O Estado de São Paulo, n. 46000, 27/09/2019. Política, p. A8

 

'Ia matar Gilmar e me suicidar', afirma Janot

Valmar Hupsel Filho

27/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Ex-PGR diz ao ‘Estado’ que foi armado a uma sessão do Supremo com a intenção de matar o ministro, mas ‘mão de Deus’ o impediu

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot disse que, no momento mais tenso de sua passagem pelo cargo, chegou a ir armado para uma sessão do Supremo Tribunal Federal com a intenção de matar a tiros o ministro da Corte Gilmar Mendes.

“Não ia ser ameaça, não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Gilmar) e depois me suicidar”, afirmou o ex-procurador-geral. O episódio foi revelado ontem pelo Estado.

Segundo Janot, logo depois de ele apresentar uma exceção de suspeição contra Gilmar, o ministro difundiu “uma história mentirosa” sobre sua filha. “E isso me tirou do sério.”

Em maio de 2017, Janot, na condição de chefe do Ministério Público Federal, pediu o impedimento de Gilmar na análise de um habeas corpus do empresário Eike Batista, sob o argumento de que a mulher do ministro, Guiomar Mendes, atuava no escritório de Sérgio Bermudes, que advogava para Eike.

Ao se defender em ofício à então presidente do STF, Gilmar afirmou que a filha de Janot – Letícia Ladeira Monteiro de Barros – advogava para a empreiteira OAS em processo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Segundo o ministro, a filha do ex-PGR poderia “ser credora por honorários advocatícios de pessoas jurídicas envolvidas na Lava Jato”.

“Foi logo depois que eu apresentei a exceção (...) de suspeição dele no caso do Eike. Aí, ele inventou uma história que a minha filha advogava na parte penal para uma empresa da Lava Jato. Minha filha nunca advogou na área penal... E, aí, eu saí do sério”, afirmou Janot.

‘Mão de Deus’. Janot disse que foi ao Supremo armado, antes da sessão, e encontrou Gilmar na antessala do cafezinho da Corte. “Ele estava sozinho”, disse. “Mas foi a mão de Deus. Foi a mão de Deus”, repetiu, ao justificar por que não concretizou a intenção. “Cheguei a entrar no Supremo (com essa intenção) ”, relatou. “Ele estava na sala, na entrada da sala da sessão. Eu vi, olhei, e aí veio uma ‘mão’ mesmo.” O ex-procurador-geral disse que estava se sentindo mal e pediu ao vice-procurador-geral da República para substituí-lo na sessão do Supremo.

A história aparece no livro que Janot lançará em outubro pela Editora Planeta (Nada Menos que Tudo), no qual relata sua atuação no comando da Operação Lava Jato. Mas ele disse que preferiu tratar do episódio “sem dar nome aos bois”.

O ex-procurador-geral afirmou que a relação com Gilmar já não era boa antes disso, e que, depois, cortou contatos. “Eu sou um sujeito que não se incomoda de apanhar. Pode me bater à vontade... Eu tenho uma filha, se você for pai...”

Procurado, Gilmar Mendes não havia se pronunciado até a conclusão desta edição. 

Relato

“Não ia ser ameaça, não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Gilmar Mendes) e depois me suicidar (...) Cheguei a entrar no Supremo. Ele estava na sala, na entrada da sala da sessão. Eu vi, olhei, e aí veio uma ‘mão’ mesmo.”

Rodrigo Janot

EX-PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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'Discurso não foi ofensivo', diz Bolsonaro

Julia Lindner

27/09/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro demonstrou incômodo ontem com as críticas que recebeu por seu discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas, na terça-feira, em Nova York. Ele afirmou ter assistido ao próprio pronunciamento e não considerou suas posições agressivas. “Queriam alguém lá que fosse para falar abobrinha, enxugar gelo e passar o pano?”, disse.

“Não fui ofensivo com ninguém. Assisti ao que eu falei. Seria muito mais cômodo eu fazer um discurso para ser aplaudido, mas não teria coragem de olhar para a cara de vocês aqui”, disse Bolsonaro a apoiadores no Palácio da Alvorada.

