O Estado de São Paulo, n. 45975, 02/09/2019. Espaço aberto, p. A2

 

Trabalho para os mais velhos

Sérgio Amad Costa

02/09/2019

 

 

O envelhecimento da população brasileira é fato e causa preocupação quanto ao futuro da Nação. Trata-se do resultado, por um lado, da redução da taxa de natalidade e, por outro, do aumento da expectativa de vida, em razão das melhorias no campo da saúde. Notase, agora, maior disposição das pessoas mais velhas de continuarem a trabalhar e o início de um movimento, embora ainda parco, de empresas que valorizam a senioridade de profissionais que já alcançaram a época da aposentadoria.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostra que o segmento com 60 anos ou mais, em 2004, era de 9,7% da população total; em 2009, 11,3%. E nesta década a tendência ao aumento se mantém. Em 2012, a população com 60 anos ou mais era de 25,4 milhões; em 2016, 29,5 milhões; e encerramos 2017 com 30,2 milhões. Os 4,8 milhões de novos idosos, em cinco anos, significam um acréscimo de 18% desse grupo etário, que se tem tornado cada vez mais representativo no Brasil. Trata-se de um processo irreversível. Há estudos que apontam que em meados deste século teremos mais idosos do que jovens no País.

No início da década de 1990, a expectativa de vida no Brasil era, em média, de 66 anos de idade; em 2005 foi para 71,8 anos; em 2012, 73,5 anos; e hoje, 75,8 anos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 77 anos, de 1940 a 2017, a expectativa de vida no Brasil aumentou 30 anos. Cumpre observar que estamos tratando o assunto no tempo presente. Porém, se formos pensar nas nossas próximas duas gerações, o salto na expectativa de vida será muito mais significativo. Vale ler a respeito desse tema as reflexões de Yuval Noah Harari em Homo Deus (editora Companhia das Letras, 2016). Embora seus prognósticos sobre expectativa de vida sejam para a humanidade em geral, é válida sua visão, num mundo globalizado, para a realidade brasileira.

Esse aumento no tempo de vida das pessoas faz com que, na maioria dos países, sejam repensados os atuais conceitos  de aposentadoria. O Japão, por exemplo, lidera o ranking das nações em termos de expectativa de vida, com uma média de 83,7 anos. Dos 34 milhões de japoneses com 65 anos ou mais, um número considerável deles ainda trabalha e depoimentos revelam que eles não pensam em parar.

O Brasil, embora ainda de forma tímida, parece estar seguindo esse exemplo do país do sol nascente. Os números traduzem essa disposição de profissionais em idades mais avançadas de continuar trabalhando. Em 2000, segundo o IBGE, 3,3 milhões de pessoas com mais de 60 anos faziam parte do mercado de trabalho e em 2010 esse número aumentou para 5,4 milhões. Na década atual, a participação continuou a crescer. Apesar de os idosos serem o grupo com menor inserção no mercado, o porcentual em relação a todos os grupos etários vem aumentando, passando de 5,9% em 2012 para 7,2% em 2018, o que significa 7,5 milhões de pessoas com mais de 60 anos na força de trabalho.

Essa mudança positiva no mercado de trabalho é revelada também em notícias de que empresas no Brasil, embora poucas, mas já é um começo, estão valorizando a experiência, contratando um número maior de profissionais mais velhos. E isso não só para cargos técnicos, mas também para gerência e diretoria. Os principais motivos são a disposição e o amplo conhecimento técnico desses profissionais. Há até empresas de ponta abrindo vagas para estagiários com mais de 50 anos de idade, possibilitando a chance de um novo ciclo de carreira. Essa iniciativa é positiva, pois ajuda a aculturar as pessoas no contributo dos profissionais seniores no trabalho.

Pois bem, razões para o início dessa mudança de empregabilidade, para profissionais seniores, são várias. Cito três.

