O globo, n.31431, 27/08/2019. País, p. 04

 

Ações 'inviabilizadas'

Manoel Ventura 

27/08/2019

 

 

No momento em que passa por seu maior desgaste com o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, encaminhou ofício ao ministro da Economia, Paulo Guedes, na última quarta-feira, no qual reclama do orçamento oferecido para a pasta em 2020. No texto, obtido pelo GLOBO, ele afirma que o montante reservado irá resultar em um “alarmante cenário de inviabilização de políticas públicas de segurança, cidadania e justiça essenciais para a sociedade brasileira”, e pede mais recursos.

Moro afirma que o aperto orçamentário “gera preocupação quanto à viabilidade de implementação” das ações da pasta, como operações da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF), mobilização da Força Nacional de Segurança Pública, emissão de passaportes, ações de combate ao tráfico de drogas, combate ao crime organizado, à corrupção e à lavagem de dinheiro.

O documento faz parte das discussões no governo para o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2020, que será encaminhado ao Congresso até o próximo sábado. Todos os anos, a equipe econômica envia previamente para os ministérios os limites de gastos que os órgãos terão para o ano seguinte. Cabe a cada ministério estabelecer os valores que são executados por ação e programa, além da manutenção da máquina pública.

O montante pode ser ampliado durante as discussões do Orçamento no Congresso. O valor previamente direcionado para a Justiça, de R$ 2,6 bilhões, é 32% menor se comparado com o montante autorizado para 2019, segundo Moro. O ofício foi o terceiro enviado pelo ministro da Justiça para Guedes cobrando mais dinheiro. Nele, Moro pede mais R $3,7 bilhões. Até agora, oficialmente, não houve resposta de Guedes para os pedidos.

A restrição nas contas públicas já tem atingido ministérios, que podem ficar sem dinheiro para serviços e investimentos entre novembro e dezembro. A tendência é de piora em 2020 porque osgas tos obrigatórios estão e malta. A crise é causada pela lenta recuperação econômica, que frustrou a arrecadação e fez o bloqueio de recursos atingir R$ 33,4 bilhões este ano. Isso representa 26% de tudo que pode ser cortado.

“Embora compreenda os problemas decorrentes dos ajustes do teto de gastos, informo, respeitosamente, que o referencial monetário apresentado representa significativa redução no orçamento deste ministério, resultando em alarmante cenário de inviabilização de políticas públicas de segurança, cidadania e justiça essenciais para a sociedade brasileira”, escreveu Moro.

O pagamento de salários e aposentadorias de servidores ligados ao Ministério da Justiça não entra nessa conta. Esses gastos são obrigatórios e estão assegurados. O valor que pode ser manejado por Moro trata apenas das despesas que não são de execução obrigatória por lei. Nesse ofício, Moro ressalta que já reduziu em R$ 234 milhões as demandas.

Além disso, reclama de os recursos do Fundo de Defesa de Direito Difuso terem sido absorvidos dentro do orçamento da pasta. Segundo Moro, isso coloca o ministério “em situação de risco no cumprimento de seu papel republicano” e gera “desconforto junto às instituições públicas que fiscalizam o Fundo”. Esse fundo foi criado em 1988 para gerir recursos procedentes das multas e condenações judiciais e danos ao consumidor. O dinheiro é utilizado para financiar projetos de órgãos públicos e entidades civis que visem a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, entre outros.

O presidente da Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, vê com preocupação os possíveis cortes no orçamento do Ministério da Justiça do próximo ano:

—Este ano já estamos tendo alguns problemas, como redução nos treinamentos de tiros, e demora na liberação de ajuda de custo para delegados que assumem chefias de delegacias.

CIDADES VIOLENTAS

Em outro documento, assinado no dia 10 de julho, Moro pedia R$3,9 bilhões amais e detalhava os efeitos em cada órgão da pasta. Ele afirma que, na PF, o dinheiro mais curto irá resultar no “enfraquecimento das atividades operacionais, incluindo as ligadas às infrações penais contra a União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas”, além das funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras, voltadas ao combate ao crime à corrupção e à lavagem de dinheiro. Na PRF, Moro afirma que o baixo orçamento irá prejudicar e enfraquecer o combate ao tráfico de drogas e armas nas rodovias, a fiscalização ambiental e do transporte de passageiros, além do combate a roubo de cargas e assaltos a ônibus.

