O Estado de São Paulo, n. 46036, 02/11/2019. Política, p. A8

 

Promotora alega 'ofensiva' e deixa caso Marielle

Caio Sartori

02/11/2019

 

 

Carmen de Carvalho diz que foi alvo de ataques ‘flagrantemente ideológicos’ após repercussão de mensagens em apoio a Bolsonaro

Alegando que está sendo alvo de ataques ideológicos, a promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, do Ministério Público (MP) do Rio, pediu no fim da tarde de ontem para deixar as investigações do caso Marielle Franco. Desde anteontem circulam na internet fotos antigas de Carmen vestindo uma camiseta com foto de Jair Bolsonaro, então candidato à Presidência, e da promotora posando ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL), que quebrou uma placa com o nome da vereadora em 2018.

“Em razão das lamentáveis tentativas de macular minha atuação séria e imparcial, em verdadeira ofensiva de inspiração subalterna e flagrantemente ideológica, cujos reflexos negativos alcançam o meu ambiente familiar e de trabalho, optei, voluntariamente, por não mais atuar no caso Marielle e Anderson”, escreveu a promotora , em carta pública distribuída à imprensa.

No texto, Carmen defendeu que em nenhum momento da sua carreira de 25 anos seu posicionamento político e pessoal influenciou na forma como atuou no MP e defendeu o direito à liberdade de expressão. A promotora escreveu também que sempre pautou sua atividade profissional “pela correta aplicação da lei”, “independentemente da opção política, religiosa e sexual do réu, da vítima ou de qualquer outra pessoa envolvida na relação processual”.

Apesar de divulgar nota de apoio e com elogios a Carmen, a Procuradoria-Geral de Justiça informou ontem que “diante da repercussão relativa às postagens da promotora em suas redes sociais”, instaurou procedimento para “análise da conduta” da profissional. O MP informou ainda que os pais da vereadora assassinada se reuniram com o Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) ontem e defenderam a permanência de Carmen no caso.

A promotora integra a investigação há menos tempo que suas colegas. Segundo o Gaeco, o trabalho que levou à prisão dos supostos assassinos de Marielle e do motorista Anderson Gomes foi conduzido pelas promotoras Simone Sibilio e Letícia Emile Petriz.

Porteiro. Carmen estava na entrevista em que as promotoras do Gaeco afirmaram que um porteiro do condomínio Vivendas da Barra mentiu ao dizer que Bolsonaro autorizou a entrada no local de Elcio Queiroz, preso por envolvimento no homicídio. Elas garantiram que, no dia do crime, quem autorizou a entrada de Elcio no condomínio Vivendas da Barra, onde o presidente tem casa, foi Ronnie Lessa, acusado de disparar os tiros contra a vereadora. Elas basearam a afirmação em uma perícia feita nas ligações, via interfone, entre a portaria e a casa de Lessa. Então deputado federal, Bolsonaro estava em Brasília na ocasião.

Como mostrou o Estado ontem, passaram-se duas horas e 25 minutos entre o ofício enviado pelo MP e a apresentação da conclusão das promotoras. O pedido de análise do material foi feito no dia seguinte à revelação do depoimento do porteiro pelo Jornal Nacional, da TV Globo. Além disso, apenas as ligações da casa de Lessa foram periciadas. As ligações de interfone para a casa de Bolsonaro não foram analisadas, porque só o Supremo Tribunal Federal (STF) poderia investigar criminalmente Bolsonaro durante o mandato. O procurador-geral da República Augusto Aras disse que arquivou a suspeita contra Bolsonaro na quarta-feira.

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Moro nega pressão política sobre investigação

Pedro Prata

02/11/2019

 

 

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, negou ontem que existam pressões políticas para interferir nas investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco. Durante inauguração de uma delegacia em Curitiba, ele afirmou que uma “conclusão provisória” aponta para tentativa de obstrução de Justiça, em referência ao depoimento do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra que, segundo o Ministério Público, mentiu ao dizer que um dos suspeitos pediu para ir à casa do presidente Jair Bolsonaro. Moro também disse que “talvez seja o caso” de federalizar a apuração. O julgamento no STJ deve ocorrer até o fim do ano.

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Para peritos criminais, análise feita em áudios é frágil

Roberta Jansen

02/11/2019

 

 

Especialistas ouvidos pelo ‘Estado’ dizem que tempo para avaliação foi pequeno e que era preciso investigar equipamentos

Peritos criminais e especialistas em ciências forenses ouvidos pelo Estado disseram que a análise dos áudios apresentada pelo Ministério Público (MP) do Rio na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista dela, Anderson Gomes, não tem valor legal. O trabalho, afirmaram, foi feito por técnicos, não por peritos oficiais. Segundo eles, por isso, a avaliação não pode ser usada como prova em uma investigação ou em um processo judicial.

“Os técnicos do MP não são peritos oficiais, são técnicos, eles fazem uma assistência técnica aos promotores. Por isso, eles não respondem, por exemplo, por crime de falsa perícia, como nós”, explicou o presidente da Associação de Peritos Criminais

Federais (ABPF), Marcos Camargo. “Além disso, o assistente técnico é ligado a uma das partes do processo, no caso, o MP. Ele ajuda a fazer análises, coletar indícios. Mas esse trabalho não pode ser usado como prova. É uma análise muito frágil e parcial. Não dá para avançar o sinal e dizer: ‘O porteiro mentiu’.”

Para o presidente da Associação Brasileira de Criminalística, Leandro Cerqueira Lima, a análise só seria válida “se houvesse a certeza de que todas as gravações de todas as ligações feitas para todas as residências naquele período estivessem íntegras, tanto com a análise de comparação de locução, quanto com relação ao equipamento que gravou, incluindo a verificação da integridade das gravações”.

Segundo o inquérito, as avaliações se restringiram às comunicações feitas entre a portaria e a casa de Ronnie Lessa, entre janeiro e março de 2018. A análise das 264 ligações feita entre a portaria e a casa 65/66 foi concluída em pouco mais de duas horas e usada para desmentir o depoimento do porteiro. O MP informou que as análises atestaram a integridade dos áudios e da voz de Lessa, acusado de matar Marielle e Anderson.

Para os especialistas, houve pouco tempo para uma análise forense desse tipo. “Seria impossível realizar perícia acerca do conteúdo, comparação do locutor e integridade da gravação em um período tão exíguo de tempo”, disse Lima.

O perito criminal André Morrisson, da direção da ABPF, explicou que “exame pericial em áudio não é rápido”. “É preciso analisar todo o conteúdo, ver o que foi conversado, saber se estão íntegros, se há vestígios de adulteração”. Os especialistas questionaram também o fato de os equipamentos não terem sido periciados.

Em nota, o MP informou que o importante para a investigação naquele momento era “saber se a voz da gravação era de Ronnie Lessa, um dos réus da ação.”

‘Sinal’

“É uma análise muito frágil e parcial. Não dá para avançar o sinal e dizer: ‘O porteiro mentiu’.”

Marcos Camargo,

PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE PERITOS CRIMINAIS FEDERAIS