A primeira é que essas pessoas com idade mais avançada são, em geral, trabalhadores qualificados e com muita experiência para agregar à empresa. Há importante literatura sobre técnicas de liderança que ressalta o valor da experiência no mundo profissional. Entre vários outros, destaco De Volta ao Mosteiro, de James C. Hunter (Editora Sextante, 2014).

A segunda razão é que nessa fase da vida as pessoas, em geral, estão resolvidas socialmente. Já constituíram família, criaram filhos e acabam se concentrando com mais facilidade nos desafios apresentados pelo trabalho.

A terceira está nas novas tecnologias utilizadas nas companhias. Elas possibilitam que as tarefas sejam quase totalmente intelectuais, facilitando o trabalho para os mais velhos. A labuta, hoje, numa infinidade de atividades muito pouco exige em termos de esforço físico.

Estudos científicos salientam que um dos principais fatores associados ao aumento da longevidade humana e para se manter mais saudável, até mesmo do ponto de vista neurológico, é o envolvimento com o trabalho. Recorro, novamente, ao exemplo do Japão. No início desta década, Nagano, uma província no centro do país, contava, proporcionalmente, com o maior número de idosos trabalhando entre todas as prefeituras do Japão e era onde se gastava menos com saúde. Já a cidade de Fukuoka tinha um número bem pequeno de trabalhadores mais velhos e altos custos com saúde.

Muito se fala hoje na importância de promover a diversidade dentro do mundo corporativo, visando ao bem social e ao aumento do potencial das equipes de trabalho. E por que não incluir, nessa diversidade, os mais velhos? Urge, também, começar a eliminar preconceitos em relação aos profissionais senescentes. E isso pode ser realizado por meio de campanhas educacionais, estimulando um número maior de companhias a dar oportunidade para que pessoas com idades mais avançadas continuem trabalhando. Não se trata de caridade, pois é bom para o País, é bom para a economia, é bom para as empresas e é bom para os mais velhos.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Amazônia 'internacional'

Denis Lerrer Rosenfield

02/09/2019

 

 

Muitas impropriedades foram cometidas a propósito dos debates sobre a questão da Floresta Amazônica, uma celeuma que se tornou um problema geopolítico, diplomático, comercial e militar. Uma questão de comunicação, de pouca eficácia do lado brasileiro ganhou dimensão propriamente amazônica. Note-se que o mundo da política, e também o do comércio exterior e da diplomacia, é o das percepções, muitas vezes os fatos e a verdade ficam a reboque.

Tanto uma percepção falsa quanto uma verdadeira orientam a ação, que se fará numa ou noutra direção. Eis por que o trabalho de comunicação e esclarecimento dos fatos é da máxima importância, pois de sua falta seguirá um tipo ou outro de ação. Ou seja, a comunicação social, tanto a tradicional quanto a digital, faz parte da ação humana e, portanto, dos governos, empresas e entidades de classe. Dela dependerá a orientação do comportamento e da ação humana.

Nesse jogo de percepções e de apostas arriscadas, no que tange às impropriedades o presidente francês ganhou o campeonato, embora o brasileiro se tenha referido à primeira-dama da França de forma inadequada e desrespeitosa. Isto é, o presidente Macron, ao responder ao presidente brasileiro, criou um problema geopolítico de dimensão inusitada. Picado pela boutade imprópria de Bolsonaro, declarou que a Amazônia teria status internacional, não devendo, portanto, estar submetida à soberania brasileira.

O caminho é deveras longo da primeira-dama à ameaça de velada intervenção externa, certamente “comandada” e “inspirada” pela França. É bem verdade que o presidente Macron procura agradar aos agricultores franceses, refratários à competição internacional, vivendo de subsídios e temendo fortemente a concorrência da agropecuária brasileira. Sua intenção é evidente: torpedear o recém-assinado acordo Mercosul-União Europeia. Está à procura de votos e tenta para isso criar uma crise internacional.

