O Estado de São Paulo, n. 46063, 29/11/2019. Política, p. A4

 

STF diz que dado sigiloso poderá ser compartilhado

Rafael Moraes Moura

29/11/2019

 

 

Caso Queiroz pode ser retomado após autorização a compartilhamento de informações da Receita com PF e MP  

O plenário do STF decidiu ontem, por 9 votos a 2, autorizar o compartilhamento de informações sigilosas da Receita Federal com o Ministério Público e a Polícia Federal sem prévia autorização judicial. Em julho, o presidente do tribunal, Dias Toffoli, havia suspendido processos em andamento sobre compartilhamento de dados fiscais sem aval da Justiça, o que paralisou 935 casos somente no MPF e beneficiou o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ). Ontem, ao perceber que seria derrotado, Toffoli mudou seu voto. Na prática, a decisão de ontem do STF levou à revogação da liminar de Toffoli e abriu caminho para a retomada das investigações de um esquema de "rachadinha" envolvendo Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. O caso foi revelado pelo Estado. Para serem destravadas, as investigações dependem de decisão do ministro Gilmar Mendes, que em setembro deu liminar a Flávio, sob o argumento de que a determinação de Toffoli não estava sendo cumprida.

Por 9 a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o compartilhamento de informações sigilosas da Receita Federal com o Ministério Público e a Polícia Federal, sem necessidade de prévia autorização judicial. Diante de um placar que iria lhe impor uma derrota, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, alterou o voto nos minutos finais da sessão e aderiu à corrente vencedora, que permite o repasse de dados sensíveis e detalhados, como extratos bancários e declarações de imposto de renda. Também ontem foi derrubada a liminar de Toffoli para suspender 935 ações que continham dados fiscais sem aval da Justiça,

A discussão será concluída na próxima quarta-feira, quando o plenário vai fixar a chamada tese, uma espécie de resumo com o entendimento da Corte sobre o tema. Um dos pontos que precisa ser esclarecido é se a decisão também abrange dados da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o antigo Coaf, ou apenas a Receita.

Na prática, a decisão do Supremo abriu caminho para a retomada das investigações que envolvem o senador Flávio Bolsonaro

(sem partido-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. O processo que apura o esquema de "rachadinha" quando Flávio era deputado estadual no Rio havia sido paralisada por uma liminar de Toffoli, que ontem também foi derrubada. As investigações contra o filho do presidente, no entanto, ainda dependem de uma decisão do ministro Gilmar Mendes para que sejam destravadas. Em setembro, Gilmar deu uma liminar, obrigando autoridades do Rio a cumprir a determinação de Toffoli. Como essa decisão está ligada à de Toffoli, a liminar também deve cair.

O presidente do Supremo explicou ao Estado por que mudou de posição. "Em razão dos debates, eu retifiquei o voto, sem prejuízo das minha posição pessoal, para acompanhar a posição do ministro Alexandre de Moraes e da maioria", disse ele. Durante o julgamento, a ministra Cármen Lúcia criticou a primeira decisão de Toffoli, que beneficiou Flávio, com a interrupção do seu processo. "O interessado não compõe este processo, não comparece em qualquer condição, não era parte", observou Cármen.

Tese. A expectativa de integrantes da Corte é a de que, na formulação da tese, a UIF acabe incluída na decisão, mesmo com parte dos ministros contra. O relator da Operação Lava Jato, ministro Edson Fachin, mudou de posição nos últimos dias e passou a admitir a inclusão da UIF no julgamento. "Fiz uma ponderação de alguns argumentos, dentre eles pela segurança jurídica do tribunal, e acabei avançando (no tema)", justificou Fachin.

Posto. O Supremo começou a analisar esse processo a partir da reclamação de donos de um posto de gasolina em Americana, no interior de São Paulo. A defesa deles acusou a Receita de extrapolar suas funções ao passar dados sigilosos sem aval da Justiça em uma ação de desoneração fiscal. O caso ganhou repercussão geral, ou seja, o entendimento firmado pelo Supremo deve ser aplicado para outros processos semelhantes nos diversos tribunais do País. Por decisão de Toffoli, o escopo do julgamento foi ampliado, incluindo também a UIF, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que lhe rendeu críticas.

O ministro Marco Aurélio Mello disse que o processo acabou ganhando endereço certo: o senador Flávio Bolsonaro. Ele também criticou o fato de a decisão inicial de Toffoli ter suspendido "um sem número de procedimentos criminais no País", prejudicando uma área sensível, que é a da persecução penal.

Marco Aurélio e Celso de Mello se posicionaram contra o compartilhamento de informações sigilosas da Receita sem prévia autorização judicial. Toffoli, por sua vez, havia votado inicialmente no sentido de impor limites ao repasse de dados, não permitindo o envio de informações sensíveis e detalhadas, como extratos bancários e declaração de Imposto de Renda. Diante do cenário de derrota, recuou e aderiu à corrente aberta por Moraes.

"É dever do agente público, ao se deparar com fatos criminosos, comunicar o Ministério Público como determina a lei. Mas não constitui violação ao dever do sigilo a comunicação de quaisquer práticas de ilícitos", argumentou a ministra Cármen Lúcia.

NA WEB Plenário. Como foi o julgamento no Supremo

3 PERGUNTAS PARA...

1.Com o fim desse julgamento, as investigações já podem voltar a ocorrer normalmente imediatamente? A liminar deve ser revogada. Contudo, não acho recomendável a retomada plena das investigações antes da fixação precisa da tese pelo Supremo em toda a sua extensão.

2.Como a senhora entende que deve ser a tese do julgamento? Espero que a tese seja a mais minuciosa possível, afirmando o modo como esse compartilhamento deverá ocorrer: requisitos, procedimento, controle de acesso. Imprecisão pode convidar a abuso de poder estatal.

3. Como fica o caso do senador Flávio Bolsonaro após esse julgamento? Agora temos as balizas claras do que pode ser feito pelo Estado. É preciso revisitar o caso, ver o que aconteceu, quais informações foram transferidas e como foram. Verificar se houve algo que excedeu a posição firmada no STF e examinar se isso afetou a higidez do procedimento contra o senador. Só com os precisos detalhes do caso poderemos dizer se não houve violação a direitos, ou se, de fato, houve excessos, para então avaliar as consequências e se seria o caso de nulidade.