O Estado de São Paulo, n. 46011, 08/10/2019. Política, p. A8

 

PF fez 'ação controlada' para apurar caso hacker

Patrik Camporez

Breno Pires

08/10/2019

 

 

Investigação começou uma hora após Moro ter o celular invadido, mostram documentos

Hacker. Sérgio Moro acionou a PF logo após perceber que seu celular havia sido invadido

A investigação sobre o grupo suspeito de hackear autoridades do País – e que levou à prisão de seis pessoas até agora na Operação Spoofing – começou uma hora após a invasão do aparelho celular do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Segundo documentos a que o Estado teve acesso, às 18h45 do dia 4 de junho foi realizada uma reunião de emergência na sede do Ministério da Justiça, em Brasília, para tratar do caso. Moro percebeu que sua conta no aplicativo de troca de mensagens Telegram havia sido invadida por volta das 17h40 daquele dia.

Relatórios e perícias mostram a movimentação da Polícia Federal e do setor de inteligência do Ministério da Justiça no caso. De acordo com esses documentos, a investigação foi oficialmente aberta no próprio gabinete do ministro, onde ele estava quando detectou o ataque hacker. Moro havia acabado de chegar de uma reunião com outros ministros no Palácio do Planalto.

Ainda segundo os documentos, às 19h07 do dia 4 de junho, as equipes de inteligência da PF e da área de Tecnologia da Informação do Ministério da Justiça tomaram uma primeira providência: manter contato com o hacker por meio do Telegram.

Foi, conforme relatórios, uma espécie de “ação controlada”, realizada do gabinete do ministro. A decisão foi tomada porque, durante a reunião de emergência no Ministério da Justiça, o diretor de Tecnologia da Informação da pasta, Rodrigo Lange, e a chefe de gabinete do ministério, Flávia Blanco, notaram que o número do celular de Moro aparecia com o status “online” no Telegram. Eles deduziram, portanto, que o hacker já estava utilizando o aplicativo de mensagens se passando por Moro.

Com o hacker “ativo”, a estratégia dos investigadores foi tentar identificar seu IP (a “identidade” do computador usado por ele) e, assim, localizá-lo. Lange enviou ao número de Moro, via Telegram, um link que direcionava para o site do Ministério da Justiça. A intenção era fazer o hacker acessar o link, o que poderia ajudar a identificar o IP. A tentativa não teve sucesso.

Identificação. Depois de alguns minutos, Flávia Blanco tentou contato com o hacker e encaminhou, novamente, um link direcionado para o site do ministério. Desta vez, no servidor da pasta, foi identificado um endereço de IP considerado atípico, da Rússia.

Num segundo momento, ainda durante a reunião, a equipe do ministério providenciou um novo celular para Moro reinstalar o aplicativo Telegram. No entanto, o invasor já tinha feito o “duplo fator de identificação”, um dispositivo de segurança que impossibilita qualquer alteração desse tipo.

A equipe do ministro desligou o aparelho celular e retirou o chip. Moro relatou ao perito criminal Fabrício Dantas Brito que recebeu três ligações “atípicas de um número da TIM”, mas que apenas a primeira chamada foi atendida. Disse ainda que não fazia uso do Telegram há mais de dois anos. Com as informações, a PF produziu o primeiro relatório de inteligência sobre o caso dos hackers.

A Operação Spoofing já realizou duas fases. Na primeira, em julho, foram detidas quatro pessoas, entre elas Walter Delgatti Neto. Ele admitiu ser o responsável pelas invasões e por capturar mensagens de autoridades.

Perícia

5.812

é o número de ligações suspeitas para 1.162 números distintos, de acordo com laudo de perícia da Operação Spoofing, que investiga a ação de grupo hacker.

CRONOLOGIA

Histórico da apuração

4 de junho

17h40

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, recebe uma ligação do seu próprio número de telefone. O telefonema era o método utilizado pelos hackers para a invasão.

18h45

Moro convoca reunião de emergência com integrantes da inteligência da Polícia Federal e de Tecnologia da Informação do Ministério da Justiça.

19h07

Em uma “ação controlada”, técnicos enviam links para tentar identificar o IP do computador usado pelo hacker.

