O globo, n.31532, 06/12/2019. Economia, p. 21

 

Guinada protecionista 

Janaína Figueiredo 

06/12/2019

 

 

O mal-estar causado pela ameaça do presidente americano, Donald Trump, de sobretaxar o aço e o alumínio importados da Argentina e do Brasil deve resultar em uma guinada protecionista no país vizinho. Fontes ligadas às equipes do presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, que assume no próximo dia 10, ressaltam que a avaliação é que é preciso dar uma resposta rápida. Este ano, as exportações argentinas desses dois produtos alcançarão US$ 520 milhões, contra US$ 700 milhões no ano passado.

— O presidente (Fernández) ficou muito incomodado, e as empresas argentinas estão preocupadíssimas. É preciso dar respostas no curto prazo —explicou a fonte peronista.

Já fontes do governo brasileiro temem que, com escassez de dólares, a decisão de Fernández de dispensar os desembolsos restantes do empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e com a necessidade de reativar uma economia que não cresce há quase dez anos, a Argentina deve retomar a velha receita do “comércio administrado”. Ou seja, limitar as importações até mesmo de seus sócios do Mercosul, como fez o governo Cristina Kirchner (2007-2015), usando instrumentos como as chamadas licenças não automáticas.

A visão de fontes do governo brasileiro coincide com a de altos funcionários do gabinete de Mauricio Macri.

— Não tenha dúvidas, Fernández vai apelar ao comércio administrado — assegurou uma fonte do governo Bolsonaro.

CRÍTICA A IMPOSTOS

Essa eventual guinada protecionista da Argentina vai na contramão do que prega a equipe econômica comandada por Paulo Guedes e, principalmente, da agenda traçada pelo Mercosul para 2020.

Ontem, sem mencionar a ameaça de Trump, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou a Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul para questionar o “nível de impostos às importações”, que prejudica países como o Brasil:

—A taxação excessiva afeta a competitividade.

Em seu discurso, Bolsonaro insistiu na defesa que seu governo faz da revisão da Tarifa Externa Comum (TEC, atualmente em 35%) do Mercosul, algo que não é bem visto pela equipe de Fernández.

Depois da cúpula, em transmissão ao vivo nas redes sociais, Bolsonaro disseque o Mercosul tem pressa em aprovar o acordo de livre comércio com a União Europeia. O presidente espera que o tratado seja efetivado até o fim de 2021:

—Vai demorar ainda, talvez até o final do ano que vem ou final do outro ano, mas vamos implementar esse acordo, e os quatro países da América do Sul vão usufruir desse comércio da União Europeia, que será muito bom para todos.

Bolsonaro rebateu críticas de que o acordo Mercosul-UE pode encarecer produtos no Brasil:

—Sabemos que estão reclamando que algum preço sobe. É natural. Assim como nós vendemos, nós compramos. É ale ida oferta e da procura, não tem como tabelar preço. Ficam achando que tem de tabelar preço de um produto ou de outro. Não vai haver tabelamento. Essa política não deu certo no Brasil e em nenhum outro lugar do mundo.

FACILITAÇÃO DE COMÉRCIO

Acordos fechados ontem confirmam que o bloco caminha na direção contrária ao protecionismo. Os quatro países se comprometam a facilitar o comércio eliminando taxas ainda vigentes que custam ao Brasil em torno de US$ 500 milhões ao ano. O governo brasileiro também selou um entendimento com o Paraguai sobre intercâmbio de automóveis, que prevê redução gradual de tarifas nos próximos dois anos e livre comércio a partir de 2022. O Brasil já tem acordos sobre carros com Uruguai e Argentina, além de Colômbia e México.

Mas um dos acordos considerados mais importantes pela equipe de Guedes foi o de facilitação do comércio. A Argentina, por exemplo, aplica taxas de 2,5%, em média, sobre exportações brasileiras.

— Só a retirada dessa taxa representa uma economia de US$ 400 milhões para os exportadores brasileiros — disse um negociador brasileiro.

Colaborou Jussara Soares

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Siderúrgicas brasileiras podem recorrer à Justiça dos EUA por aço

Eliane Oliveira 

06/12/2019

 

 

As indústrias siderúrgicas brasileiras vão recorrer à Justiça americana casos e confirme mas sobretaxas às exportações brasileiras de aço. Na segunda-feira, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou tributar o aço e o alumínio do Brasil e da Argentina, sob a alegação de que ambos estariam desvalorizando suas moedas.

— Já houve um malefício muito grande, que paralisou as negociações em curso entre fornecedores e clientes. Criou-se

um grau de insegurança, e começamos a avaliar as alternativas que eventualmente serão adotadas, caso a medida seja escriturada. Uma delas é levar o caso à Corte Internacional de Comércio dos EUA — disse o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo Mello.

Ele lembrou que, em agosto do ano passado, para evitar a sobretaxa de 25%, algumas siderúrgicas brasileiras aceitaram reduzir exportações e cumprir cotas. E ressaltou que agora há incerteza sobre como ficarão os contratos em vigor.

Um dos argumentos contra a aplicação de uma sobretaxa ao aço é que o Brasil é o maior importador de carvão siderúrgicodos EUA. No ano passado, as compras do produto somaram cerca de US$ 1 bilhão. Em outras ocasiões, o governo brasileiro chegou a sinalizar que poderia comprar de outros países, como Polônia e Austrália.

Em contatos com os departamento de Estado e de Comércio e até com a Casa Branca, as autoridades brasileiras também asseguraram que não há manipulação do real pelo governo: o Banco Central, inclusive, vem atuando para fortalecer a moeda nacional.

Outro argumento é que 89% dos siderúrgicos vendidos aos EUA são usados como insumo pelas indústrias americanas. Um produto mais caro afetaria a competitividade das empresas.