Valor econômico, v.19, n.4724, 05/04/2019. Política, p. A5

 

Bolsonaro tenta ampliar base no Congresso 

Carla Araújo 

Fabio Murakawa 

Raphael Di Cunto 

Marcelo Ribeiro 

05/04/2019

 

 

Um dia depois da tumultuada participação do ministro da Economia, Paulo Guedes, na audiência pública sobre a reforma da previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), o presidente Jair Bolsonaro acertou a criação de um Conselho Político que será integrado por partidos do campo da centro-direita. É o primeiro passo para a possível constituição de uma base governista que viabilize a aprovação de temas complexos no Congresso.

Acompanhado do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, Bolsonaro recebeu os presidentes e líderes congressuais de PRB, PSD, PSDB, PP, DEM e MDB. Juntos, eles somam 196 deputados e 43 senadores. O esforço continuará na semana que vem, quando irão ao Palácio do Planalto representantes de Podemos, PSL, PR, Avante, SD e Pros.

A série de encontros foi agendada nos últimos dias, enquanto Bolsonaro ainda estava em visita oficial a Israel. Guedes não participou das reuniões. Também esteve ausente o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, cuja pasta é responsável também pela articulação do governo com o Congresso Nacional. Ele está em viagem oficial aos Estados Unidos.

Bolsonaro defendeu aos seus interlocutores a necessidade da aprovação da proposta de emenda constitucional, acrescentando que a promulgação da PEC não deve ser vista como uma demanda de seu governo. Para ele, trata-se de uma medida essencial para o país.

Na reuniões, Onyx expôs os planos do governo de se aproximar institucionalmente dos partidos políticos e formar um conselho que debata a governabilidade. Participantes informaram que não ficou claro se será formado um conselho só com presidentes e líderes partidários em reuniões mensais ou dois grupos, um formado por presidentes e outro pelos líderes, com encontros a cada 15 dias. Onyx sinalizou com os dois formatos durante as reuniões.

"Nada foi tratado sobre cargos, nem da parte deles e nem da nossa", disse Bolsonaro em transmissão via Facebook depois da série de audiências, ao lado dos ministros da Justiça, Sergio Moro, e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. "Eles têm perfeito entendimento que querem colaborar não com o governo, mas com o Brasil", completou.

Ainda nas redes sociais, o presidente contestou relato colhido pelo Valor, segundo o qual havia um sentimento de desconfiança por parte das lideranças partidárias antes de eles irem para o Palácio do Planalto. "Manchete do Valor Econômico (no site) hoje: segundo interlocutor, eu estaria gravando as conversas no dia de hoje. Pelo amor de Deus, isso não existe. Jamais darei qualquer [sic] oportunidade para que seja quebrada a confiança entre nós. Eu acredito no Parlamento brasileiro. Eu acredito que o Parlamento brasileiro vai fazer a sua parte não só na reforma da Previdência, mas nas demais questões que estão dentro da Câmara."

A declaração de um presidente de partido ao Valor foi de que ele não pediria nada, pois achava que seria gravado para divulgar nas redes sociais "quando meu pessoal se recusar a votar a reforma da previdência e ele alegar que é por causa da velha política", disse. Após as reuniões, no entanto, os parlamentares e dirigentes partidários sinalizaram apoio à realização de uma reforma e reafirmaram os trechos da proposta governista que poderão ser alterados no Parlamento.

Segundo o líder do MDB na Câmara dos Deputados, Baleia Rossi (SP), Bolsonaro disse que não falará mais em "velha política", distinção feita pelo presidente da República que vinha gerando desconforto entre integrantes de diversos partidos e dificultando a interlocução do Executivo com o Congresso. "Foi uma conversa bem descontraída, mas muito focada no que é importante para o país."

Segundo Baleia, seu partido deixou claro que não há intuito de participar da base aliada no Congresso e continuará independente, mas que "tem compromisso com a agenda econômica e social, principalmente aquela capaz de gerar emprego e renda".

