O globo, n.31412, 08/08/2019. Artigos, p. 02

 

Segundo turno da reforma é fato inédito 

08/08/2019

 

 

A aprovação em segundo turno pela Câmara do texto-base da reforma da Previdência é inédita. Pois jamais alterações de alguma profundidade no sistema previdenciário foram aceitas pelo Congresso.

Nas tentativas feitas — com graus diferentes de abrangência —, nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de Lula e de Dilma Rousseff (os dois do PT) , não havia na classe política tanta consciência dos efeitos deletérios de uma grave crise fiscal como a que o país vive, de forma mais visível, desde 2013/14. Nas gestões petistas, acrescentava-se a rejeição ideológica a qualquer corte de gastos.

Ainda havia espaço de trânsito fácil na classe política da ideia de que bastaria aumentar gastos públicos para se gerar crescimento. Algo derivado de teses de Keynes mal digeridas.

Infelizmente, foi necessária a mais profunda e longa crise de que se tem notícia — agravada com a política do “pé no acelerador” executada pela dupla Lula-Dilma — para políticos pelos menos intuírem que não há saída fácil para um desequilíbrio tão grave e extenso como o que o país vive.

Déficits primários (excluindo o pagamento de juros) começaram a ser acumulados em 2014, e isso continuará por pelo menos mais dois anos. Assim, a dívida pública disparou de 50% para quase 80% do PIB, marca que deve ser ultrapassada até que esta e outras reformas surtam efeito, a economia volte a se mover e consequentemente a arrecadação tributária suba.

Também teve papel pedagógico o fato de uma inflação quase sempre de um dígito não poder mascarar as perdas fiscais, o que obriga a Federação a se ajustar. Mesmo contra os pendores dos políticos populistas, de esquerda e de direita.

Na segunda votação do texto da reforma na Câmara, o projeto teve 370 votos a favor, nove a menos que o placar do primeiro turno, mas ainda muito acima do mínimo necessário à aprovação na Câmara de uma emenda constitucional, 308 votos.

A Câmara iniciou ontem à tarde a votação dos destaques feitos pela oposição, na tentativa de desidratar a reforma. Um dos mais importantes, apresentado pelo PCdoB, visava a derrubar do projeto as novas regras da concessão de pensão por morte.

Como todo o sistema previdenciário, este benefício tem regras irreais, distantes da realidade brasileira. Esta pensão representa um gasto de 3% do PIB, enquanto no conjunto dos países mais ricos, com representação na OCDE, é de 1%. O ajuste nas regras foi mantido por 339 votos contra 153. Outro indicador de maturidade de políticos.

No Senado, para onde o projeto irá, a ser submetido também a dois turnos de votação, será importante a formulação de uma proposta de emenda constitucional, a “PEC paralela”, a fim de estender a reforma a estados e municípios, o que foi impossível na Câmara. A fórmula garante que o que já for aprovado seja sancionado.

Sem a ampliação da reforma aos estados e municípios, a crise fiscal persistirá.