Correio braziliense, n. 20501, 08/07/2019. Suplemento, p. 6

 

Tecnologia muda a relação com o dinheiro

08/07/2019

 

 

Com a estabilidade monetária, alcançada pelo Plano Real, o Banco Central (BC) agora quer avançar na modernização do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Para isso, desenvolve a intermediação financeira do futuro, por meio de dois projetos básicos: o open banking, que é a difusão sem o consentimento do usuário das suas informações para que possa receber propostas de crédito mais regulares, por exemplo, de fintechs; e um projeto de pagamentos instantâneos, como funciona em alguns países, onde é possível pagar contas por aplicativos como o WhatsApp.

O diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central (BC), João Manoel Pinho de Mello, explica que o papel da autoridade monetária é ter proatividade para que os novos modelos de negócio se adaptem rapidamente às mudanças na sociedade, garantindo segurança, sem inibir a inovação. “A estabilidade da moeda nos deu as condições objetivas e necessárias para desenvolver a eficiência do sistema financeiro com essa agenda central”, diz.

Agora, o foco do BC, segundo o diretor, é dar segurança aos novos modelos de negócios, sem detrimento da inovação; estimular a entrada de concorrentes não tradicionais no mercado e garantir que todos os processos sejam baseados na proteção de dados dos consumidores do sistema financeiro. “Também temos que difundir as informações de crédito, para que todos os concorrentes possam competir em igualdade de condições. Se um credor tem mais informações do que outro, é natural que consiga dar crédito em condições mais vantajosas”, assinala.

Concorrência

Pinho de Mello destaca que, entre as missões do BC, estão assegurar a estabilidade da moeda, com cumprimento da meta da inflação, e garantir um sistema financeiro sólido e eficiente. “A primeira missão é o motivo da comemoração dos 25 anos do real. A despeito de discordâncias, é notável o que nós conseguimos fazer no que se refere à estabilização monetária”, afirma. “Nós construímos um sistema sólido. Agora, é preciso centrar esforços na conclusão de um sistema financeiro ainda mais eficiente. É sinal de maturidade da sociedade brasileira e do governo que o debate hoje esteja mais focado em temas como juros, spread bancário, fintechs, intermediação financeira, mudanças regulatórias. Isso significa que nós resolvemos boa parte da agenda para dar espaço à próxima, cujo principal objetivo é aumentar a concorrência na intermediação financeira”, sintetiza.

O termo é usado no lugar de crédito bancário, de acordo com o diretor do BC, porque o setor privado já está ocupando boa parte da queda do crédito direcionado subsidiado que houve nos últimos anos. “O processo é lento, mas já está em curso. Inclusive, a pesquisa de intermediação financeira começará a ser divulgada em agosto pelo Banco Central, que envolve mercado de ações, mercado de títulos do setor não financeiro e do crédito bancário, obviamente”, antecipa.

Sobre meios de pagamento, Pinho de Mello diz que o BC quer criar um ambiente com concorrência, reduzindo as barreiras à entrada, estimulando, assim, a eficiência. “A tecnologia é grande vetor tanto de indução da concorrência quanto da redução de riscos para subscrição de crédito”, afirma. A expansão da competição no setor, no entanto, deve caminhar lado a lado com a segurança dos dados pessoais dos cidadãos. “Esse é um pilar fundamental. O consenso social a respeito de várias medidas depende dessa proteção. A consequência é crédito e serviços mais baratos e abundantes, sobretudo, para a população menos bancarizada e para as pequenas e médias empresas, que sofrem com restrição de crédito”, acrescenta.

A autoridade monetária já realizou algumas mudanças regulatórias, que permitiram avanços. “As transações de cartão de crédito como fração do PIB (Produto Interno Bruto) tiveram um crescimento absolutamente extraordinário e tem ainda mais por vir”, destaca. O estímulo à concorrência na antecipação de recebíveis, que é o principal mecanismo de crédito para vários negócios, principalmente, médias e grandes empresas, provocou queda no custo do capital de giro, exemplifica. “Tenho convicção de que a tecnologia impulsionará ainda mais a concorrência”, conclui.

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Cidadão está cada vez mais conectado

08/07/2019

 

 

 

 

Por mais que a tecnologia avance a cada dia, elas nunca serão capazes de substituir o potencial humano de tomada de decisões. A afirmação, do gerente executivo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carlos Augusto Costa, é um pedido para que as empresas invistam na formação de pessoas para que o cidadão do futuro esteja sempre à frente das novas tecnologias. “Não temos de nos preocupar com softwares, mas, sim, com ‘peoplewares’. A tecnologia é, sim, importante, mas é necessário priorizar a preparação dos seres humanos, pois somos nós que tomaremos as decisões do dia a dia. Por isso, é importante que os governos e instituições responsáveis pela formação humana percebam esse ativo e comecem a trabalhar no sentido de contribuir para que esse cidadão do futuro esteja um passo à frente das novas tecnologias”, analisa.

Para Costa, também é fundamental primar pela qualidade das competências dos seres humanos. “Melhorar a relação de pessoa para pessoa é um ponto muito importante. Tem de haver confiança, transparência, justiça e equidade. Sem isso, dificilmente construiremos uma sociedade mais justa e progressista”, opina. O gerente executivo da FGV bate na tecla de que todos têm de ser educados para entender as novas tecnologias. Na avaliação dele, o mundo passa por grandes transformações que impactam os empregos. “É necessário pensar em como encontrar os caminhos para que o cidadão seja educado e entenda as novas ferramentas virtuais para saber lidar com um ambiente mais competitivo e mais exigente no mercado de trabalho.”

Moldar as habilidades é um aspecto crucial para a evolução da economia. Costa explica que, à medida que o consumidor está em um bom momento pessoal e com uma visão de futuro positiva, tende a comprar mais e se relacionar melhor com o ambiente de negócios ao qual está inserido. “Quando o consumidor vai consumir algo, ele considera todo esse processo no qual está imerso. A economia quem faz somos nós. Demanda, quem faz, são as pessoas. Se elas estão satisfeitas, tendem a consumir mais e, com isso, a economia cresce”, diz.

Costa vê as transformações tecnológicas dentro do mercado financeiro como um potencializador para que o consumo da população seja cada vez mais elevado. “Preferimos a praticidade. Se tivermos a mesma quantidade de dinheiro em espécie e em um cartão, os gastos do cartão serão muito maiores, pois a população sabe que só terá de pagar mais adiante”, afirma. Além disso, com a facilidade para se abrir uma conta atualmente, graças às fontes ele acredita que será cada vez mais raro as pessoas usarem cédulas de dinheiro. “No momento em que vivemos atualmente, recorrer aos bancos tradicionais é algo muito burocrático. Tenho uma filha de 25 anos, por exemplo, que nunca foi a um banco e abriu a conta dela pelo celular, pois é bem mais prático. Creio que teremos ainda mais ferramentas para facilitar a nossa vida daqui em diante”, garante.

No entanto, ele frisa que as inovações terão de se adaptar aos costumes dos consumidores. “Adoramos novidades, mas gostamos da familiaridade. Se a tecnologia não se transformar em algo que eu fique confortável, vou esquecer”, opina.

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Criptomoedas são ameaça ao sistema tradicional

08/07/2019

 

 

Estima-se que existam, hoje, quase 5,9 mil moedas virtuais no mundo cibernético. As criptomoedas, que surgiram a partir de diferenciais como a descentralização, o anonimato e o custo zero de transação, já se mostram uma ameaça forte ao sistema financeiro tradicional, alerta o ex-diretor de Política Monetária do Banco Central Aldo Luiz Mendes. Apesar disso, ele lembra que, por não serem emitidas por autoridade central, nem serem controladas ou fiscalizadas, as moedas virtuais têm grande risco reputacional.

“O anonimato das moedas dessa natureza traz risco reputacional e dificuldades com relação ao programa de prevenção à lavagem de dinheiro. Não há como rastreá-las, e elas estão sujeitas a ataques cibernéticos. Além disso, elas têm dificuldade de aceitação, porque é um universo pequeno que negocia com isso. Como reserva de valor, elas são extremamente arriscadas”, opina.

Para ele, as criptomoedas podem até vigorar no futuro, entretanto, elas não se provaram substitutas da moeda convencional por enquanto. “Basta ver a volatilidade (ARTE) que a bitcoin tem oferecido, por exemplo. É uma loucura, uma montanha-russa. As criptomoedas enfrentam dificuldade para cumprir papéis tradicionais das moedas físicas. Sem contar que as moedas virtuais têm um defeito no DNA: são anárquicas. Ou seja, não têm nenhum controle central”, destaca.

Mendes também se mostrou cauteloso quanto ao sistema que permitiu a criação das criptomoedas, a blockchain (cadeia de blocos, em tradução literal). A complexa tecnologia de dados do mecanismo é que garante que as transações sejam confiáveis, pois ele é fundamentado em um banco de informações que armazena o histórico de transações por uma grande comunidade de usuários espalhados ao redor do mundo, e não em local único. O sistema promete revolucionar a validação de contratos e criar identidades digitais.

“Com certeza, a blockchain é a tecnologia que veio para ficar. Mas temos que lembrar que, quando saímos dos processamentos de máquinas de grande porte para a nuvem, isso gerou problemas seriíssimos para as empresas. A IBM teve de se reinventar em um espaço de 10 anos. Portanto, a blockchain desafia o que temos hoje em termos de distribuição de tecnologia”, frisa.

Libra

A partir do ano que vem, mais uma moeda digital deve entrar em vigor: a libra. Idealizada pelo Facebook, que buscou parceria de 27 empresas — como a bandeira de cartões de crédito Visa, o aplicativo de transporte Uber e o sistema de pagamento digital Mercado Pago —, a libra será utilizada, em um primeiro momento, na própria rede social, que conta com 1,7 bilhão de usuários. O plano dos criadores da moeda digital é fazer com que a libra seja diferente das demais criptomoedas, ao garantir que o valor dela seja sempre parelho aos de ativos como o Tesouro americano ou ao dólar e ao euro.

“Também há a particularidade de que ela quer abrir mão de ser uma moeda anárquica. Os idealizadores querem que seja regulada, neste início. Para atrair 1,7 bilhão de pessoas, eles acreditam que é necessário haver regularização”, observa Mendes. “É um projeto ambicioso. Muitos dos usuários do Facebook estão fora do sistema financeiro, pois são pobres e teriam de pagar mais caro pelos serviços. Então, essas pessoas serão trazidas para dentro da libra. Essa moeda, com certeza, será uma grande ameaça aos métodos financeiros tradicionais”, completa.

Para Mendes, o BC precisa investir na ampliação do sistema financeiro, como a ação regulatória que normatiza novos métodos de pagamento. Nos próximos anos, ele aconselha o banco a elaborar um sistema de pagamentos instantâneos, em que qualquer pessoa possa fazer transferências por meio do celular, sem a necessidade de aplicativos e com cobranças de tarifas mais amenas. “É um projeto que o BC precisa colocar em marcha e que pode funcionar como disruptivo ao sistema de cartão de débito. As barreiras tecnológicas estão caindo rapidamente e está ficando mais barato fazer isso. Um órgão como o BC, ao assumir a gerência e a governança desse sistema, vai permitir que mais pessoas sejam integradas ao sistema formal de finanças”, pontua.