O emedebista relatou a Bolsonaro que o partido votará a favor da reforma, mas defende ajustes, como a exclusão das mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria do trabalhador rural. O presidente da legenda, Romero Jucá, acrescentou que a questão da capitalização não está clara e precisa ser discutida com mais profundidade. "Existe política, a boa política e ela tem que ser feita no diálogo", disse. "É preciso conseguir uma nova modelagem na política, pois a velha modelagem foi vencida na urna".

O prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto, sublinhou que é preciso "aprovar o quanto antes" a reforma da previdência e, se houver apoio majoritário do DEM, é possível que haja fechamento de questão. O partido comanda as duas Casas do Congresso e está presente no primeiro escalão do governo.

O presidente nacional do PSDB, o ex-governador Geraldo Alckmin, afirmou que o partido "tem compromisso com a reforma" da Previdência, mas que não aprovará "nenhum benefício menor do que um salário mínimo". Afirmou que o importante no projeto governista é a idade mínima e o tempo de transição. "Coloquei claramente que a posição do PSDB sempre foi da necessidade de se fazer a reforma da Previdência", disse o tucano, acrescentando que a reforma deve ser centrada em justiça social, combatendo privilégios e protegendo os que mais precisam, e olhar também o aspecto fiscal.

Presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab afirmou que o partido não fechará questão pela reforma da Previdência, mas ressaltou que haverá boa vontade dos parlamentares, pois as pautas são "integradas e compatíveis" com a agenda da legenda. Para Kassab, o envolvimento pessoal do presidente nas conversas com parlamentares é uma sinalização importante.

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Embate na CCJ evidencia desorganização do governo 

Raphael Di Cunto 

Marcelo Ribeiro 

Fabio Graner 

05/04/2019

 

 

O embate entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a oposição durante a audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara não mudou absolutamente nada em termos de votação da reforma da Previdência, afirmam integrantes do colegiado e líderes partidários, mas voltou a colocar em evidência a falta de organização do governo, que não se mobilizou para defendê-lo.

A ida de Guedes à CCJ era apenas liturgia, pontua o líder de um dos grandes partidos. O ministro, com isso, mostra deferência à Casa e reforça a defesa do projeto, mas a avaliação da comissão é a admissibilidade - se o projeto fere alguma cláusula pétrea - e Guedes ignorou esse assunto.

A participação antecipada, contudo, originou uma crítica geral, da oposição aos independentes: a de que faltaram dados para embasar as declarações. O discurso de Guedes foi mais político, em alguns momentos irônico e de críticas ao Legislativo, e a maioria das perguntas ficou sem respostas, mesmo as feitas por aqueles que apoiam a reforma. "Todos aqui, todos sentem falta dos dados, realmente", criticou o deputado doutor Frederico (Patri-MG), que declarou ali voto favorável à reforma.

Por outro lado, até deputados de oposição minimizaram o "massacre" de Guedes na reunião, que levou a um clima de tensão no mercado de ações. Nesse ponto, faltou mais organização do governo do que apoio a reforma. "Os discursos da oposição e do PSL você não conta, não são eles que vão decidir se a reforma será aprovada. Mas no momento do conflito, vi partidos como PP, PSD, PR e outros apoiarem, mesmo que com ressalvas", disse o deputado Marcelo Ramos (AM), coordenador do PR na CCJ.

Dos 22 que discursaram primeiro, 17 eram da oposição. Isso ocorreu porque o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), permitiu que o autor do requerimento de convocação da audiência pública e todos os 15 deputados que o subscreveram falassem antes. Dos 15, só um era do PSL. Já o autor, Luizão Goulart (PRB-PR), não era de oposição, mas criticou a proposta de reforma para os militares, "incoerente com o combate aos privilégios", e demonstrou preocupação com o regime de capitalização e os baixos valores de aposentadoria.

