O Estado de São Paulo, n. 46085, 21/12/2019. Política, p. A8

 

Bolsonaro critica juiz do caso Flávio e ofende jornalistas

Mateus Vargas

Felipe Frazão

Patrik Camporez

21/12/2019

 

 

Presidente sugere que filha de magistrado é funcionária fantasma do governo Witzel e manda repórter ficar quieto com dedo em riste

O presidente Jair Bolsonaro criticou ontem o Ministério Público do Rio e o juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau por causa da operação de busca e apreensão em endereços ligados ao senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), seu filho mais velho, na última quarta-feira. Bolsonaro também reagiu com irritação ao ser questionado por jornalistas sobre suspeitas em torno de Flávio e atacou a imprensa, na entrada do Palácio da Alvorada. Associações de jornalistas repudiaram a atitude do presidente.

Flávio é investigado no inquérito que apura movimentações financeiras atípicas por parte do policial militar aposentado Fabrício Queiroz. A suspeita é a de que Queiroz, assessor de Flávio quando o atual senador era deputado estadual, tenha comandado a prática de “rachadinha” – repasse de parte do salário do servidor ao político – no gabinete da Assembleia.

Ao ser questionado se Flávio teria cometido um deslize, Bolsonaro se exaltou. “Você tem uma cara de homossexual terrível, mas nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual”, disse ele a um repórter.

Em seguida, após o presidente afirmar que era o responsável por um empréstimo de R$ 40 mil destinado a Queiroz, outro jornalista perguntou se ele teria o comprovante. “Oh, rapaz, pergunte para a tua mãe o comprovante que ela deu ao teu pai, está certo?”, respondeu Bolsonaro, antes de dizer ter feito o empréstimo para justificar depósito de Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Com dedo em riste, Bolsonaro também mandou jornalistas ficarem “quietos” mais de uma vez, e cobrou respostas dos repórteres sobre pontos da investigação do MP. “Uma pergunta: o processo é segredo de Justiça ou não é? Respondam!”, afirmou, elevando o tom de voz.

Irritado, Bolsonaro acusou o MP do Rio de proteger o governador Wilson Witzel (PSC) e afirmou que, “pelo que parece”, uma filha de Itabaiana é funcionária “fantasma” do governo fluminense. “Você já viu o MP do Estado do Rio de Janeiro investigar qualquer pessoa, qualquer corrupção? E olha que o Estado mais corrupto do Brasil é o Rio de Janeiro”, disse. “Vocês já perguntaram para o governador Witzel por que a filha do juiz Itabaiana está empregada com ele? Pelo que parece, não vou atestar aqui, é fantasma. Já foram em cima do MP ver se vai investigar o Witzel?”.

O Estado apurou que o temor de Bolsonaro e de sua família tem ligação com a troca de advogado de Queiroz – ontem, Paulo Klein anunciou que não defendia mais o ex-PM. O receio é que a mudança esteja relacionada com a intenção do exassessor de fazer delação premiada. Agora, uma das estratégias traçadas pela defesa de Flávio e por aliados do presidente é tentar macular a investigação do MP fluminense ao levantar a suspeita de que o procedimento tem fins políticos.

Witzel. O governador do Rio, Wilson Witzel, afirmou ontem em nota que respeita as instituições, não interfere no trabalho de investigação policial, nem sobre o Ministério Público. O texto ressalta ainda que a nomeação de Natália Nicolau na Casa Civil foi feita no dia 1° de abril “15 dias antes da distribuição eletrônica do processo de Flávio Bolsonaro ao Juízo de Direito da 27° Vara Criminal, onde atua o pai da servidora”.

“Vocês já perguntaram para o governador Witzel por que a filha do juiz Itabaiana está empregada com ele? Pelo que parece, é fantasma.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

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Entrevista - Frederick Wassef: 'Movimentar dinheiro não é crime', diz advogado de Flávio

Breno Pires

Rafael Moraes Moura

21/12/2019

 

 

O advogado, que atua para a família desde 2014, não comentou os pedidos feitos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e disse que o Ministério Público do Rio de Janeiro deveria se dedicar ao combate à violência. Para Wassef, uma “força oculta” no Rio tenta atingir o governo Bolsonaro em busca da cadeira presidencial em 2022.

Como o sr. avalia as investigações que apontam ‘rachadinha’ no gabinete de Flávio Bolsonaro?

Movimentar dinheiro não é crime. Qualquer brasileiro pode depositar, sacar, comprar, transferir, emprestar. Nós precisamos separar as coisas. O que tem de se ver é a conduta. Existem provas robustas de crime? Ou vamos agora pegar milhões de movimentaçõezinhas que cada brasileiro fez e atribuir àquilo ilação de que é crime? Há várias premissas falsas na investigação, como por exemplo a existência de funcionários fantasmas.

Vários funcionários tinham residência e trabalho em Resende e eram lotados no gabinete do Rio.

Não é necessário os assessores ficarem presos entre quatro paredes no gabinete, nem ter crachá, nem fazer trabalho interno. Olha o perigo da santa Inquisição disfarçada de investigação. Eles pegam um dado: ‘João da Silva’ mora em Resende e, pronto, dizem que ele foi assessor do Flávio.

Se há certeza da inocência, por que a defesa pede ao Supremo Tribunal Federal para suspender a investigação?

A defesa jamais quis parar qualquer investigação ou procrastinar feito. Se algum direito de seu cliente foi violado, é dever e obrigação de qualquer advogado sério observar para que a investigação ocorra dentro da lei. Não é porque ele é filho do presidente que vai poder rasgar o Código de Processo Penal, atropelar as coisas, obter uma quebra de sigilo legal sem conhecimento ou autorização da Justiça, não.

Por meio da suspensão de processos, Flávio não vai conseguir provar a inocência?

Ninguém está parando investigação, só estamos querendo que as leis sejam cumpridas. Então o que acontece na véspera do Natal? Uma megaoperação em padrões hollywoodianos. Para quê? Busca e apreensão. Nenhum problema, a gente respeita, é função do MP investigar. Não estou acusando ninguém, mas alguma força oculta está infiltrada no poder público. O objetivo final é a cadeira presidencial em de 2022.

Quem representa essa força oculta? O presidente acusa o governador Wilson Witzel.

Não vou dizer nada do governador. O que eu vou dizer é que a forma que está se aplicando a força do poder público para o Flávio é absolutamente distinta e exclusiva. Olha como trataram os outros 26 parlamentares dessa mesma apuração da Assembleia de “rachadinha” e olha o Flávio. Quero ver alguém me dizer que é o mesmo tratamento.

Por envolver família do presidente, não se deveria dar mais atenção à resolução ao caso?

Maior, sim, mas não nos níveis que estão fazendo aí. Por que ninguém fala do Lulinha com a mesma intensidade? Acabaram de descobrir uma série de coisas do filho do Lula que envolvem R$ 300 milhões, e não a esmola, esses valores pequenos… Virou um feijãozinho o Lulinha, só se fala de Flávio.