Seus colegas europeus não caíram na armadilha, ressaltando, corretamente, que o próprio acordo contém salvaguardas ambientais e a negociação é o melhor caminho. Mas o dano ao Brasil já foi causado e o objetivo, alcançado: queimar a imagem do País e do agronegócio.

Mais de 80% do bioma amazônico é preservado pelas terras indígenas, áreas de preservação ambiental, áreas militares e 80% das propriedades privadas. Ou seja, o coeficiente de preservação ambiental é altíssimo. Não haveria motivo para nenhuma espetacularização, porém, considerando a inação da comunicação governamental, dados desse tipo nem alcançam os meios de comunicação mundiais, em particular na Europa. Paradoxo: um dos países mais conservacionistas é tido como responsável pela poluição planetária!

Veja-se o despropósito. A Amazônia não seria mais exclusivamente brasileira. Amanhã ou depois poderiam alguns governantes lunáticos propor uma intervenção militar em nosso território. Por que não propõem algo semelhante nos cinco países mais poluidores do planeta: Estados Unidos, China, Índia, Rússia e Japão? Ou entre os dez, incluindo Alemanha, Canadá e o Reino Unido? Estão preocupados com o planeta ou com os seus interesses?

Ademais, o presidente francês, ao afirmar que a França tem extensa fronteira com o Brasil, “esqueceu” um pequeno dado histórico. A Guiana Francesa é, na verdade, uma colônia, resquício do passado colonial francês. Ser hoje denominada “departamento francês ultramarino” não muda a História. A Holanda e o Reino Unido também tiveram suas “Guianas” e levaram a término um trabalho de descolonização. O Brasil não tem “fronteiras” com esses países europeus. Não seria o momento de a França fazer seu dever de casa?

Dito isto, o Brasil deve enfrentar seus próprios problemas. Um dos principais consiste na regularização fundiária, bem assinalada pelo ministro Ricardo Salles. Há uma questão envolvendo terras que não são de ninguém, para utilizar uma expressão corrente, numa confusão entre a titularidade da União e a posse dos que lá vivem e trabalham. Ou seja, não há responsabilidade nenhuma, de tal maneira que, no caso de uma queimada, o crime não tem titular. Se houvesse uma regularização, a lei deveria ser seguida por aquele que detém a propriedade da terra. Assim como está, ninguém é responsável por nada. Os criminosos desaparecem.

Em torno de 74% da área da Amazônia é constituída por terras públicas, cabem apenas 26% à iniciativa privada. E esta deve obedecer ao limite legal de exploração em somente 20% da área. Leve-se também em consideração que, anteriormente à lei em vigor, 50% podiam ser desmatados. Logo, quando se fala em “queimadas”, dever-se-ia determinar se ela ocorreu em área pública ou privada, responsabilizando-se lá quem de direito. A exploração da agricultura e da pecuária no Brasil, atualmente, não utiliza a queimada como instrumento de preparação de cultivo da terra, salvo em casos marginais e sem expressão. Em consequência, não há como responsabilizar a agricultura e a pecuária brasileiras pelo desmatamento, como está sendo feito internacionalmente.

Há uma distinção capital a ser feita entre desmatamento legal e ilegal. O legal corresponde ao direito de cultivo e produção de alimentos relativo aos 20% que podem ser desmatados. Tudo conforme a lei. Outra coisa totalmente diferente é o desmatamento ilegal, que não segue nenhuma regra e nem limites. E é esse que se utiliza de queimadas! Na verdade, trata-se de grilagem de terras, garimpos, exploradores de madeira, que deixam as terras devastadas. Esses casos deveriam ser tratados com todo o rigor da lei, com uso de policiais e, se for o caso, de militares. Ações de repressão aí são fundamentais, pois se não forem realizadas passarão a mensagem de que tudo é permitido e a impunidade faz o crime valer a pena.