Título: Índios fazem apelo por posse de terra
Autor: Lisbôa, Anna Beatriz ; Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 24/10/2012, Política, p. 8

Manifesto dos Guarani-Kaiowá agrava a disputa entre etnia e fazendeiros no Mato Grosso do Sul. Funai tenta reverter decisão judicial

“Juízes que na região sofrem pressão por parte dos grandes fazendeiros acabam se escondendo atrás de ações como essas para justificar suas decisões” Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

O pedido de socorro da comunidade indígena Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, vem correndo as redes sociais nos últimos dias. Por decisão da Justiça Federal em Naviraí (MS), 170 indígenas deverão deixar o território disputado com fazendeiros. Um abaixo-assinado, que até o fechamento desta edição contabilizava 80.430 assinaturas, circula pelo Facebook e pelo Twitter pedindo providências sobre o caso. Por meio da carta, os indígenas denunciam a ação da Justiça como parte de uma ação de “genocídio/extermínio histórico” contra seu povo. De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), o local está em processo de estudo para ser reconhecido como território indígena e as providências necessárias estão sendo tomadas para reverter a decisão.

Embora circule pela internet a informação de que os Guarani-Kaiowá estariam ameaçando um suicídio coletivo, o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Cleber Buzatto afirma que não há elementos que confirmem essa intenção. “Em nenhum momento a carta fala em autodestruição, mas reafirma a decisão coletiva de permanecer na área.” Na noite de ontem, o Cimi divulgou nota repudiando a disseminação da informação na internet. “Os Kaiowá e Guarani falam em morte coletiva no contexto da luta pela terra, ou seja, se a Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela, sem jamais abandoná-las.”

Para Buzatto, a Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU), que define regras de demarcação e direito de uso das terras indígenas, potencializa esse tipo de conflito. “Juízes que na região sofrem pressão por parte dos grandes fazendeiros acabam se escondendo atrás de ações como essas para justificar suas decisões”, declara. A portaria, atualmente suspensa a pedido da Funai, coloca em vigor as 19 condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), entre elas a proibição do aumento de áreas indígenas já demarcadas.

O deputado federal Sarney Filho (PV), que leu a carta no plenário da Câmara na sexta-feira e participou de manifestação em favor dos índios Guarani-Kaiowá em frente ao Congresso Nacional, afirma que essa etnia vem sofrendo “um verdadeiro genocídio” nos últimos anos. “A questão indígena não é pacífica no seio do Executivo, assim como a questão ambiental. A falta de uma política indigenista consolidada gera a possibilidade de que haja esse tipo de questionamentos na Justiça.” Sarney encaminhou a carta ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, e conversou com o presidente do STF, ministro Carlos Ayres Brito. O Ministério da Justiça informou, por meio da assessoria, que ainda não recebeu nenhum comunicado oficial sobre a reivindicação, mas destacou que a Polícia Federal acompanha o caso.

Mortes A etnia Guarani-Kaiowá aparece com destaque em todos os relatórios sobre violência entre indígenas. Segundo dados divulgados pelo Cimi com base em números do Ministério da Saúde, foram 555 suicídios de 2000 a 2011 — número elevado considerando se tratar de uma população de 40 mil pessoas. Em relação aos homicídios, o quadro também é preocupante. Dos 51 assassinatos de índios no ano passado no Brasil, 27 vitimaram a etnia sulmatogrossense. “Historicamente tem sido um povo que sofre muito com a violência. São comunidades que se veem em porções pequenas de terras, cercada por fazendas, sem uma visão holística da vida indígena que tinham. Isso, para um povo que mantém tradições, a língua, é muito traumático”, afirma Mércio Gomes, antropólogo e ex-presidente da Funai.

Hoje, acrescenta Mércio, muitos indígenas da região vivem de benefícios como o Bolsa-Família, sem qualquer perspectiva de retorno à rotina da aldeia. “A cada decisão judicial dando ganho de causa aos fazendeiros, eles vivem uma situação de anomia cultural. É um aviso desesperado da situação pela qual passam”, afirma. Desde sua gestão, que terminou em março de 2007, estudos para reconhecimento de terras em Mato Grosso do Sul já vinham sendo feitos. “Havia condições inequívocas a para demarcação como território tradicional naquele estado. Mas essas coisas vem demorando muito ao longo do tempo.”