O Estado de São Paulo, n. 46110, 15/01/2020. Política, p. A4

 

Toffoli deve adiar prazo de criação do juiz de garantias

Rafael Moraes Moura

15/01/2020

 

 

Judiciário. Lei anticrime que prevê dispositivo entra em vigor no dia 23, mas presidente do Supremo tem defendido um período de transição de 6 meses para aplicação da medida

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Dias Toffoli, deve adiar por seis meses a implementação da figura do juiz de garantias. A medida está prevista na lei anticrime, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, que entra em vigor no dia 23 de janeiro. A maioria dos ministros do STF – inclusive o próprio Toffoli – apoia a criação do dispositivo, como adiantou o Estado.

A sanção da medida impôs uma derrota ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, que apontou dificuldades para viabilizar a proposta e havia recomendado o veto, mas acabou não sendo atendido por Bolsonaro. O pacote anticrime foi enviado por Moro ao Congresso, que desidratou a versão original e incluiu a figura do juiz de garantias, vista pelo ex-juiz federal da Lava Jato como um empecilho no combate à criminalidade.

Moro afirmou ao Estado que é preciso resolver o que considera “problemas técnicos graves” na adoção do juiz de garantias. “Muitas questões ficaram indefinidas. É indicativo de que faltou debate, apesar de a Câmara ter sido alertada Espero que o STF ou o CNJ possa corrigir esses problemas”, disse ele.

Segundo interlocutores de Toffoli, a implementação da medida deve ser efetuada em seis meses, mesmo prazo que o ministro já disse ser necessário para um período de transição no sistema judiciário do País. Integrantes de tribunais superiores ouvidos pela reportagem também consideram difícil a vigência da norma imediatamente, por trazer implicações diretas nas atividades dos tribunais. O ministro do Supremo Alexandre de Moraes, outro idealizador do pacote anticrime, defendeu “a dilação de prazo, para que (o juiz de garantias) seja instalado de maneira consciente, razoável e nacionalmente.

Como revelou o Estado, Toffoli deu aval a Bolsonaro para sancionar o juiz de garantias, fazendo chegar ao Planalto que a medida era “factível”. O presidente do STF disse, porém, que não interferiu na decisão de Bolsonaro.

Toffoli já afirmou que a lei não retroage, ou seja, não alcança os casos em andamento – como as investigações que miram o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) – nem atinge tribunais superiores, valendo para a primeira instância.

Atualmente, o juiz que analisa pedidos da polícia e do Ministério Público na investigação é o mesmo que pode condenar ou absolver o réu. Pela nova lei, o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal e tomar medidas para o andamento do caso, como autorizar busca e apreensão e quebra de sigilo telefônico e bancário, até o momento em que a denúncia é recebida. A partir daí, outro magistrado acompanha o caso e fica responsável pela sentença.

Despesas. Depois da sanção da lei anticrime por Bolsonaro, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) entraram juntas com uma ação no Supremo para suspender a medida. As entidades sustentam que não há como dar execução à lei “sem provocar aumento de despesas”. AMB e Ajufe alegam que a proposta “não se mostra materialmente possível de ser instituída de forma imediata, seja pela União, seja pelos Estados da federação”. Os partidos Cidadania, Podemos e PSL também acionaram o tribunal.

As ações foram sorteadas para o vice-presidente do STF, Luiz Fux, mas Toffoli deve decidir sobre os pedidos em breve, antes de Fux assumir o comando do plantão, na próxima semana. A Corte retoma regularmente as atividades em fevereiro.

Sugestões. Por determinação de Toffoli, um grupo de trabalho foi criado no CNJ para elaborar um estudo sobre a aplicação do pacote anticrime e propor uma normatização do assunto. Além disso, uma consulta pública foi aberta para ouvir juízes, tribunais e entidades da magistratura e colher sugestões.

O grupo do CNJ já recebeu 99 recomendações enviadas por meio da consulta pública, entre elas propostas de criação de varas regionalizadas (com magistrados que atuam somente como juiz de garantias), digitalização de processos físicos e a realização de audiências de custódia por videoconferência. Os trabalhos do colegiado devem ser concluídos hoje.

ENTENDA

Dois juízes

Com a criação do juiz de garantias, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro dentro do pacote anticrime no dia 25 de dezembro, cada caso passara a ser acompanhado por dois juízes. O juiz de garantias atua apenas na fase da investigação criminal. Já a parte da ação em que é dada a sentença fica a cargo de outro magistrado.

Investigação

O juiz de garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais.

Prisão

É atribuição do juiz de garantias decidir sobre prisão provisória e determinar quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico de um investigado, além de procedimentos de busca e apreensão.

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Justiça rejeita denúncia contra presidente da OAB

Rafael Moraes Moura

15/01/2020

 

 

Para juiz, Felipe Santa Cruz não teve intenção de imputar crime a Sérgio Moro ao chamá-lo de ‘chefe de quadrilha’

BRASÍLIA

O juiz Rodrigo Parente Bentemuller, do Distrito Federal, rejeitou ontem a denúncia apresentada pelo Ministério Público contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, acusado de cometer crime de calúnia. O episódio diz respeito a declarações de Santa Cruz sobre o ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o presidente da OAB afirmou que Moro “usa o cargo, aniquila a independência da Polícia Federal e ainda banca o chefe de quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas”, numa referência ao inquérito que apura o ataque de hackers a celulares de procuradores. Algumas das mensagens foram divulgadas pelo site The Intercept Brasil.

Para Bentemuller, “mesmo com uma fala mais contundente”, Santa Cruz não teve o propósito de difamar Moro. “Demonstra-se cabalmente que o denunciado não teve intenção de caluniar o ministro da Justiça, imputando-lhe falsamente fato criminoso, mas, sim, apesar de reconhecido um exagero do pronunciamento, uma intenção de criticar a atuação do ministro”, escreveu o juiz federal.

Santa Cruz já havia dito que a declaração foi uma crítica “jurídica e institucional, por meio de analogia, não imputando qualquer crime ao ministro”.

Afastamento. A denúncia pedia ainda à Justiça que afastasse Santa Cruz do Conselho Federal da OAB em razão do “descontrole e destemperamento” demonstrados pelo presidente da entidade. O pedido de afastamento foi classificado por Bentemuller como “descabido”.

“Eventual pronunciamento acima do tom por parte de representante da OAB não deve ser motivo para seu desligamento temporário do cargo por determinação do Judiciário, cabendo à própria instituição avaliar (...) a conduta de seu presidente”, concluiu o juiz.

Em nota, Moro lamentou a rejeição da denúncia, que, na sua avaliação, descreve “de forma objetiva” fatos que configuram calúnia e difamação. “Espero que o MPF recorra”, afirmou.

A defesa de Santa Cruz, por sua vez, manifestou “absoluta satisfação” pela decisão. “A tentativa de afastar um presidente da OAB via decisão do Judiciário não encontra eco nem no regime militar”, disse o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay.