O globo, n.31435, 31/08/2019. País, p. 08

 

Bolsonaro promete indulto a policiais, mas esbarra em lei

Daniel Gullino

Júlia Cople 

31/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que planeja conceder uma espécie de indulto para policiais, incluindo “nomes surpreendentes”, sem explicar a quem estava se referindo. Segundo ele, a medida vai incluir tanto militares quanto civis que, segundo ele, foram condenados por “pressão da mídia”. —Olha, tem muito policial no Brasil, civil e militar, que foi condenado por pressão da mídia. E esse pessoal no fim do ano, se Deus me permitir e eu estando vivo, vai ser indultado. Nomes surpreendentes, inclusive. Pessoas que honraram a farda, defenderam a vida de terceiros, e foram condenados por pressão da mídia. Então, esse pessoal... A caneta Compactor, não é mais BIC, vai funcionar —declarou o presidente. A intenção de editar o indulto foi anunciada em uma transmissão ao vivo na noite de quinta-feira nas redes sociais. Bolsonaro pediu para receber indicações de pessoas que podem ser beneficiadas. O indulto não é dado, porém, a condenados específicos, mas a todos aqueles cuja situação jurídica se encaixe nos parâmetros determinados no decreto presidencial.

Quando se trata de perdão da pena a determinado preso, o instrumento jurídico se chama “graça”. Não há registro recente de que um presidente da República tenha concedido “graça” a um preso.

O ato presidencial do indulto está previsto na Constituição e significa o perdão da pena. É válido para todos os condenados por crimes sem grave ameaça ou violência que cumpram pena privativa de liberdade. Pode ser concedido todo ano pelo presidente da República, via decreto. Não podem ser beneficiados os condenados que cumprem pena por tortura, terrorismo, tráfico de drogas e os condenados por crime hediondo. Procurada para esclarecer se o presidente cogita conceder mesmo um indulto genérico ou graça para determinadas pessoas, a assessoria do Palácio do Planalto disse que o tema ainda está sendo estudado no governo e não há uma definição do formato que será utilizado.

PROMESSA CONTRARIADA

Em novembro do ano passado, após ser eleito, Bolsonaro havia declarado em uma rede social que não haveria mais indulto para criminosos a partir de seu governo. “Fui escolhido presidente do Brasil para atender aos anseios do povo brasileiro. Pegar pesado na questão da violência e criminalidade foi um dos nossos principais compromissos de campanha. Garanto a vocês, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último”, publicou na época, em referência ao governo de Michel Temer.

Alvo de polêmica em 2017, quando Temer editou o benefício mais permissivo das últimas três décadas, o indulto tem limitações. Via decreto, o presidente pode estabelecer o alcance do benefício — pena máxima, tempo já cumprido de pena, bom comportamento na cadeia. O indulto não é dado a condenados individualmente: o decreto estabelece situações genéricas, abstratas, e todos aqueles cuja situação jurídica se encaixe nos parâmetros determinados podem ser beneficiados pela medida presidencial. Quando presidente, Dilma Rousseff, por exemplo, concedeu liberdade aos presos condenados a até 12 anos de prisão que tivessem cumprido um terço da pena. Já Temer estendeu o benefício a quem tivesse cumprido um quinto da pena recebida por crimes não violentos. Críticos apontaram que tal indulto beneficiaria presos na Operação Lava-Jato, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso decidiu, em caráter liminar, diminuir seu alcance. Em plenário, o ministro votou para excluir corruptos da lista de beneficiários, mas acabou derrotado pela maioria da Corte. Prevaleceu o entendimento de que cabia ao presidente definir as regras do indulto.

DESDE O IMPÉRIO

No Brasil, o poder de indultar condenados, conferido ao presidente da República, é interpretado como uma expressão do princípio de pesos e contrapesos — ou seja, a possibilidade de o Executivo controlar atos do Judiciário de maneira a evitar eventuais abusos e punições consideradas severas demais para o ato praticado. A medida é prevista no país desde o Império. Atualmente, a Constituição permite ao presidente da República assinar um indulto no momento em que julgar pertinente. O benefício ficou conhecido como “indulto natalino” por costumeira e historicamente ter sido assinado pelo chefe do Executivo no fim do ano. É um recurso existente em diversos países, como Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, Peru e Nigéria. Os moldes do indulto variam. Como no Brasil, nos EUA, por exemplo, é concedido pelo presidente.

“Tem muito policial no Brasil, civil e militar, que foi condenado por pressão da mídia. E esse pessoal no fim do ano, se Deus me permitir e eu estando vivo, vai ser indultado” Jair Bolsonaro, em declaração à imprensa ontem

“Garanto a vocês, se houver indulto para criminosos neste ano (2018), certamente será o último”

Jair Bolsonaro, no Twitter, após ser eleito no ano passado