O globo, n.31370, 27/06/2019. País, p. 06

 

No sétimo decreto, Bolsonaro recua no porte de armas 

Francisco Leali

27/06/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Benefício é retirado das 20 categorias, como residentes rurais, advogados e caminhoneiros, mas governo ainda não desistiu

Um novo decreto das armas, editado pelo presidente Jair Bolsonaro, foi publicado no Diário Oficial da União no início da madrugada de ontem. É a sétima edição da medida desde o início do governo. O texto revoga decreto publicado na terça-feira, faz recuos importantes mas mantém alguns pontos polêmicos que vêm sofrendo resistência do Congresso desde que o governo decidiu mudar as regras sobre porte e posse de armas no país.

 

Numa tentativa de amenizar as críticas, o novo decreto excluiu a relação de cerca de 20 categorias profissionais que teriam direito a ter porte de arma, ou seja, andar armado nas ruas. Assim, caiu a permissão para que guardas de trânsito, caminhoneiros, advogados, políticos eleitos e até jornalistas que cobrem assuntos de segurança pudessem requerer um porte de arma. Todos os moradores de áreas rurais acima de 25 também tinham esse direito. Hoje não têm mais.

Continua existindo a brecha para compra de modelo de fuzil porque é reeditada no texto a definição técnica sobre o que é uma arma de uso permitido. Antes do governo Bolsonaro, fuzil era arma de uso restrito das forças policiais.

Bolsonaro enviou também ontem um projeto de lei ao Congresso que, se aprovado, dará ao Executivo a permissão de, por decreto, ampliar o porte de armas para outras categorias, além daquelas especificadas em

lei. Uma das principais questões sobre os decretos das armas foi justamente essa ampliação. O Congresso já faz críticas a esse projeto (leia reportagem abaixo).

O novo decreto deixou de tratar do número de armas que cada cidadão pode comprar. O texto revogado dizia que a pessoa poderia comprar até cinco armas. Também havia no decreto invalidado a autorização para compra de até 5 mil munições. Segundo o Instituto Sou da Paz, com essa mudança, voltam a vigorar limites impostos por regras do Exército. Em relação ao número de armas, cada cidadão pode ter até seis armas de uso permitido, sendo duas de porte, duas de caça e duas longas. Em relação a munições, o limite imposto pelo Exército em 2009 foi de 50 munições por ano. Esses limites não se aplicam aos CACs (colecionadores, atirados e caçadores).

Além de suspender o porte para as 20 categorias,a nova legislação alterou regras para outras. Os militares que migravam para a reserva perderam o direito automático de manter o porte. O novo decreto apenas diz que, para manter direito ao porte, o militar que vai para a reserva tem que se submeter a exames técnicos. Agentes do Ibama, para quem o governo havia vedado o porte de arma, por outro lado, voltaram a ter esse direito.

IMPORTAÇÃO CONTINUA

O novo texto manteve um tema que vinha sendo defendido por colecionadores de armas e associados de clubes de tiro: a liberação da importação de armas, mesmo quando há similar fabricado no Brasil. Até 2018, a importação de armamento era proibida se houvesse um similar nacional.

Segundo Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, ainda há pontos inconstitucionais no texto de Bolsonaro. A ausência da comprovação de uma efetiva necessidade para ter arma não existe mais no novo decreto, mas fazia parte do texto original, o Estatuto do Desarmamento, que foi aprovado pelo Congresso.

Além disso, Langeani lembra que há outro decreto em vigor, o 9.845, que traz regras diferentes para isso. Nesse texto, é pedido a comprovação de efetiva necessidade.

— Desde maio, a gente tem policiais, promotores e juízes perdidos com relação a esse tema, porque você não tem nenhuma segurança para denunciar ou não denunciar uma pessoa por porte de arma de uso restrito ou porte de arma de uso permitido porque isso está mudando há todo momento —afirmou Langeani.

