O Estado de São Paulo, n. 46062, 28/11/2019. Política, p. A4

 

Tribunal aumenta pena de Lula para 17 anos

Ricardo Brandt

Breno Pires

Rafael Moraes Moura

28/11/2019

 

 

Judiciário. Desembargadores têm entendimento diferente do Supremo, que já havia anulado sentença da Lava Jato em que réu delatado deu alegação final junto com delator  

Sessão. Advogado Cristiano Zanin classificou decisão do TRF-4 como uma ‘afronta’ ao Supremo; ministros reclamaram

Após o Supremo Tribunal Federal (STF) anular duas condenações da Lava Jato porque réus delatados e delatores tiveram o mesmo tempo para apresentar suas alegações finais no decorrer do processo, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) decidiu ontem de forma diferente e condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 17 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia. A defesa do petista classificou a postura dos desembargadores como uma “afronta” ao Supremo e declarou que pretende recorrer. Alguns ministros do STF avaliaram que o TRF-4 desrespeitou decisão superior.

Lula já tinha uma condenação em segunda instância na Lava Jato. Em janeiro de 2018, o TRF-4 sentenciou o ex-presidente a 12 anos de prisão no processo do triplex do Guarujá (SP), o que o levou à prisão em 7 de abril do ano passado. A pena foi, depois, reduzida para 9 anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Como o Supremo decidiu, no início do mês, que o cumprimento de uma sentença só deve começar quando todos os recursos forem esgotados, Lula não vai à prisão imediatamente. Por já ter uma condenação em segundo grau, ele é considerado ficha suja e não pode concorrer a eleições.

A questão sobre o momento em que delatores e delatados devem apresentar suas alegações finais foi debatida pelos desembargadores logo no início da sessão. O relator da apelação criminal, João Pedro Gebran Neto, negou o pedido feito pela defesa do ex-presidente, para que a ação voltasse para à primeira instância. Se o TRF-4 concordasse com a tese, as provas e os depoimentos continuariam tendo validade, mas Lula e os outros 11 réus deste processo teriam um novo prazo para apresentar suas alegações finais e o juiz da primeira instância prepararia uma nova sentença.

Foi o que ocorreu com casos que envolviam o ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobrás Aldemir Bendine e o ex-gerente da Petrobrás Márcio de Almeida Ferreira. No início de outubro, por 7 votos a 4, o Supremo decidiu que, para garantir o amplo direito de defesa, o réu delatado deveria saber o que disse o delator. O entendimento não tinha aplicação obrigatória, já que os ministros não definiram quais condições magistrados devem seguir ao se depararem com casos desse tipo. O tema deve voltar à pauta em 2020.

Relator. Ao apresentar um voto com entendimento diferente daquele adotado pelo Supremo, Gebran afirmou que a ordem da apresentação das alegações finais não causou nenhum prejuízo para o petista. “As alegações finais constituem peças defensivas e devem ser apresentadas em iguais condições pelos réus.” Para Gebran, decisão do Supremo não é uma norma processual retroativa. Segundo a votar, Leandro Paulsen, concordou que faltavam provas de que a ordem das alegações finais prejudicou o petista. Segundo ele, o simples pedido da defesa para falar depois do delator não é suficiente para anular uma condenação.

Na sequência, os desembargadores passaram a analisar o mérito da condenação contra Lula e resolveram, por unanimidade, aumentar a pena em cinco anos. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o sítio de Atibaia, registrado em nome de Fernando Bittar, amigo da família de Lula, passou por três reformas que somam R$ 1,2 milhão, pagas pelo pecuarista José Carlos Bumlai e as empreiteiras Odebrecht, e OAS. Ainda de acordo com a acusação, as construtoras foram beneficiadas pelo governo Lula com negócios na Petrobrás. O ex-presidente nega todas as acusações.

“Pouco importa se a propriedade formal ou material do sítio é d e Lula. Fato é que Lula usava o imóvel com ‘animus rem sibi habendi’ (que significa uma intenção de ter a coisa como sua)”, afirmou Gebran Neto. “A responsabilidade do ex-presidente Lula é bastante elevada. Ocupava o grau de máximo dirigente da nação brasileira”.

STF. A decisão foi recebida com ressalvas por ministros do Supremo Tribunal Federal. Dois ministros consultados em caráter reservado pelo Estado afirmaram que houve descumprimento à decisão do Corte que definiu ser preciso dar prazos distintos para réus delatados e réus delatores apresentarem suas defesas. Para outros ministros, porém, como o STF ainda não fixou em qual tipo de caso essa regra vale, não é possível afirmar que o TRF-4 ignorou uma decisão do Supremo.

“Cada juiz e cada tribunal decide como bem entendem. Depois existe a cadeia recursal que pode eventualmente rever”, disse o ministro Ricardo Lewandowski. Um ministro da ala considerada mais “punitivista” do Supremo lembrou que, no julgamento do Supremo interrompido no início de outubro, uma tese proposta pelo ministro Dias Toffoli, ainda não votada, admitiria a posição do TRF-4.

O advogado Cristiano Zanin Martins considerou a decisão do TRF-4 uma afronta ao Supremo. “É mais um exemplo de um processo injusto ao qual o expresidente Lula está submetido desde 2016. É uma decisão que claramente afronta posições da Suprema Corte”, afirmou. Ele disse que irá aguardar a publicação do acórdão para recorrer. 

Julgamento

“A responsabilidade do ex-presidente Lula é bastante elevada. Ocupava o grau de máximo dirigente da nação brasileira. Havia a expectativa que coibisse ilicitudes”

João Pedro Gebran Neto

DESEMBARGADOR DO TRF-4

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Condenação no TRF-4 reforça inelegibilidade de petista

Gustavo Badaró

28/11/2019

 

 

Os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) não parecem ter desconsiderado a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre sentenças em que delatores e delatados fazem suas alegações finais simultaneamente. Eles seguiram a linha do que o Supremo decidiu no sentido de que, para se reconhecer a nulidade, são necessários dois requisitos.

Em primeiro lugar, seria necessário que o delatado tivesse protestado no momento em que as alegações finais foram apresentadas. Isso não aconteceu no caso de Lula.

Além disso, toda nulidade de sentença necessita da comprovação de um prejuízo ao réu, e caberia à defesa de Lula comprová-lo. Se o delator tivesse utilizado um argumento novo em suas alegações, e dessa forma surpreendido a defesa, haveria um prejuízo claro. Os três desembargadores consideraram que esse aspecto não foi demonstrado.

Essa situação seria dramática caso o STF não tivesse alterado seu entendimento sobre cumprimento de pena a partir de condenação em segunda instância. Isso faria com que o prognóstico para uma progressão de regime se alongasse muito no tempo.

Por outro lado, Lula agora é considerado inelegível por força de duas condenações em órgãos colegiados. Para afastar a inelegibilidade, ele passa a ter de derrubar uma condenação pela segunda vez, e por um segundo motivo.