Título: Pagamento relâmpago
Autor: Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 27/10/2012, Política, p. 2

Mesmo sem ocupar o cargo durante todo o ano, 74 deputados receberam o 14º salário na Câmara, um extra que custa R$ 2 milhões aos cofres públicos. Dois ministros estão entre os parlamentares que tiveram direito à mordomiaADRIANA CAITANO

A Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) e a Lei nº 8112/1990, que rege o funcionalismo público, estabelecem que, nos casos de pedido de demissão, um trabalhador tem direito à remuneração mensal completa de cada mês mais o valor proporcional ao 13º salário referente ao tempo de serviço. Na Câmara dos Deputados, porém, a regra é outra. Os parlamentares que cumprem ao menos um mês de mandato recebem tudo isso e mais um salário completo como auxílio de custo. Levantamento feito pelo Correio aponta que 74 deputados receberam o chamado 14º salário em 2012, mesmo sem ocupar o cargo durante todo o ano. Um custo extra de R$ 2 milhões aos cofres públicos.

A ajuda de custo de fevereiro é paga a quem exerceu o mandato por 30 dias a contar da primeira vez que assumiu o cargo naquele ano. Assim, um deputado titular que se licenciou, após pelo menos um mês no exercício do mandato, recebe a parcela integral de R$ 26,7 mil, além do salário normal e do 13º proporcional. O suplente que assume o cargo, e nele permanece no mínimo 30 dias, ganha a mesma quantia. Caso o substituto saia por algum motivo e outro entre no lugar, a regra continua a valer. Na prática, o salário extra pode ser pago a diversos representantes da mesma vaga, se a cada mudança entrar um suplente novo.

Segundo informações da Diretoria-Geral da Câmara, o pagamento é automático e apenas os deputados que oficialmente abrem mão do benefício não o recebem após completar o período mínimo de um mês. Dos 74 deputados que receberam a regalia mesmo sem exercer o mandato integral, 40 são titulares e 34 são suplentes. Entre eles, 10 passaram pela Casa por somente dois meses completos (veja quadro) e 11 ficaram três meses. Nesses grupos estão parlamentares que se licenciaram para assumir uma vaga na Esplanada, como o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, e o das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, e em outros estados, é o caso do secretário de Desenvolvimento Social de São Paulo, Rodrigo Garcia.

Em nota, a assessoria de Pepe Vargas confirmou que ele recebeu como pagamento da Câmara dos Deputados “vencimentos e vantagens conforme preceituam as normas de remuneração daquela Casa aos parlamentares”. Ainda segundo a assessoria, o ministro “considera que todos os parlamentares em exercício recebam tão somente aquilo que estiver normatizado e for regular”. A reportagem procurou a assessoria de Rodrigo Garcia e Aguinaldo Ribeiro, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

Sessões Apesar de destoar da prática comum em empresas e repartições públicas país afora, a regra que libera o pagamento extra integral a quem fica apenas 30 dias no cargo já foi mais liberal. Até 2009, ano em que um ato da Mesa Diretora da Câmara estabeleceu a norma, qualquer deputado que ocupasse uma vaga por um único dia já tinha direito à regalia. “Não parece razoável que se pague integralmente ajuda de custo para deputados que venham exercer o mandato parlamentar apenas por poucos dias, mormente porque nesses casos não existe uma efetiva mobilização para o exercício do mandato”, justificou o presidente da Câmara da época, Michel Temer, atual vice-presidente da República.

A situação de 30 desses parlamentares que receberam o benefício apesar de terem uma passagem relâmpago pela Casa pode ser ainda mais favorável. Eles já completaram ao menos seis meses de mandato e, se permanecerem na vaga até o fim do ano e as justificativas de ausências forem aceitas, podem receber mais um salário extra, o 15º, pago em dezembro. De acordo com a regra interna da Câmara, a mordomia é depositada na conta de todos os deputados que, até então, tiverem exercido no mínimo dois terços do mandato. O cálculo leva em conta as presenças nas sessões ordinárias deliberativas do ano.

Para o diretor da ONG Transparência Brasil Claudio Abramo, o pagamento das remunerações extras para parlamentares nem sequer deveria existir, mas, enquanto é mantida, deveria ser paga de forma proporcional ao tempo trabalhado, como é o caso do 13º. “É um escândalo esse aproveitamento despudorado e absurdo de uma prerrogativa que nem precisava existir”, comenta. “Da forma como está, pode tornar-se uma grande indústria, pois a ida e vinda de ocupantes da vaga pode muito bem ser negociada para que todos ganhem e o titular ainda leve uma porcentagem do benefício pago ao suplente.”