Em um só dia, o governo editou quatro decretos. O primeiro foi revogado pelo quarto, ou seja, estão em vigor três decretos (detalhes no infográfico ao lado). Um que trata das regras gerais e suprimiu o direito automático e porte de armas para 20 categorias profissionais. Outro trata apenas da posse de arma, e o terceiro regula a compra de armas por caçadores, atiradores profissionais e frequentadores de clubes de tiros, os CACs. (Colaborou Victor Farias)

MAIS DO MESMO

DEPOIS DE uma série de idas e vindas, o presidente Jair Bolsonaro editou o sétimo decreto que flexibiliza a posse e o porte de armas.

HOUVE ALGUNS recuos, mas o novo texto mantém muitos dos equívocos presentes nos decretos anteriores. Continua havendo brecha, por exemplo, para compra de fuzil pelo cidadão comum, uma aberração.

ADEMAIS, A lei que está em vigor hoje é o Estatuto do Desarmamento. Se o presidente quer alterá-lo, que submeta as mudanças ao Congresso, como deve ser.

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Senadores veem ilegalidade no novo texto do governo

Natália Portinari

27/06/2019

 

 

Último decreto de Bolsonaro sobre armas é alvo de críticas e pode cair novamente; Casa aprova posse em residências rurais

No grupo de senadores destacado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para elaborar um novo projeto de lei sobre armas, a percepção é que o último decreto do presidente Jair Bolsonaro repetiu pontos que já haviam sido considerados inconstitucionais e que, por isso, o Senado irá se movimentar para derrubá-los.

Para o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que deve ser o relator dos textos sobre armas, o último decreto do governo é “absolutamente ilegal” por continuar flexibilizando o direito ao porte de arma. Agentes do Ibama voltam a ter esse direito, e o decreto mantém brecha para compra de fuzil. Vieira já foi designado relator do projeto apresentado

na terça pela bancada do PSL, com teor semelhante aos decretos do governo.

—Ele novamente invade a atribuição do Legislativo ao falar de hipóteses de porte, então me parece absolutamente ilegal. Tem a questão de (liberar) calibre de arma de novo, algumas presunções de necessidade que a gente vê como excessivas, mas é preciso estudar o projeto —disse Vieira.

A estratégia, diz, não é outro projeto para sustar o decreto de Bolsonaro, e sim um projeto de lei, para que novos decretos não possam mudar esses pontos. Para o senador Marcos Rogério (DEM-RO), que apoiou os decretos do presidente, o Senado deve derrubar de novo os pontos já rejeitados:

—O que o Senado rejeitou e que for objeto de novo decreto, deve rejeitar de novo. Eu apoiei os decretos, mas me parece que ele (Bolsonaro) cometeu o mesmo erro.

Senadores votaram ontem o projeto de Marcos Rogério que trata só da extensão da posse de armas para toda a propriedade rural (não apenas a residência), e garantir em lei o que o presidente já regulamentou também em decreto. A maioria aprovou o texto, que agora vai à Câmara. Outro projeto, que diminui a idade mínima para posse de arma em área rural de 25 para 21 anos, também foi aprovado.

A oposição também já se movimenta para derrubar o decreto. O senador Fabiano Contarato (REDE-ES) protocolou ontem um projeto de decreto legislativo para derrubar os novos textos das armas. Na Câmara, o líder da oposição, Alessandro Molon (PSBRJ), também protocolou projetos com o mesmo objetivo.

Bolsonaro vem tratando do tema com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Coube a Onyx, porém, dar satisfação aos presidentes da Câmara e do Senado sobre um decreto de porte de armas publicado na quarta feira e revogado logo depois. A estratégia do governo está totalmente desorganizada, avalia o senador Vieira:

— Aparentemente, está totalmente desarticulado. Tem projeto nas duas Casas e mais dois decretos. Nunca vi nada assim.

No Congresso, tanto na Câmara quanto no Senado, os temas de maior consenso são a extensão da posse em propriedade rural e a ampliação da posse de armas para caçadores, atiradores profissionais e frequentadores de clubes de tiros.