Em sua estreia na Assembleia-Geral da ONU, Bolsonaro fez um discurso no qual classificou como “falácia” a tese de que a Amazônia “é patrimônio da humanidade” e criticou o que chamou de “espírito colonialista” de países que recentemente questionaram o compromisso do País com a preservação do meio ambiente.

“Foi um discurso patriótico, diferente de outros presidentes que me antecederam, que iam lá para ser aplaudidos e nada além disso”, afirmou Bolsonaro ontem no Alvorada.

Confronto. Durante sua fala na tribuna da ONU, recheada de referências religiosas, Bolsonaro rompeu a tradição ao não adotar um tom conciliador. Ele reforçou o discurso mais ideológico ao afirmar que o Brasil esteve “à beira do socialismo” e atacar adversários políticos e países como Cuba e Venezuela.

Ontem Bolsonaro voltou a questionar a posição de liderança indígena do cacique Raoni. “Ele não fala a nossa língua”, declarou. Na ONU, o presidente disse que Raoni é “usado como peça de manobra”.

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Equipe de Aras tem nomes ligados a ex-PGR

Breno Pires

Julia Lindner

27/09/2019

 

 

Novo chefe do MP escolhe assessores que trabalharam antes com Rodrigo Janot e Raquel Dodge

Posse. Bolsonaro cumprimenta Aras na cerimônia

No dia em que tomou posse como procurador-geral da República, Augusto Aras definiu seus dois vices, ligados a Rodrigo Janot e a Raquel Dodge, seus antecessores, e convidou para chefiar o grupo de trabalho da Operação Lava Jato na Procuradoria o subprocurador-geral José Adonis Callou, que atua em processos criminais no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Adonis entrou no Ministério Público Federal há 27 anos e, pela experiência na instituição, poderia ser considerado um “cabeça branca” – termo utilizado por Aras na sabatina no Senado quando criticou colegas que trabalham na Lava Jato. “Talvez tenham faltado cabeças brancas”, disse Aras aos parlamentares.

O subprocurador-geral, que atua em processos da Lava Jato no STJ, não confirmou se aceita o convite de Aras, de acordo com um interlocutor. Aras, no entanto, não indicou ainda o chefe da atuação nos processos penais e o coordenador da força-tarefa da Lava Jato.

Na composição da equipe, que prestigiou vários grupos dentro do Ministério Público Federal, Aras escolheu como vice-procurador-geral da República José Bonifácio de Andrada, que havia ocupado a função no segundo mandato de Janot. Como vice-procurador-geral Eleitoral, foi mantido Humberto Jacques, indicado de Raquel.

Entre as outras funções que Aras já preencheu, está a de secretário de Perícia, Pesquisa e Análise. O nome escolhido é Pablo Coutinho Barreto, que trabalhou na gestão de Raquel.

O novo chefe do Ministério Público indicou, ainda, como secretário de Cooperação Internacional, Hindemburgo Chateaubriand, próximo ao subprocurador-geral Nicolao Dino, e terá como chefe de gabinete Alexandre Espinosa, que trabalhou nas equipes de Raquel e do também ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel.

O nome do secretário-geral, Eittel Santiago de Brito Pereira, já havia sido confirmado anteriormente nos bastidores.

Discurso. Ao ser empossado pelo presidente Jair Bolsonaro, ontem, em cerimônia no Planalto, Aras prometeu “independência e autonomia” e disse que a Procuradoria tem a missão de induzir políticas públicas sociais e de defesa das minorias.

O discurso de Aras sobre as minorias contrasta com declarações de Bolsonaro durante o processo de escolha do chefe do Ministério Público. Antes de fazer a indicação, o presidente disse que queria um PGR que não tratasse minorias de “forma xiita”, não “supervalorizasse minorias” e entendesse “que as leis têm de ser feitas para a maioria e não para as minorias”.

Bolsonaro afirmou que Aras não é governo, mas “um guerreiro que vai ter em uma das mãos a bandeira do Brasil e na outra, a Constituição”. O presidente falou na independência do MPF e acrescentou que o órgão “tem que continuar altivo e, obviamente, extremamente responsável”. “Peço a Deus que ilumine o doutor Aras, que ele interfira onde tiver de interferir e colabore no bom andamento das políticas do interesse do nosso querido Brasil.”