O Estado de São Paulo, n. 46008, 05/10/2019. Política, p. A4

 

Ministro é denunciado em caso dos 'laranjas' do PSL

Paulo Roberto Netto

Pedro Prata

Julia Lindner

Mateus Vargas

Leonardo Augusto

05/10/2019

 

 

Para Procuradoria, Marcelo Álvaro Antônio foi o principal beneficiado do desvio de R$ 192 mil do fundo eleitoral; Bolsonaro ‘aguardará o desenrolar do processo’, diz porta-voz

A Procuradoria Eleitoral de Minas Gerais apresentou denúncia – acusação formal – ontem contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, pelo uso de candidaturas de fachada (laranja) para desvio de recursos públicos do fundo eleitoral nas eleições de 2018. Naquele ano, ele era presidente do PSL mineiro e se candidatou a deputado federal. O porta-voz da Presidência da República, Otávio do Rêgo Barros, afirmou que o presidente Jair Bolsonaro vai manter o ministro no cargo e “aguardará o desenrolar do processo”.

A denúncia alcança, ainda, outras dez pessoas, entre elas três assessores do ministro que, segundo os investigadores, atuavam como intermediários do esquema, fazendo a ligação entre o partido e as gráficas e o direcionamento dos pagamentos. O deputado estadual Professor Irineu (PSL), eleito no ano passado, também foi acusado como beneficiário do esquema.

De acord com as investigações, Álvaro Antônio articulou um esquema de lançamento de candidaturas femininas sem a intenção de eleger as concorrentes, apenas para acessar recursos do fundo eleitoral. Por lei, cada partido deve garantir o mínimo de 30% de candidatas. Entre os denunciados estão quatro mulheres apontadas como laranjas – juntas, elas receberam cerca de 2.100 votos.

Para o promotor de Justiça Fernando Abreu, autor da denúncia, Álvaro Antônio não só teria conhecimento da estrutura criminosa como sua candidatura foi uma das principais beneficiadas pelo esquema, que teria desviado R$ 192,9 mil.

“Uma vez que a composição da diretoria do partido era praticamente toda ligada a seu gabinete, se chegou à conclusão de que todas as informações da campanha passavam diretamente dos seus assessores para que pudesse ser desenvolvida toda a estrutura dos crimes que foram praticados”, afirmou o promotor. “Havia anuência do presidente do PSL.”

A denúncia foi apresentada pela Promotoria de Justiça Eleitoral porque os fatos apurados se referem à campanha, no período anterior à posse de Álvaro Antônio no ministério.

Uma das denunciantes do esquema, Cleuzenir Barbosa, candidata derrotada a deputado federal pelo PSL de Minas, disse ontem esperar que a acusação seja aceita e o ministro vire réu. “Acho que a justiça está sendo feita, e espero que, em breve, esse senhor vire réu e pague pela bandidagem que cometeu”, afirmou ela, que não é alvo da denúncia. As investigações apontaram que Cleuzenir não repassou os recursos que recebeu pela candidatura.

Indiciamento. Ontem, mais cedo, Álvaro Antônio havia sido indiciado pela Polícia Federal no inquérito da Operação Sufrágio Ostentação por falsidade ideológica, associação criminosa e apropriação indébita.

No início da tarde, após o indiciamento, mas antes da denúncia apresentada pelo Ministério Público, o porta-voz da Presidência informou que o ministro seria mantido por Bolsonaro. À noite, ao ser questionado no Palácio da Alvorada sobre a acusação contra Álvaro Antônio, o presidente disse apenas “sem comentários”. Em seguida, afirmou: “Não tem coisas boas para perguntar? ‘Ralo’ o dia todo e não tem uma coisa boa para perguntar?” Depois, Bolsonaro se desculpou. “Pessoal, me desculpa, aí. Eu estou com a cabeça quente.”