23 de julho

Spoofing 1

Preso, Walter Delgatti Neto admite ter capturado mensagens e repassado ao jornalista Glenn Greenwald.

19 de setembro

Spoofing 2

PF prende mais dois suspeitos de participar da invasão dos celulares de autoridades.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Odebrecht mantém versão sobre propina a Lula por Angola

Ricardo Brandt

Fausto Macedo

Pedro Prata

08/10/2019

 

 

Em depoimento à Justiça, empresário ratifica pagamento como ‘contrapartida’ a financiamento do BNDES

Ouvido ontem na condição de delator pelo juiz federal Vallisney Oliveira, da 10.ª Vara Federal de Brasília, o empresário Marcelo Odebrecht ratificou versão anterior sobre o pagamento de propina em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como resultado da liberação de financiamento do BNDES para projetos da empresa em Angola, na África. Lula é réu em dois processos penais abertos na Justiça de Brasília.

O principal, que trata do suposto acerto de US$ 40 milhões de propinas ao PT pela liberação da linha de crédito do BNDES em 2010, tem também como alvo o ex-ministro Paulo Bernardo. O outro processo apura corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência envolvendo o ex-presidente e Taiguara Rodrigues dos Santos, conhecido como “sobrinho de Lula”. A investigação deriva da Operação Janus, deflagrada em 2016 como desdobramento da Lava Jato.

“Naquela época, eu tinha uma conta corrente que eu e (Antonio) Palocci (ex-ministro) administrávamos, e que pertencia ao PT, Lula e que, na verdade, era fruto de um combinado de Lula com meu pai (Emílio Odebrecht). Quando havia pedidos de valores para ajudar o PT, saia dessa conta corrente”, disse Marcelo.

Ainda em seu depoimento, o empresário voltou a mencionar a existência de uma “Planilha Italiano”, na qual eram indicadas duas “contrapartidas” (que seriam os negócios onde houve cobrança condicional de propinas). Um deles envolveu justamente a operação da empreiteira em Angola. “Foram, de fato, contrapartidas solicitadas, e que geraram créditos.”

Em quase uma hora e meia de depoimento, Marcelo também acusou o pai e o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar de “contradições” ao falarem à Justiça sobre a participação do ex-presidente e o acerto de valores. “Como a relação de Lula pertencia ao meu pai, eu tinha de referendar esses valores com ele, buscar a autorização dele. Só que agora ele está dizendo em depoimento que nunca conversou com Lula sobre valores.”

Como delator, ele afirmou que não teve participação direta nos supostos acertos com o ex-presidente, mas que tanto o pai como Palocci e outros executivos teriam relatado pedidos feitos por Lula. Afirmou ainda que manteve o teor de sua colaboração premiada – homologada em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Após depoimento prestado na sexta-feira passada, no processo principal, defesas dos réus chegaram a apontar o que seria um “recuo” do empresário.

Marcelo foi presidente do grupo de 2009 até 2015, quando foi preso pela Lava Jato. Cumpriu dois anos de prisão e hoje está agora em regime domiciliar, monitorado por tornozeleira eletrônica. No depoimento, frisou que a “relação de Lula pertencia” ao pai, Emílio, mas que referendava valores com ele.

“Respondo pela minha colaboração e pelo o que falei. Se pessoas acertaram propinas e disseram que não acertaram, elas que têm de responder. Posso responder pela minha colaboração.”

Sobre Taiguara, o delator voltou a contar que o então diretor da Odebrecht em Angola Ernesto Bayard o comunicou que havia a solicitação de “apoio”. “O que eu soube foi que, por volta de 2011, que houve pedido de Lula, não sei se a meu pai ou a Alexandrino, para que pudéssemos subcontratar o sobrinho dele em Angola.”

Defesa. Ainda na sexta-feira, o advogado de defesa de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse que os depoimentos de Marcelo e de Emílio, somados, deixariam claro que “o ex-presidente não praticou nenhum ato ilícito que foi imputado a ele nessa ação.” Procurado novamente ontem pelo Estado, o advogado não havia respondido até a conclusão desta edição.