O globo, n.31382, 09/07/2019. Rio, p. 09

 

Um rombo de R$ 3,25 bilhões 

Luiz Ernesto Magalhães 

09/07/2019

 

 

Em meio a uma grave crise na saúde e à falta de manutenção na infraestrutura da cidade, o Tribunal de Contas do Município (TCM) apontou ontem que a prefeitura fechou o ano passado com um rombo recorde de R$ 3,25 bilhões. Apesar disso, um parecer do conselheiro Antônio Carlos Flores de Moraes aprovou as contas de 2018, com 23 determinações, 12 recomendações e uma ressalva relativa ao débito. Em 2017, as dívidas estavam em R$ 2 bilhões — ou seja, houve um aumento de 62%.

A situação financeira piorou embora a arrecadação da prefeitura tenha registrado uma melhora em 2018. Em valores atualizados, segundo dados do Fórum Popular do Orçamento, o município teve R$ 31,4 bilhões em 2016. Em 2017, houve uma queda para R$ 27 bilhões. No ano seguinte, a receita voltou a subir, chegando a R$ 28,8 bilhões.

Flores de Moraes disse que, para não deixar dívidas no encerramento de seu mandato (que termina em dezembro do ano que vem), o prefeito Marcelo Crivella terá de fazer um grande esforço na reorganização das finanças. Ele acha pouco provável que o déficit seja zerado até o fim da atual administração:

— Se continuar assim, em 2021 (quando o TCM julgará as finanças de 2020), as contas não serão aprovadas. No último ano, se não houver dinheiro em caixa para quitar os restos a pagar, não temos como fazê-lo.

Com o orçamento apertado, a prefeitura cortou, no ano passado, R$ 436 milhões da educação e R$ 22 milhões da saúde. Apesar disso, segundo o conselheiro do TCM, os percentuais mínimos exigidos por lei para as duas áreas foram cumpridos. Flores de Moraes explicou que um parecer pela rejeição das contas só pode ser emitido se o prefeito encerrar seu mandato com o caixa no vermelho. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) proíbe que gestores deixem dívidas para os sucessores.

O relatório de Flores de Moraes, aprovado por unanimidade pelo plenário do TCM, vai para a Câmara Municipal, a quem cabe aprovar ou rejeitar as contas. Uma eventual reprovação da Casa pode tornar o prefeito inelegível. No entanto, os vereadores sequer analisaram o parecer de 2017.

MULTAS DE ÁGUA E LUZ

Em sua análise, o conselheiro do TCM citou distorções, como o uso de R$ 1,6 milhão das receitas do Fundeb (fundo de desenvolvimento da educação básica) para pagamento de multas de contas de água e energia.

—Por que esses atrasos nos pagamentos das taxas? É um absurdo — disse Flores de Moraes.

O TCM não entrou no mérito das despesas de 2019, mas dados do Rio Transparente (o sistema de consultas eletrônicas da prefeitura) mostram que o rombo no caixa do município chegou a R$ 4,4 bilhões. As despesas somam R$ 18,9 bilhões, sendo R$ 10,3 bilhões apenas para pagar pessoal. Já a arrecadação está em R$ 14,5 bilhões (47,39% do previsto para este ano).

— As projeções indicam que o rombo pode aumentar, pois os erros de gestão cometidos em 2017 e 2018 parecem se aprofundar este ano — afirmou o vereador Paulo Pinheiro (PSOL).

O economista Luiz Mário Behnkem, da ONG Fórum Popular do Orçamento, que faz estudos sobre o desempenho das contas públicas do governo do estado e do município do Rio, avalia que a prefeitura tem sérios problemas de gestão. Ele frisou que, em 2017, quando assumiu, Crivella não tomou medidas imediatas para frear os gastos, apesar do cenário de dificuldades.

— A prefeitura precisa planejar melhor seus gastos para interromper essa trajetória. Se não há recursos para novos projetos, o caminho natural é destinar verbas para conservar a cidade —disse Behnkem.

Em nota, a prefeitura afirmou que teve um superávit orçamentário de R$ 160 milhões em 2018 e prometeu seguir as recomendações do TCM, assim como as determinações da LRF. Sobre o déficit de R$ 3,25 bilhões apontado pelo tribunal, limitou-se a informar que o relatório será analisado.

