O Estado de São Paulo, n. 46120, 25/01/2020. Política, p. A8

 

À frente da pasta, Moro deu mais ênfase à segurança

Vinícius Valfré

25/01/2020

 

 

Transferência de líderes de facções, apreensão de drogas e criação de centros de inteligência ganharam destaque em primeiro ano

Em seu primeiro ano após abandonar a toga, o ex-juiz federal Sérgio Moro foi muito mais ministro da Segurança Pública do que da Justiça. Entre os programas e ações que deram mais visibilidade para o trabalho do ministro em 2019, estão medidas como a transferência de líderes de facções, o envio de homens da Força Nacional para auxiliar cidades e Estados, a criação de centros integrados de inteligência e o registro de apreensões recordes de drogas.

Embora tenha levantado como bandeira da gestão o combate à corrupção e ao crime organizado, os avanços foram mais visíveis nesta segunda. O isolamento de chefes de facções, como Marcos Willians Camacho, o Marcola, líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), é tratado pela pasta como um dos fatores que levaram à redução de índices de violência – a taxa de homicídios caiu 20% em 2019 em relação ao ano anterior e roubos a bancos foram 36% menores.

A influência da gestão de Moro na queda da criminalidade é contestada por governadores e especialistas, que veem uma tentativa do ministro de capitalizar os bons resultados da área após não conseguir avançar com pautas anticorrupção, como o seu pacote anticrime, desidratado no Congresso.

Coube justamente aos secretários estaduais levar a Bolsonaro o pedido para recriação do Ministério da Segurança Pública, hoje incorporado ao da Justiça. Se concretizada, a divisão faria Moro perder uma série de atribuições, inclusive o comando da Polícia Federal. A separação foi, por ora, descartada pelo presidente ontem.

Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima avaliou que o fato de Moro ter se voltado mais para ações da Segurança do que para as da Justiça ajudou a alimentar a polêmica do desmembramento.

“O presidente fez um discurso muito forte de segurança que interagiu com o sentimento de medo da população. Criou ambiente favorável para o ministro reivindicar o que os indicadores sinalizam desde 2018. Dá pra dizer que ele (Moro) foi, em 2019, mais ministro da Segurança do que da Justiça”, disse o especialista. “As medidas de Justiça esbarraram no Congresso, no Supremo Tribunal Federal e na lógica da política brasileira.” Ao aceitar o convite de Bolsonaro e abandonar 22 anos de magistratura para assumir o posto no Executivo, Moro justificou a decisão à época com a possibilidade de endurecer a legislação anticorrupção no País. Logo em fevereiro, enviou ao Congresso uma série de projetos, batizada de pacote anticrime, que previa, como carro-chefe, medidas como a prisão após condenação em segunda instância, o plea bargain – acordo prévio em que o acusado confessa o crime para evitar uma ação judicial – e a criminalização do caixa 2. Nenhuma delas foi aprovada.

Diante de um pacote anticrime desidratado, Moro apostou no combate às facções criminosas para marcar o primeiro ano da gestão. Comemorou o crescimento da arrecadação de Fundo Antidrogas, proveniente da venda de bens de traficantes, de R$ 44,6 milhões para R$ 91,7 milhões; viabilizou 29 delegacias de combate à corrupção nos Estados; e aumentou em 600% a coleta de DNA para apontar autorias de crimes.

Especialistas também citam como ação relevante de Moro para a área de segurança o projeto “Em Frente, Brasil”, medida ainda em fase de teste que prevê o reforço do policiamento com agentes da Força Nacional em cidades que apresentam altos índices de criminalidade. Lançado em agosto, a medida funciona apenas em cinco cidades por enquanto.

Por outro lado, em vídeo institucional no qual apresentou o balanço do ano, o ministério lista como ações que seriam atreladas à parte “Justiça” do ministério a aceleração na naturalização de estrangeiros, a expulsão de condenados e o combate tráfico de pessoas. Na peça, a pasta não apresenta números.

Eficiência. Diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo disse acreditar que uma pasta específica da Segurança Pública poderia dar eficiência às políticas públicas. Contudo, a advogada e socióloga pondera que o debate que marcou a semana não teve esse propósito, uma vez que a discussão foi concentrada na retirada ou não do poder do Moro.