A atuação do líder do governo, deputado major Vitor Hugo (PSL-GO), foi novamente criticada. Ele não conversou antes com os partidos para organizar a defesa de Guedes, não reclamou do acordo que deixou a oposição falar primeiro e deixou o plenário depois de discursar. Enquanto os deputados de oposição chegaram horas antes e fizeram fila para sentar na frente e confrontar o ministro, os governistas apareceram só depois que os lugares já estavam tomados. Técnicos do PSL colocaram pastas nas mesas, mas ninguém apareceu a tempo.

Os deputados do PSL chegaram a ser convocados por um grupo de WhatsApp, mas afirmaram que "por ter conhecimento técnico, Guedes saberia se virar e não precisaria de proteção". Outros justificaram a ausência como uma reação às dificuldades de marcar agenda com o ministro e avisaram que ele deveria tentar mobilizar aqueles que ele recebeu no primeiro trimestre.

Também atrapalhou o governo a restrição a fala dos líderes dos partidos. O regimento prevê que eles têm preferência sobre os demais deputados, mas o presidente da CCJ fechou um acordo de rodízio com os integrantes da comissão. Com o "massacre" em curso, o líder do PSL ligou para o líder de outro partido e pediu ajuda para socorrer o ministro. Ouviu a reclamação de que ele era o 38º a falar. A sessão acabou antes.

Na equipe econômica, ficou a percepção de que o governo conta com um bom centroavante, mas precisa arrumar sua zaga no Congresso. Serão intensificadas as reuniões com pequenos grupos de parlamentares e formada uma força-tarefa de técnicos para subsidiar os governistas com dados para rebater as informações equivocadas que a oposição buscaria tentar massificar. "Os técnicos têm que se mudar para o Congresso", disse uma fonte.

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Relator da reforma afirma que entregará seu parecer na terça-feira 

Edna Simão

Ana Krüger

05/04/2019

 

 

Um dia após audiência tumultuada com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) manteve o cronograma do relator da matéria, delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), entregar seu parecer sobre a constitucionalidade da reforma da Previdência na terça-feira para que seja votado entre os dias 16, 17 e 18. O calendário é do presidente da comissão, o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), que inicialmente previa que a apreciação seria no dia 17.

A expectativa de Francischini é de que a partir da próxima semana a base aliada esteja mais organizada. Isso porque haverá um contato mais direto com todos os deputados e mapeamento dos favoráveis à reforma, para unificar as forças e criar uma base regimental forte capaz de atuar da melhor forma possível nas comissões.

Ontem, em audiência pública com juristas na CCJ que durou seis horas, o relator afirmou que vai apresentar um parecer calcado nas premissas mais técnicas possíveis. "Parece-me que a reforma nos moldes apresentado é positiva e salutar para o Brasil", disse, acrescentando que não estava antecipando seu parecer.

Por enquanto, conforme Francischini, ainda não se sabe exatamente quem está na base e qual o seu tamanho no Congresso,. O debate com o ministro da Economia, contudo, escancarou a falta de articulação. "A base vai ser mais organizada, com certeza o cenário será outro. Esta semana ficou de recado para o governo", afirmou. "O nosso partido elegeu muitos deputados com muita competência, mas que são de primeiro mandato. Então acaba tendo um tempo de adaptação na casa", justificou.

Ontem em audiência pública, os juristas do governo e de fora divergiram quanto a constitucionalidade da proposta. O presidente da Comissão de direito previdenciário da OAB-SP e professor de direito, José Roberto Soderno Victório, assim como o ex-presidente de OAB, Cezar Britto, apontaram pelo menos seis pontos: ausência de estudo atuariais; criação de um regime de capitalização; a desconstitucionalização da Previdência; idade mínima; as regras mais rígidas para antecipação de aposentadorias especiais; e retirada da determinação de que ações judiciais contra o INSS podem ser julgadas em varas estaduais, quando não há existência de vara federal na cidade. Essas preocupações foram as mesmas expostas pelos partidos de oposição.

Na avaliação da professora de Seguridade Social e procuradora regional da República Zélia Luiza Pierdoná, no entanto, a PEC não representa retrocesso social, mas vê duas possíveis inconstitucionalidades em relação a regras propostas para professores e policiais.