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Reflexos da crise financeira estão por toda a cidade 

Gustavo Goulart 

09/07/2019

 

 

Escolas municipais em situação precária, buracos nas ruas,obras atrasadas,hospitais sem médicos e insumos: os sinais da crise financeira estão por toda parte. Somente na área da saúde, a prefeitura tem um débito de R$ 1,4 bilhão, afirmou o vereador Paulo Pinheiro (PSOL), acrescentando que o Hospital Souza Aguiar, no Centro, está com déficit de funcionários.

Na unidade, faltam servidores e equipamentos. Ontem, quem precisava fazer exames de imagem voltou para casa. Os dois tomógrafos do Souza Aguiar (um deles foi comprado em janeiro) não estão funcionando. Segundo Pinheiro, a empresa encarregada de fazer o conserto cobra uma dívida da prefeitura, que ainda não comprou uma peça necessária para o reparo. E os problemas do hospital se multiplicam.

—Falta higiene na enfermaria, o que é um perigo. Meu pai ficou 20 dias no setor e contraiu uma infecção — reclamou ontem a contadora Rosana Jibrine, filha do aposentado Sleiman Assad.

Nas calçadas e no asfalto, a falta de conservação também oferece riscos. Na Rua Visconde do Rio Branco, por exemplo, um bueiro está sem tampa, e quem trabalha por ali, quase na esquina com a Praça da República, no Centro, diz que já ocorreram acidentes.

— Em abril, durante uma chuva, a água encobriu o bueiro e vi uma menina caindo no buraco —contou o motorista José Bernardes.

Na esquina das ruas Mena Barreto e Real Grandeza, em Botafogo, uma cratera ganhou forma há aproximadamente 20 dias, e a solução para evitar acidentes foi sinalizá-la com um cone da CET-Rio.

—A gente sempre coloca cadeiras, galhos, pedras... Mas sempre passa um caminhão e leva tudo — disse o vendedor Sérgio de Almeida, acrescentando que várias pedidos de reparo foram feitos pela central de atendimento 1746.

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Crivella pede R$ 700 milhões da Lava-Jato para pagar salários 

Lucas Altino 

Gabriela Goulart 

09/07/2019

 

 

Depois de ver o estado receber dinheiro recuperado pela Operação Lava-Jato, o prefeito Marcelo Crivella pediu à Justiça Federal que libere a devolução, para os cofres da cidade, de recursos desviados nas obras dos BRTs Transbrasil e Transcarioca e do programa de despoluição da Bacia de Jacarepaguá. Seu desejo é aplicar o montante, estimado em R$ 700 milhões pela Procuradoria-Geral do Município, em saúde, educação, transporte e até mesmo no pagamento de salários do funcionalismo.

O Ministério Público Federal (MPF) aprova o negócio desde que haja um acordo com o estado e a União em relação aos valores. O juiz da 7ª Vara Federal do Rio, Marcelo Bretas, ainda não avaliou a solicitação de Crivella.

Na última quinta-feira, a coluna de Berenice Seara no “Extra” adiantou que Crivella pediria o dinheiro. Segundo a prefeitura, o MPF afirmou “não haver qualquer motivo para discordar de que os valores entregues à Justiça pelos colaboradores que estão à disposição da 7ª Vara Federal Criminal devem ser devolvidos ao município”.

Ao GLOBO, porém, o Ministério Público foi comedido ao comentar o assunto. Em nota, informou que fez uma manifestação “dizendo que os valores pertencem aos cofres públicos, mas que o rateio depende da concordância dos demais interessados, União e estado”. Por sua vez, Bretas ressaltou que ainda não analisou o pedido de Crivella:

—Oportunamente, o juízo avaliará o referido pleito municipal, sobretudo considerando os valores arrecadados e a eventual concorrência de interesses de outros entes, como a União Federal. Em todo caso, não há prazo determinado para a análise.

Em fevereiro, o governador Wilson Witzel solicitou a devolução para o estado de R$80 milhões recuperados pela Lava-Jato. Ele foi atendido, e destinou os recursos para a segurança pública. Em 2017, o 13º salário dos servidores fluminenses foi pago com R$ 250 milhões que haviam sido tomados por esquemas de corrupção.

A prefeitura ainda não recebeu repasses da Lava-Jato e, segundo uma fonte da Justiça Federal, dificilmente conseguirá os R$700 milhões reivindicados, já que o montante seria “discrepante em relação ao total desviado” de obras do município.