“Precisamos ter uma instância governamental com foco específico. O Ministério da Justiça tem muitas atribuições concorrentes. Isso dificulta priorizar o tema da segurança. Em nenhum momento se falou de um impacto disso para a política de segurança”, afirmou.

Já para Rafael Alcadipani, professor da FGV de São Paulo e pesquisador dos temas relacionados à segurança pública, uma Secretaria Nacional de Segurança Pública forte, ainda que atrelada à pasta da Justiça, bastaria. Ele também critica os reais objetivos de uma eventual divisão das pastas.

“A bancada da bala quer um ministério para chamar de seu. Os indicadores estão caindo e é o Sérgio Moro quem está sendo apontado como responsável. Essa bancada e o Bolsonaro perceberam que não é interessante deixar o Moro ser essa figura. É uma questão de protagonismo”, avaliou.

- RESPONSABILIDADE

“A bancada da bala quer um ministério. Os indicadores estão caindo e Sérgio Moro está sendo apontado como responsável.”

Rafael Alcadipani

PROFESSOR DA FGV DE SÃO PAULO

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Ministério liberou 14% de fundo para Estados em 2019

Bruno Ribeiro

Vinicius Passarelli

25/01/2020

 

 

 

Maior parte da verba foi repassada em dezembro; Estados buscaram outras fontes para combate à criminalidade

A gestão do ministro Sérgio Moro foi a primeira a contar com recursos vindos das Loterias da Caixa para o enfrentamento à criminalidade. Mas dos cerca de R$ 1,8 bilhão previstos para o Fundo Nacional da Segurança Pública (FNSP), apenas R$ 248 milhões, 14% da previsão total, foram destinados aos Estados no ano passado, e com liberação feita apenas em dezembro.

Alguns dos repasses já liberados nem chegaram a ser recebidos pelas unidades da federação. Para o Mato Grosso, por exemplo, foram enviados R$ 10,5 milhões no fim de dezembro. No entanto, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado, o recurso ainda não está acessível. A pasta carimbou a verba para ser utilizada em serviços de reestruturação de órgãos de inteligência e da Polícia Científica do Estado.

Segundo o governo matogrossense, sem os recursos do fundo, o Estado buscou verba de outras origens, como emendas parlamentares e receitas da Secretaria Nacional de Políticas contra Crogas (Senad) e do Fundo Penitenciário Nacional.

A liberação de recursos do FNSP foi uma das demandas levadas pelos secretários de segurança estaduais ao presidente Jair Bolsonaro em uma reunião ocorrida na quarta-feira. O fundo existe desde 2001, mas só foi turbinado com a receita dos jogos da Caixa a partir do ano passado.

Da previsão original bilionária, o Ministério da Economia determinou um contingenciamento de R$ 1,1 bilhão ainda no começo do ano ( 65% do total). Por nota, o ministério informou que tinha um total liberado de R$ 262,8 milhões para ser repassado a fundos estaduais, e que empenhou (liberou para gasto) a totalidade daqueles recursos. A pasta não informou porque os repasses se concentraram em dezembro.

Os Estados já haviam recorrido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ter acesso ao recurso. Decisão de dezembro do ministro Dias Toffoli determinou que 50% do valor contingenciado fosse liberado. “A União aguarda o STF definir como deverá ser operacionalizado este repasse” , informou o Ministério da Justiça, por nota, calculando a verba disponível em R$ 546 milhões.

Da reunião de quarta-feira, o presidente Bolsonaro saiu encampando outra demanda dos secretários, a recriação do Ministério da Segurança Pública como resposta às demandas por mais atenção federal ao tema – o presidente recuou da proposta ontem.

O secretário de Minas Gerais, general Mario Lucio Alves de Araujo, que havia se posicionado contra a mudança, disse que o repasse baixo se deve ao contingenciamento de despesas e por entraves burocráticos próprios da gestão pública. “Não é porque tinha um ministério ou dois”. Também pesou o apoio que diz receber do ministro Moro e a defesa de seu governo de um estado enxuto.

