Correio braziliense, n. 20524, 31/07/2019. Política, p. 2

 

Presidente da OAB acionará STF

Jorge Vasconcellos

31/07/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro pode ter de prestar esclarecimentos ao Supremo Tribunal (STF) e à Procuradoria-Geral da República por ter dito que o estudante e militante Fernando Augusto de Santa Cruz, pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, foi morto durante a ditadura militar por membros do movimento de esquerda Ação Popular, do qual fazia parte, por suspeita de traição. A declaração dele contraria as conclusões da Comissão da Verdade e documentos atestando que o militante foi preso e assassinado por agentes do Estado, à época do regime de exceção.

Felipe Santa Cruz, segundo confirmou a OAB, vai protocolar, hoje, no STF, uma interpelação para que Bolsonaro apresente as provas que eventualmente tenha sobre o assunto. Para o advogado, porém, o chefe do Executivo não tem qualquer informação verdadeira a respeito do caso, apenas demonstrou mais um “gesto de irresponsabilidade”. Na opinião dele, o caso pode envolver o cometimento de uma lista de crimes. “(A começar pela) falsidade, ao dar declaração falsa, provavelmente num arroubo verbal”, disse Felipe Santa Cruz.

Em solidariedade, vários ex-presidentes da OAB vão assinar também a interpelação e atuarão em sua defesa. O grupo inclui os advogados Cezar Britto, Marcus Vinicius Coelho, Ophir Cavalcante, Marcelo Lavenére, Roberto Busato, Reginaldo Oscar de Castro e Roberto Batochio.

Bolsonaro foi criticado também pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF, que se mostrou indignado com os ataques à memória de Fernando Augusto de Santa Cruz. “No mais, apenas criando um aparelho de mordaça”, disse, ao blog de Tales Faria, ao responder sobre como o ímpeto verbal do presidente poderia ser contido. “Tempos estranhos. Aonde vamos parar?”, questionou.

Já a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), divulgou ontem uma nota afirmando que “qualquer autoridade pública, civil ou militar, e especialmente o presidente da República, é obrigada a revelar quaisquer informações que possua sobre as circunstâncias de um desaparecimento forçado ou o paradeiro da vítima”. No comunicado, a PFDC também afirmou que a declaração de Bolsonaro “reverte-se de enorme gravidade, não só pelo atrito com o decoro ético e moral esperado de todos os cidadãos e das autoridades públicas, mas também por suas implicações jurídicas”.

Segundo o órgão do MPF, as afirmações são graves porque “a responsabilidade do cargo que ocupa impõe ao presidente da República o dever de revelar suas eventuais fontes para contradizer documentos e relatórios legítimos e oficiais sobre os graves crimes cometidos pelo regime ditatorial”.

As declarações de Bolsonaro também foram objeto de uma representação protocolada na segunda-feira pelo líder do PSol na Câmara, Ivan Valente (SP), na Procuradoria-Geral da República (PGR). Segundo o documento, o presidente violou a dignidade humana quando disse ter recebido informações, à época da ditadura militar, de que Fernando Santa Cruz foi morto por militantes da Ação Popular do Rio de Janeiro.