O Estado de São Paulo, n. 46112, 17/01/2020. Política, p. A4

 

Prazo do STF pode afetar casos de Flávio e Lulinha

Rafael Moraes Moura

Caio Sartori

Luiz Vassallo

17/01/2020

 

 

Judiciário. Decisão de Toffoli sobre juiz de garantias pode mudar magistrado responsável por investigações em andamento caso acusações formais não sejam aceitas em 180 dias

A regra fixada anteontem pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que estabelece um prazo de seis meses para a entrada em vigor do juiz de garantias, também pode provocar a mudança dos magistrados que darão sentenças em investigações em andamento, como o inquérito que envolve o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) no caso das “rachadinhas”, e a apuração contra Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha. Se nos próximos 180 dias, o Ministério Público não oferecer denúncias formais contra réus de operações como Lava Jato, Zelotes e Greenfield, seus casos passarão a ser divididos entre dois magistrados.

Ao esticar o prazo para a entrada em vigor do juiz de garantias, Toffoli estabeleceu uma “regra de transição” para a validade do texto sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro. Nas ações penais já em curso, ou seja, naqueles casos em que a denúncia já foi recebida, não deve haver mudanças na condução dos processos. No entanto, nas apurações que estiverem menos avançadas, ou seja, aquelas em que a acusação formal ainda não foi aceita por um juiz, a nova legislação já deve produzir efeitos, afastando os juízes que acompanharam os casos até aqui.

Na investigação de um suposto esquema de “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República, na Assembleia Legislativa do Rio, os promotores estão perto de oferecer a denúncia, segundo pessoas que acompanham a investigação.

Para que o juiz Flavio Itabaiana, considerado linha-dura, continue à frente do caso, ele só teria que aceitar a acusação formal em seis meses. O nível de detalhamento dos autos da medida cautelar apresentada à Justiça pelos investigadores no mês passado, quando foram cumpridos mandados de busca e apreensão contra 24 alvos, já é semelhante ao de uma denúncia.

A primeira quebra de sigilos bancário e fiscal autorizada no caso se deu em abril do ano passado e atingiu 85 pessoas e nove empresas. Desde então o MP tinha essas informações para cruzá-las, mas o inquérito foi paralisado em julho por outra decisão de Toffoli.

A decisão só foi julgada – e revertida – em 4 de dezembro pelo plenário do Supremo. A medida cautelar, apresentada à Justiça um dia após o Supremo mudar a decisão de Toffoli, passou apenas por pequenos ajustes antes de ser levado ao juiz. Itabaiana a endossou em 11 dias.

Em Curitiba, Fábio Luís, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também ainda não foi denunciado pela Lava Jato, sob responsabilidade do juiz Luiz

Antônio Bonat. Lulinha é suspeito de receber cerca de R$ 132 milhões da Oi, como propina. Ele nega. O filho do ex-presidente foi alvo de buscas no dia 10 de dezembro. Como ele não foi preso, hipotese em que há prazo para a denúncia, não há urgência em oferecer a acusação. Lula, por exemplo, foi alvo da Operação Alethea em março de 2016 e denunciado em setembro.

A Lava Jato de São Paulo também tem casos em que poderia haver troca de juízes. Entre um dos investigados por suspeita de corrupção nas obras do Rodoanel, o ex-diretor da Dersa, Pedro da Silva ainda não foi julgado. Sucessor de Paulo Vieira de Souza, apontado como operador do PSDB e também investigado em Curitiba, Silva teria girado R$ 50 milhões de forma irregular em cinco anos. Ele também nega as acusações.

Divisão. Quando o juiz de garantias entrar em vigor, cada ação será conduzida por dois magistrados. Um juiz vai conduzir as investigações e decidir sobre medidas cautelares, como autorizar quebra de sigilo telefônico e bancário, até o momento em que a denúncia for eventualmente recebida. Depois disso, outro magistrado vai ouvir as partes e dar a sentença.

“É fundamental que o Supremo Tribunal Federal determine os exatos termos em que deverá incidir a lei no que tange aos processos e às investigações que estiverem em curso quando do esgotamento do prazo de 180 dias”, escreveu Toffoli, em decisão de anteontem.

Para o procurador regional da República Blal Dalloul, a decisão de Toffoli promove insegurança jurídica. “O Brasil insiste em fazer a sociedade pensar que o processo penal depende de quem você está processando. Depois reclamam – tudo é o filho do presidente? Mas é. Acaba parecendo uma decisão encomendada para o caso dele”, criticou o procurador.

A procuradora regional eleitoral Silvana Batini, professora da FGV Direito Rio, por sua vez, afirma que o entendimento de Toffoli pode dar margem a dúvidas. “A simples necessidade de se estabelecer por liminar regras de transição para uma lei já mostra a precipitação da própria lei. Em tempos de instabilidade e insegurança jurídica, o Brasil não merecia mais esse imbróglio”, disse.

A professora de Direito Penal da FGV de São Paulo Raquel Scalcon discorda. “A decisão servirá tanto para orientar comportamentos dos órgãos jurisdicionais, quanto para evitar nulidades futuras. Não retirou a totalidade das dúvidas, mas ofereceu alguma orientação.”

‘Prazo exequível’

Jair Bolsonaro disse ontem que “é direito” de Toffoli atuar para que o juiz de garantias comece em um “prazo exequível”. “Não costumo discutir decisão do Supremo”, afirmou o presidente.

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Lava Jato denuncia gestor de gráfica ligada ao PT

Pedro Prata

17/01/2020

 

 

O Ministério Público Federal no Paraná denunciou ontem Paulo Roberto Salvador, administrador da Editora Gráfica Atitude, pelo crime de lavagem de dinheiro. A Atitude, de acordo com as investigações, é ligada ao PT. Salvador é acusado de lavar R$ 2,4 milhões, entre 2010 e 2013, por meio da celebração de contratos de prestação de serviços ideologicamente falsos com o Grupo Setal/SOG Óleo e Gás. Esta é a primeira denúncia da Lava Jato em 2020.

Segundo a Procuradoria, Salvador teve “apoio” do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, do executivo do Grupo Setal/SOG Óleo e Gás Augusto Mendonça e do ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque. A denúncia afirma que Mendonça prometeu pagamento de propina a Duque – apontado como operador do PT no esquema na Petrobrás – e a Vaccari relativa a contratos da estatal petrolífera. Para isso, conforme a acusação, os R$ 2,4 milhões foram repassados pelo Grupo Setal/SOG Óleo e Gás de forma dissimulada, por meio da contratação da Editora Gráfica Atitude, a pedido de Vaccari.

“Os repasses foram realizados com base em contratos e notas fiscais ideologicamente falsos, e a gráfica jamais prestou serviços reais às empresas do grupo Setal/SOG”, sustenta a força-tarefa da Lava Jato.

Mendonça, Vaccari e Duque já respondem pelo crime de lavagem descrito na denúncia perante a 13.ª Vara Federal de Curitiba. Pelo crime de corrupção, os três já foram condenados.

A defesa de Salvador não foi localizada pela reportagem.