Valor econômico, v.19, n.4718, 28/03/2019. Brasil, p. A8

 

Estados terão socorro de R$ 10 bi, diz Guedes 

Fábio Pupo 

Vandson Lima 

28/03/2019

 

 

O novo plano de auxílio aos Estados será lançado em no máximo 30 dias e deve contar com R$ 10 bilhões do Orçamento da União. De acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o socorro dará "fôlego" aos governadores que encontraram dificuldades nas finanças estaduais ao assumirem os cargos.

Em busca de apoio para a reforma da Previdência, o ministro disse que os recursos podem aumentar caso o projeto seja aprovado no Congresso. "Separamos do Orçamento R$ 10 bilhões para plano de auxílio aos Estados, mas podemos aumentar se a Previdência passar e resultar em mais folga fiscal", disse durante audiência da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. O prazo foi uma promessa feita nesta semana por Guedes em reunião com governadores em Brasília.

Além do socorro financeiro aos Estados por meio do que chama de "plano Mansueto" - em referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida -, o ministro acredita que o alívio na administração dos governadores aconteça também após a reforma tributária. Guedes planeja uma fusão de até nove impostos em um só federal que teria recursos compartilhados com os entes. "Vai existir imposto único federal compartilhado com Estados e municípios", disse.

Além disso, ele voltou a citar a intenção de partilhar os recursos do fundo social do pré-sal com Estados e municípios - hoje, o montante é 100% da União. Ele afirmou que o governo vai "desentupir" o setor de petróleo, principalmente após assinar o contrato da cessão onerosa com a Petrobras. Segundo ele, até US$ 1 trilhão em recursos podem ser gerados pela indústria de óleo e gás nos próximos dez anos.

Segundo ele, os leilões de petróleo previstos pelo governo "serão um sucesso". "Já há ágio para aeroportos, vocês verão o que acontecerá com petróleo", disse.

Guedes disse que o país tem crescido a uma média menor que 2% nos últimos 30 anos. "É lamentável", disse. Para ele, o principal problema do país é o patamar do gasto público e que, no passado, governos conduziram uma política que levou a juros altos, na casa de 70% ao ano, e que isso era comemorado na "Faria Lima" - avenida paulista famosa por abrigar sedes de instituições financeiras.

Ele pretende diminuir o nível de despesas com a reforma da Previdência e pediu que o texto não seja "desidratado" pelo Congresso, repetindo que é preciso garantir a planejada economia de R$ 1 trilhão com o projeto para que seja possível lançar o regime de capitalização. Segundo ele, a reforma poderia levar a um corte de dois pontos percentuais na taxa de juros.

Perguntado, Guedes afirmou que sua equipe estuda a redução de impostos sobre empresas e a tributação de lucros e dividendos. Segundo ele, a medida teria como objetivo dar competitividade ao país em reação ao movimento seguido por outras nações.

"Se pode abrir uma empresa a 20% de imposto lá [no exterior] e aqui a 34%, quem sabe [podemos] reduzir a 20% aqui, mas pega imposto sobre dividendo e sobe? Tem que fazer uma compensação. Estamos dizendo o seguinte: vamos baixar de empresas, mas aumentar em dividendo. Isso que está sendo estudado", disse.

Guedes aproveitou para criticar o patamar da carga tributária. Para ele, caso taxas fossem mais baixas para todos, não haveria necessidade de subsídios ou desonerações a setores específicos. Em sua visão, hoje empresas de setores com menos articulação política acabam quebrando por não poder fazer pressão por tais recursos.

Durante a sessão, o ministro ainda foi questionado sobre a possível diminuição de subsídios ao setor agrícola. Diante da política de redução da participação pública no crédito do país, a equipe econômica quer diminuir o peso do Banco do Brasil no setor - hoje, a instituição é responsável por mais de 60% do crédito rural. Guedes disse que nunca defendeu o fim a um setor em específico, mas de forma geral.

Guedes também lembrou do plano para desvincular recursos da União por meio da proposta de emenda constitucional que ele quer enviar ao Congresso. Para ele, a descentralização dos recursos levaria à descentralização do poder.

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Para analistas, problema de Estados vai além de má gestão

Marta Watanabe 

28/03/2019

 

 

A crise fiscal dos governos estaduais vai muito além de alegada ineficiência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ou de má gestão. Na avaliação de Vilma da Conceição Pinto, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), há também questões estruturais, questões conjunturais como a recente recessão econômica e questões políticas que contribuíram para o agravamento das contas estaduais.

"É preciso fazer aprimoramentos, principalmente no entendimento da LRF, mas ela é não é o único ponto de eclosão da crise dos governos", disse Vilma durante debate promovido ontem pela Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV). Ela lembra que, no período de recessão, não somente o PIB teve grande perda real como também a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo recolhido pelos Estados.

No campo estrutural, há um engessamento dos orçamentos dos Estados, com governos regionais que destinam mais de 70% de suas receitas para o pagamento de gastos com folha, destaca Vilma, o que deixa margem muito pequena para fazer ajustes.

Para Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), é preciso criar modelo que force os Estados a poupar em períodos de bonança. Segundo ele, o regime fiscal brasileiro, "em tempos de arrecadação, gera gastos e cria despesas obrigatórias que não são possíveis de cortar em períodos de recessão".

Ele cita outra regras nesse sentido, como a vinculação de receitas, que obriga os Estados a gastar um determinado percentual da receita e também a destinação para entes subnacionais de receitas que são altamente voláteis (royalties de petróleo, por exemplo).

"É uma péssima forma de financiar entes subnacionais que não controlam o crescimento das despesas. Mesmo que haja restrições para aplicação desses recursos, cria-se espaço para aumentar despesa de pessoal."

Para Appy, é preciso reduzir o número de regras fiscais para poucas regras e que sejam efetivamente aplicadas. Ele defende um modelo que seja centrado no controle de despesas. Nesse sentido, diz, a União deu um passo com o estabelecimento de um teto de gastos.

Segundo a economista Ana Carla Abrão, é preciso resgatar o conceito original da LRF quando foi aprovada em 2000. "Queríamos evitar que os Estados passassem novamente pela crise que tivemos na década de 90 e estamos vendo esse filme de novo. Não é culpa da lei que não deu certo e foi desrespeitada", diz a sócia da Oliver Wyman.

"Chegamos a essa situação de dificuldade dos Estados porque o administrador precisa gerir olhando para o médio e longo prazos. É preciso observar os conceitos. O limite de 60% [da receita corrente líquida para pagamento das despesas de pessoal] não foi colocado porque o legislador não gosta de servidores públicos e não gosta de pagar salários altos. Os Tesouros estaduais precisam dar conta de pagar salários, aposentadorias, custear a máquina e investir. Mas precisa respeitar os limites", diz Ana Carla.

Quando se consome todas as receitas para gastos com despesas de pessoal, afirma ela, não se dá condições para o servidor realizar o trabalho. "Quando 70% ou 80% estão vinculados a gastos obrigatórios, com pressão da Previdência, é preciso ter clareza de onde está o problema. Enquanto não tivermos de forma clara de que o problema é estrutural, vai ficar difícil. A LRF tinha esse intuito e boa parte disso foi perdida."

A reforma da Previdência foi apontada por apontada por Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, como o principal item da pauta hoje da economia, mas que, segundo ele, está longe de ser um consenso. "O governo tem que mobilizar toda sua energia e seu capital político para conseguir resultados. Vai depender do presidente [Jair Bolsonaro] e de sua equipe."

"Nossa Previdência é repleta de injustiças que reforçam a desigualdade no Brasil. Há muitas e boas razões para fazer a reforma e para que seja impactante."