O Estado de São Paulo, n. 46034, 31/10/2019. Política, p. A4

 

MP afirma que porteiro mentiu ao citar Bolsonaro

Caio Sartori

Mariana Durão

Julia Lindner

Renato Onofre

31/10/2019

 

 

Justiça. Áudios mostram que funcionário não ligou para casa do presidente no dia em que a vereadora Marielle Franco foi morta; PGR abre inquérito para apurar ‘denunciação caluniosa’

Reação. Bolsonaro durante evento em Riad, na Arábia Saudita

A promotora Simone Sibilio, do Ministério Público do Rio de Janeiro, afirmou ontem que o porteiro do condomínio onde o presidente Jair Bolsonaro tem uma casa deu informação falsa ao envolvê-lo com um dos acusados de matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes. A citação gerou forte reação de Bolsonaro, que durante viagem ao Oriente Médio usou as redes sociais para rebater a acusação e anunciou a intervenção do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Provocada pelo ministro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu inquérito para apurar se houve “tentativa de envolvimento indevido” do nome de Bolsonaro. No pedido, Moro fala em “falso testemunho ou denunciação caluniosa”.

Segundo reportagem exibida anteontem pelo Jornal Nacional, da TV Globo, o empregado afirmou em dois depoimentos à Polícia Civil que, às 17h10 de 14 de março de 2018 (horas antes do crime), um homem chamado Elcio (que seria Elcio Queiroz, um dos acusados) chegou ao condomínio dirigindo um Renault Logan prata e afirmou que iria à casa 58, que pertence a Bolsonaro. O porteiro sustenta que, ao interfonar para a casa, recebeu do “seu Jair” permissão para a entrada do carro no local. O veículo, porém, se dirigiu à casa 65, onde morava Ronnie Lessa – também preso, sob a acusação de ter feito os disparos contra a vereadora e o motorista.

Segundo o MP, embora a planilha de controle de entradas e saídas preenchida pelo porteiro faça menção à casa de Bolsonaro, o cruzamento de gravações do condomínio mostrou que o contato feito pela portaria foi com a casa 65. A voz do homem que atendeu o interfone foi identificada pelos peritos como sendo a de Lessa, a partir de uma comparação com registros feitos em depoimentos à Polícia Civil do Rio. Além disso, informação da Câmara dá conta de que, no mesmo dia do assassinato, o então deputado federal Bolsonaro estava em Brasília.

“(O porteiro) mentiu. Pode ser por vários motivos. E esses motivos serão apurados. O fato é que as ligações comprovam que quem autorizou foi Ronnie Lessa”, disse a promotora, que integra o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco). “Se ele esqueceu, se ele mentiu, qualquer coisa pode ter acontecido. Ele pode esclarecer. Simples assim.”

Reação. Ainda na terça-feira, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo pelas redes sociais para rebater o porteiro e acusar o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC) – que tem feito críticas ao governo – de ter vazado o inquérito sobre a morte de Marielle e Anderson. Na transmissão, feita durante a madrugada na Arábia Saudita, Bolsonaro apareceu visivelmente nervoso.

Ontem, ele voltou a dizer que Witzel agiu em conluio com delegados da Polícia Civil para envolvê-lo no caso. “Não sei quem é o porteiro. Eu não tive acesso (ao processo) como a Globo teve, como o Witzel teve”, disse Bolsonaro a jornalistas na saída do hotel onde está hospedado, em Riad, naArábia Saudita. “No meu entender, o porteiro está sendo usado pelo delegado da Polícia Civil, que segue ordem do senhor Witzel, governador.”

O presidente disse ter sido avisado pelo próprio Witzel sobre o depoimento do porteiro, em evento no Rio no início do mês. “Ele (Witzel) chegou perto de mim e falou o seguinte: ‘O processo está no Supremo (Tribunal Federal)’. Eu falei: ‘Que processo?’. ‘O processo está no Supremo?’. ‘Que processo?’. ‘Ah, o processo da Marielle’. ‘O que eu tenho a ver com o caso da Marielle?’. ‘Não, o porteiro citou o teu nome’. Ou seja, Witzel sabia do processo que estava em segredo de Justiça.”