A socióloga Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, que acompanha o orçamento da segurança pública, destaca a falta de transparência no acompanhamento dos gastos do fundo. “Tem a informação do contingenciamento, mas não tem clareza.”

- Orçamento

 R$ 1,8 bi

era o valor o previsto para o Fundo Nacional de Segurança Pública, formado com parte do dinheiro arrecadado pela exploração das loterias federais.

R$ 248 mi

foi o repasse feito pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública aos Estados, o que gerou reclamação de secretários; maior liberação foi em dezembro

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Entrevista - Ibanês Rocha: 'Pedido não teve nada a ver com articulação de Bolsonaro'

Paula Reverbel

25/01/2020

 

 

Ibaneis Rocha (MDB), governador do Distrito Federal

Ibaneis diz que ideia de recriar ministério partiu de governadores; ele critica Moro por não ouvir secretários estaduais

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), critica a atuação do ministro Sérgio Moro no comando da segurança pública. Segundo ele, Moro não libera verbas aos Estados e não ouve os secretários estaduais. Rocha também diz que a redução nos índices de criminalidade no País não pode ser creditada ao governo federal. Em entrevista ao Estado, Rocha reclama de Moro por ter transferido, no início do ano passado, líderes de facções criminosas para o Distrito Federal, entre elas Marcus Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder do Primeiro Comando da Capital (PCC). "Daqui a pouco, nós vamos ter o PCC tocando fogo em Brasília e o Moro não está nem aí para isso.”

• A recriação do Ministério de Segurança Pública era pauta do presidente Jair Bolsonaro ou dos secretários dos Estados?

Estou trabalhando isso desde o ano passado. Meu secretário foi para a reunião (de quarta-feira com outros secretários) orientado por mim. Desde o ano passado vocês têm me ouvido falar que o ministro Moro pode conhecer muito de combate a corrupção, mas de segurança pública ele não entende nada. Foi uma pauta totalmente acordada.

• Quando esse assunto foi combinado com os governadores?

A gente trata no fórum em todos os momentos. Todos os governadores postam as suas ideias e eu coordeno esse whatsapp 24 horas.

• O que o sr. acha da atuação de Moro no ministério?

O ministro nunca fez uma reunião para tratar de segurança pública com os governadores. Essa pauta (a recriação do Ministério da Segurança) é uma política de nós todos governadores. Não tem nada a ver com o Bolsonaro. E talvez um dos maiores erros do presidente Bolsonaro tenha sido não tratar a segurança pública com responsabilidade e ter ouvido os governadores. Sou um apoiador do presidente Bolsonaro, mas eu posso garantir: os resultados que nós temos na segurança pública só não são melhores porque o ministro Moro não ouviu os governadores, não ouviu os secretários e não conhece de segurança pública.

• Foi isso que motivou a reunião com o presidente?

A manifestação dos secretários não tem nada a ver com a articulação do presidente Bolsonaro, ela tem a ver com a insatisfação da grande maioria dos governadores e dos secretários de segurança. Todos nós que fomos desrespeitados pelo ministro Moro quando ele deu uma declaração no final do ano de que o resultado da segurança pública era trabalho dele, sem que não tivesse feito nada. Ele não fez nada pela segurança pública desse país.

• A que credita os resultados positivos?

Os resultados positivos que nós tivemos na segurança pública vêm da política que foi feita ainda pelo ex-ministro da Segurança Pública (Raul Jungmann, na gestão Temer), que vinha fazendo um belo trabalho.

• Quais são os maiores problemas de segurança no DF?

Estou desde o ano passado batendo nisso. Meu secretário de segurança foi indicado porque tem uma proximidade com o Bolsonaro. Eu queria ter proximidade por conta da segurança pública. Agora eu estou com um problema com o Moro muito sério que é esse presídio federal que ele tem aqui (no DF). Houve uma tentativa de fuga que foi contornada pelo Exército sem comunicar a Secretaria de Segurança. Aí, logo em seguida, uma tentativa de fuga no Paraguai. O Marcola vai para o nosso instituto de gestão hospitalar sem comunicação com meu secretário. Daqui a pouco, vamos ter o PCC tocando fogo em Brasília e o Moro não está nem aí para isso.