Título: Regime autoriza viagem ao exterior
Autor: Luna, Thais de
Fonte: Correio Braziliense, 17/10/2012, Mundo, p. 17

Visto de saída deixará de ser exigido para parte da população. Especialistas temem êxodo

Como parte de uma série de medidas de abertura gradual implementadas pelo presidente Raúl Castro, o governo de Cuba anunciou que vai eliminar, a partir de 14 de janeiro do próximo ano, a exigência de permissão para que seus cidadãos viajem para fora da ilha. O visto de saída, necessário desde o começo do governo de Fidel Castro, ainda será exigido para médicos, pesquisadores, professores universitários, atletas e qualquer pessoa que tenha sido processada no país, como opositores e dissidentes.

A limitação da flexibilização teria ocorrido em razão das políticas norte-americanas, indicou o jornal oficial Granma, em seu editorial. “Enquanto persistirem as políticas (dos Estados Unidos) que favorecem o ‘roubo de cérebros’, destinadas a nos despojar dos recursos imprescindíveis para o desenvolvimento econômico, social e científico do país, Cuba será obrigada a manter medidas para se defender”, afirma a publicação.

O fim da necessidade de uma carta-convite para os cubanos que forem ao exterior — o segundo maior obstáculo para quem deseja viajar (veja o quadro) — também consta na nova Lei de Migração. Um dos pontos da iniciativa amplia de 11 meses para 24 meses o tempo de permanência de cidadãos em outros países. Já os cubanos que vivem fora da ilha não precisarão mais de um visto de entrada para retornar a Cuba. Serão exigidos apenas o passaporte e e uma garantia de que o cidadão ficará entre um e três meses no local. Para se beneficiar da reforma migratória, as pessoas terão que tirar um passaporte atualizado, cujo custo aumentará de 55 pesos cubanos (R$ 112) para 100 pesos (R$ 204).

As novidades, anunciadas no mês do 50º aniversário da Crise dos Mísseis de Cuba, agradaram aos Estados Unidos. “Nós saudamos toda reforma que permita aos cubanos deixar seu país e voltar livremente. A reforma é coerente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, afirmou a porta-voz do Departamento de Estado, Victoria Nuland. Andy Gomez, do Instituto de Estudos Cubanos da Universidade de Miami, crê que a iniciativa tenha caráter econômico. “Devido à sombria situação financeira de Cuba, permitir que as pessoas saiam vai reduzir a demanda de geração de empregos sobre o Estado”, explicou.

A analista Lillian Manzor, também da Universidade de Miami, pondera que norte-americanos podem considerar que a nova medida causará outro Mariel — o maior êxodo de Cuba, em 1980, quando 125 mil pessoas fugiram para os EUA pelo Porto de Mariel, 50km a oeste de Havana. “Mas não acho que isso ocorrerá, pois o visto para entrar nos EUA, provavelmente, ficará muito mais difícil de obter.” Gomez completa que a imigração cubana voltará a ser tema das eleições americanas.

Ajuste

Para o dissidente Sebastian Arcos, ex-preso político exilado em Miami, as mudanças na política migratória da ilha são apenas um ajuste nas regras totalitaristas. De acordo com ele, o objetivo é fazer com que o regime pareça menos repressivo. “Faltando legitimidade econômica e ideológica, o regime precisa fazer algo para mostrar progresso e manter o povo sob controle. Esse anúncio faz parte de uma estratégia de mostrar um movimento para frente, embora não traga mudanças importantes no regime”, afirmou ao Correio. “Seis anos depois da transferência de governo de Fidel para Raúl Castro, e 53 anos depois de terem tomado o poder, o regime implementou pequenas reformas cosméticas para garantir sua permanência no comando do país”, criticou Arcos.

O que muda

Conheça as principais flexibilizações da política migratória de Cuba

» Fim da necessidade de visto de saída do país. O documento custava US$ 150 e as autoridades poderiam negar sua concessão.

» Fim da exigência da carta-convite, emitida por parentes e por amigos do cubano residentes no país a ser visitado e entregue nos consulados de Cuba. Seu custo era de US$ 200.

» Ampliação do prazo de permanência no exterior — de 11 meses para dois anos. A autorização pode ser renovada pelos consulados cubanos.

» Fim da exigência de visto de entrada para os cubanos emigrados. Para retornar ao país, eles precisarão do passaporte nacional. A estadia em Cuba terá que ser de 1 mês a 3 meses.

» As medidas não valerão para médicos, atletas, professores, cientistas, treinadores esportivos e cidadãos que foram processados ou condenados — como os opositores.

As reformas

Em 2011, Cuba anunciou uma série de medidas econômicas. Veja as principais:

» A compra e a venda de carros fabricados depois de 1959 foram permitidas. O vendedor paga um imposto de 4% sobre o valor do carro. O comprador paga uma taxa de 4% pelo veículo. Desde 2011, as pessoas podem ser donas de mais de um carro.

» Até a reforma, comprar e vender imóveis era crime. Agora, cubanos e estrangeiros com visto permanente de residência podem comprar, vender, herdar e trocar casas. Em caso de compra ou venda, os cubanos terão que pagar impostos de 4% sobre o valor.

» A “libreta de abastecimento” — cesta básica que os cubanos recebem por cerca de US$ 1 — está acabando gradativamente. A primeira medida do governo foi retirar os itens de higiene.

» A maioria das empresas e 85% dos profissionais eram diretamente ligados ao governo. Cada funcionário recebe um salário US$ 20. O Estado pretende acabar com 500 mil empregos públicos.