Procurado, o governador negou ter vazado qualquer informação e disse que as declarações de Bolsonaro foram feitas “num momento talvez de descontrole emocional”. “Se está no Supremo, pode ter vazado ali dentro, em qualquer outro órgão. Tem de ser investigado pela Polícia Federal.”

Arquivado. Segundo o MP do Rio, apesar de as declarações do porteiro conterem, em tese, alegações falsas, os depoimentos foram enviados ao STF no dia 10 de outubro, junto com as planilhas e os áudios. A simples menção a Bolsonaro, detentor de foro privilegiado, levou à transferência do caso para Corte superior. Em entrevista ao Estado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, confirmou ter recebido do Supremo uma notificação sobre a citação ao nome do presidente, mas, por não ver elementos de crime, mandou arquivá-la.

“Nos elementos informativos que o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro encaminhou ao Supremo, que, por sua vez, encaminhou à PGR, não há nada que vincule o presidente a qualquer evento. Não há nada. A minha assessoria ouviu todos os áudios e não há nenhuma participação do presidente ou de indício da voz do presidente”, afirmou ele. “O Supremo mandou à Procuradoria, que mandou arquivar.”

O vereador Carlos Bolsonaro (PSC) usou as redes sociais para exibir um vídeo com imagens de computador contendo supostos arquivos de áudio das conversas entre a portaria e as casas do condomínio no Rio. Um dos registros mostra que às 17h13 o homem identificado como Elcio pede para ir à casa 65, de Lessa. Não há no horário ligação para a residência de Bolsonaro. “Vocês podem ver que nem antes nem depois houve tentativa de contato com a casa de Jair Bolsonaro”, disse ele. 

PONTO A PONTO

Questões não esclarecidas

Registro

Por que o porteiro registrou no livro de ocorrências da portaria anotações que poderiam ser facilmente desmentidas pela checagem das conversas gravadas com as casas do condomínio?

Contato

Por que o porteiro afirmou ter feito dois contatos com Bolsonaro em casa, quando o hoje presidente, na época deputado federal, estava em Brasília na hora informada?

Desmentido

Se Bolsonaro sabia da versão do porteiro desde 9 de outubro, quando diz ter sido informado pelo governador Wilson Witzel (PSC), por que não a desmentiu antes?

Surpresa

Se sabia que o depoimento era falso, por que Bolsonaro demonstrou surpresa e nervosismo nas horas seguintes à veiculação da reportagem?

Checagem

Por que o Ministério Público do Rio fez uma consulta ao Supremo antes de ter checado as informações do porteiro?

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Presidente aciona PGR para reter fundo do PSL

Rafael Moraes Moura

Camila Turtelli

31/10/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro e um grupo de 23 parlamentares do PSL acionaram ontem a Procuradoria-Geral da República (PGR) para pedir o afastamento do presidente nacional da sigla, o deputado Luciano Bivar (PSL-PE), e a suspensão dos repasses ao partido do Fundo Partidário – R$ 110 milhões do Fundo Partidário estão previstos para a sigla só neste ano.

O grupo ligado a Bolsonaro sustenta que o partido entregou uma “resposta dissimulada” ao pedido de uma relação completa de fontes de receita e despesas. Procurado, Bivar não foi localizado até a conclusão desta edição.

Liminar. Por outro lado, a ala do partido ligada a Bivar conseguiu derrubar uma decisão liminar da Justiça que impedia o PSL de dar continuidade ao processo de suspensão, no Conselho de Ética da sigla, de 19 parlamentares, incluindo o líder da bancada na Câmara, Eduardo Bolsonaro (SP) – e que pode resultar em expulsão. Todos os nomes são de parlamentares ligados a Bolsonaro.