Outras áreas prejudicadas do ministério seriam as secretarias ligadas diretamente às ações de segurança pública, o que inclui a Força Nacional. O ministro diz que isso vai atingir medidas de “enfrentamento à criminalidade nas cidades estrategicamente escolhidas por seus altos índices de violência ”. Afirma que, sem dinheiro extra, seria preciso suspendera implantação de bases e escritórios integrados de fronteira, comprar menos materiais como escâner portátil e kits de atendimento pré-hospitalar, além de paralisar 45 cursos presenciais de formação técnica e duas especializações na área de inteligência de segurança pública .( Colaborou Jailton de Carvalho)

“Informo, respeitosamente, que o referencial monetário apresentado representa significativa redução no orçamento deste ministério, resultando em alarmante cenário de inviabilização de políticas públicas de segurança, cidadania e justiça”

Ministro Sergio Moro, em ofício

Redução nos principais órgãos

> Polícia Federal Valor oferecido: R$ 1,1 bilhão. Valor solicitado: R$ 1,4 bilhão.

> Polícia Rodoviária Federal Valor oferecido: R$ 635 milhões. Valor solicitado: R$ 918 milhões.

> Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas Valor oferecido: R$ 40 milhões. Valor solicitado: R$ 110 milhões.

> Secretaria Nacional de Justiça Valor oferecido: R$ 10milhões. Valor solicitado: R$ 35 milhões.

> Secretaria Nacional de Segurança Pública Valor oferecido: R$ 84 milhões. Valor solicitado: R$ 251 milhões.

> Força Nacional Valor oferecido: R$ 417 milhões. Valor solicitado: R$ 2,3 bilhões.

> Secretaria de Operações Integradas Valor oferecido: R$ 43 milhões. Valor solicitado: R$ 179 milhões.

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Fora da agenda, ministro visita Polícia Federal do Rio

Bernardo Mello 

27/08/2019

 

 

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, visitou ontem a Superintendência da Polícia Federal (PF) no Rio, que teve papel central no seu distanciamento do presidente Jair Bolsonaro. O presidente tentou impor um nome para o comando da instituição no estado e, em primeiro momento, diante da reação da corporação, recuou. Mas depois ameaçou até trocar o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, dizendo que quem manda na corporação é ele. No início do governo, Bolsonaro disse que Moro teria “liberdade total”.

Moro cumpriu agenda reservada na Superintendência da PF, na Zona Portuária do Rio. Ele chegou e saiu do local sem falar com os jornalistas. O ministro apareceu por volta das 12h30m e ficou no local cerca de duas horas. Antes, fez uma visita técnica ao Arquivo Nacional, no Centro, pela manhã.

As duas visitas não constavam da agenda oficial de Moro. No Arquivo Nacional, ele conferiu documentos raros que integram o acervo da instituição, como o original da Lei Áurea e o juramento de D. Pedro I à Constituição de 1824.

Na PF, o ministro apareceu rapidamente no saguão de entrada ao fim da visita mas, assim como havia feito no Arquivo Nacional, apenas acenou aos jornalistas e disse que não faria declarações.

O distanciamento entre Bolsonaro e Moro começou após o ministro pedir ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que reconsiderasse sua decisão de suspender investigações em andamento que tivessem utilizado dados do Conselho de Controle de Operações Financeiras (Coaf ) sem autorização judicial. A iniciativa irritou Bolsonaro.

Toffoli suspendeu as investigações, em decisão liminar, a partir de um pedido apresentado pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente da República.

Além disso, a transferência do Coaf para a estrutura do Banco Central acendeu o alerta em relação a compromissos internacionais do Brasil no combate à lavagem de dinheiro e levou à substituição do então presidente do órgão, Roberto Leonel, que havia sido indicado por Moro.