Os representantes do governo rebateram. O assessor especial do presidente da República, Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub afirmou que o modelo de capitalização defendido não é o chileno, citando que no Brasil não seria cobrada uma taxa de administração. O secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, disse que, com a desconstitucionalização das regras, não são retirados direitos. "Não está dando um cheque em branco. Está colocando para cada parlamentar fazer alteração por lei. Sempre passará por parlamento e comissão toda e qualquer alteração previdenciária e que faça ajustes na Previdência", frisou Bianco.

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Marinho diz que Executivo não quer antecipar concessões a serem feitas 

Carolina Freitas 

05/04/2019

 

 

O secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, afirmou ontem em palestra para investidores no Banco Daycoval que ainda não é o momento de o governo sinalizar com as concessões que fará no texto da emenda constitucional para viabilizar a aprovação da reforma. "Se eu disser isso aqui eu vou colocar a oposição no mapa de um processo que não nos interessa. A gente não quer antecipar essa situação. Vamos deixar para quando começar a comissão especial. Temos compromisso de detalhar os números em 47 segmentos distintos na comissão especial. Não vamos antecipar narrativas contrárias", disse.

Marinho relembrou no encontro a aprovação da reforma trabalhista no início de 2017, da qual foi relator na Câmara. Segundo o secretário, por ironia a aprovação só foi possível porque as energias da oposição estavam voltadas para a reforma da Previdência apresentada pelo então presidente Michel Temer.

"Quando fizemos a relatoria da reforma trabalhista tínhamos um grande aliado, que foi a reforma da Previdência. Todo mundo olhava para a reforma da Previdência. Ninguém se incomodou com a trabalhista. Essa vantagem a gente não tem agora. Por outro lado mudou o cenário. As pessoas estão mais propositivas, amadureceu o tema na sociedade", afirmou.

Na visão de Marinho, os ataques ao ministro da Economia Paulo Guedes na sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara ontem provocaram o efeito de unir os parlamentares a favor da reforma. O secretário contou que o ministro foi conduzido ontem, depois da sessão de sete horas na CCJ, por cerca de 20 deputados até a porta de seu carro.

Também no evento, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que "a esquerda" tenta encurralar Guedes, para que ele desista de fazer a reforma da Previdência ou até mesmo do cargo. "Os partidos de esquerda vão intimidar aqueles que defendem reforma. Tentaram emparedar o ministro, de maneira grosseira, estúpida. Se nós, da sociedade civil, ficarmos calados, eles vencem no grito", afirmou Doria a uma plateia de cerca de 500 pessoas.

O tucano disse que o PSDB "pode, deve e vai' entregar votos no Congresso a favor da reforma da Previdência. Ontem, o presidente nacional do PSDB, Geraldo Alckmin, reuniu-se com o presidente Jair Bolsonaro em Brasília. O governador disse que tratou do assunto ontem em almoço com Alckmin, e que vai se reunir na próxima semana com a bancada tucana para marcar o posicionamento do partido a favor das mudanças na regra de aposentadoria.

O economista Beny Parnes, da gestora SPX Capital, alertou para a necessidade de o governo construir uma base no Congresso Nacional. Ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, Parnes relembrou casos de outros mandatários que tentaram bater de frente com o Parlamento e foram mal sucedidos. Ele disse não ver possibilidade de aprovação da reforma da Previdência no Congresso antes do terceiro trimestre de 2019.

Parnes apresentou à plateia de cerca de 500 investidores reunidos pelo Daycoval perspectivas para a economia até 2020. Ressalvou que as perspectivas têm de ser encaradas como uma experiência em um laboratório científico. "Se não passar a reforma da Previdência, o nosso laboratório vai para o espaço, vai ser contaminado por bactérias, o ratinho de laboratório vai ficar furioso, vai morder a mão do pesquisador. E a gente vai ter que mudar as projeções."