A denúncia contra o ministro repercutiu no PSL, partido de Bolsonaro. A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), que se reuniu com o presidente pela manhã, defendeu a permanência de Álvaro Antônio no cargo – o único do PSL no primeiro escalão do governo. “Ele tem condições, sim, de tocar (o ministério), é um excelente gestor. E vai ter direito ao contraditório, ampla defesa”, disse ela.

Já o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), defendeu a saída do ministro da pasta. “No lugar do Marcelo Álvaro, eu pediria para sair do ministério, para me defender com argumentos na Justiça. E retornaria à Câmara dos Deputados, onde ele tem mandato, para se defender e usar o microfone para defender o seu governo”, disse.

Defesas. Em nota, o Ministério do Turismo afirmou que o ministro “reforça sua convicção de que a verdade prevalecerá e sua inocência será comprovada”. Disse ainda que Álvaro Antônio não cometeu qualquer irregularidade (mais informações nesta página).

Professor Irineu declarou que recebeu com “surpresa” seu indiciamento e denúncia, já que sua prestação de contas de campanha foi aprovada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas.

CRONOLOGIA

Fevereiro

‘Laranjas’

O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSLMG), segundo o jornal Folha de S.Paulo, teria participado de esquema de candidaturas laranjas em Minas para desviar recursos eleitorais. PF instaura inquérito.

Março

‘Candidatura laranja’

Filiada ao PSL, Zuleide Oliveira acusa Álvaro Antônio de chamá-la para ser candidata laranja nas eleições 2018. Segundo ela, o ministro organizou sua candidatura para que ela, depois, devolvesse verba arrecadada ao partido. Questionado sobre a situação de seu ministro, o presidente Jair Bolsonaro afirma: “Deixa as investigações continuarem”. Álvaro Antônio nega irregularidades e diz não ver motivos para deixar o cargo.

Maio

Ameaça de morte

A deputada federal Alê Silva, do PSL mineiro, diz ter sido ameaçada de morte pelo ministro. “Confirmei a forma como eu cheguei até o esquema e da minha convicção de que ele tenha sido orquestrado pelo ministro”, afirma ela.

Junho

Assessor preso

Operação Sufrágio Ostentação prende Mateus Von Rondon, assessor do ministro, e mais duas pessoas ligadas à campanha de Álvaro Antônio.

Outubro

Acusação formal

Álvaro Antônio é denunciado pela Procuradoria Eleitoral de Minas pelo uso de candidaturas de fachada nas eleições do ano passado.

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Desgaste pode vir por força de 'lavjatistas' e 'moristas'

Rodrigo Augusto Prando

05/10/2019

 

 

Adenúncia do Ministério Público contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, representa um novo imbróglio para o governo Bolsonaro. O caso já é conhecido desde fevereiro, quando veio à tona a notícia de um esquema de candidaturas laranjas no PSL mineiro e, à época, Antônio era o presidente do diretório. Até o momento, o ministro continua no cargo e é defendido pelos membros de seu partido, ou seja, uma excelente capacidade de se equilibrar politicamente.

Há os que, certamente, podem questionar: qual o motivo para Bolsonaro, mesmo tendo construído um discurso de combate à corrupção, manter Antônio em seu núcleo ministerial? A hipótese é de que as relações pessoais entre o presidente e seu ministro suplantam os aspectos racionais da gestão.

Quando Bolsonaro foi covardemente atacado e esfaqueado, Antônio estava ao seu lado, ajudou a carregá-lo até o carro da PF e com ele ficou no hospital até a chegada dos familiares. Provavelmente, estes gestos tenham sido capazes de estreitar os laços para além da dimensão política.

Contudo, quer queira ou não, o desgaste acontecerá, seja por ação da oposição ou por força dos “lavajatistas” e “moristas”, que são mais críticos a estes episódios de suposta corrupção do que os bolsonaristas. Por enquanto, não há esse constrangimento no bojo do governo. Veremos se isso perdurará ou se Antônio será lançado aos leões como foram Bebianno e Santos Cruz, por exemplo.