação dos órgãos de controle. Ao contrário, só há elogios. E todas as informações estão disponíveis. Entre os bancos públicos, inclusive os internacionais, o BNDES é o mais transparente”, disse Luciano Coutinho, que presidiu a instituição entre 2007 e 2016.

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Funcionários mobilizados

20/06/2019

 

 

A AFBNDES, associação que representa os funcionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), receberá o futuro presidente da instituição de fomento, Gustavo Montezano, “aberta ao diálogo”, mas com preocupações em relação aos objetivos de abrir a suposta “caixa-preta” e de devolver empréstimos à União de forma acelerada. A avaliação é do vice-presidente da AFBNDES, Arthur Koblitz, que participou de ato contra a retirada da destinação dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) como fonte de financiamento do BNDES.

Hoje, 40% da receita anual do FAT são emprestados ao BNDES. A ideia de mudar a destinação do fundo está no relatório da proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma da Previdência. O relator do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) quer direcionar os recursos para pagar pensões e aposentadorias. Segundo Koblitz, o ato estava marcado desde antes da demissão de Levy (Joaquim, ex-presidente do banco que pediu demissão domingo, depois de críticas do presidente Jair Bolsonaro).

Na visão da AFBNDES, o banco já divulga todas as informações possíveis em seu site e os servidores de carreira não se envolveram em irregularidades, mesmo nas operações polêmicas aprovadas nos governos do PT. “O que quer dizer abrir a ‘caixa-preta’? Faltam dados? O site precisa ser mais didático? Especialistas dizem que não. Querem nomes e CPFs? Fazer perseguição?”, questionou.

Sobre as devoluções antecipadas dos aportes bilionários feitos pelo Tesouro Nacional no BNDES entre 2008 e 2014, o vice-presidente da AFBNDES disse que o temor está no fato de haver interpretações que consideram a medida como ilegal perante a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).