Valor econômico, v.20, n.4762, 31/05/2019. Brasil, p. A4

 

Investimento encolhe e PIB deve ficar abaixo de 1%

Sergio Lamucci 

Hugo Passarelli

Thais Carrança 

Estevão Taiar 

Alessandra Saraiva 

Bruno Villas Bôas

31/05/2019

 

 

O resultado do PIB nos primeiros três meses do ano confirmou a letargia da atividade econômica brasileira, que há mais de dois anos tenta engatar uma recuperação mais firme. No primeiro trimestre, a economia encolheu 0,2% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, arrastada por mais uma queda forte do investimento, de 1,7%, e pela perda de fôlego do consumo das famílias, que teve alta de apenas 0,3%. Combinados, esses dois componentes da demanda, com peso de cerca de 80% no PIB, recuaram pelo segundo trimestre consecutivo.

No acumulado em quatro trimestres, o PIB cresce apenas 0,9%, o pior resultado nessa base de comparação desde a queda de 0,1% do terceiro trimestre de 2017.

    Pelo lado da oferta, chamou a atenção o tombo de 6,3% da indústria extrativa, reflexo do colapso da barragem da Vale em Brumadinho, em Minas Gerais. O PIB industrial caiu 0,7%, e o do segmento de transformação, 0,5%.

    Com o mau resultado do PIB nos primeiros três meses do ano e as informações desanimadoras sobre o segundo trimestre, vários analistas cortaram as estimativas para o crescimento em 2019 para menos de 1% - menos que o 1,1% registrado em 2017 e também em 2018. Para crescer 1% neste ano, o PIB precisa avançar a um ritmo de cerca de 0,5% em cada um dos três trimestres restantes do ano, na comparação com o trimestre anterior, diz Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores. É uma taxa que o Brasil tem dificuldade em atingir na pífia recuperação iniciada no começo de 2017.

    A incerteza na economia continua elevada, em boa parte por causa de dúvidas sobre o andamento da reforma da Previdência, tida como fundamental para corrigir o desequilíbrio das contas públicas. A crise na Argentina, por sua vez, atrapalha a indústria, por afetar as exportações de manufaturados. Além disso, há fatores estruturais que travam a economia, como o nível de investimento muito baixo.

    A queda de 0,2% foi o primeiro recuo trimestral do PIB desde o quarto trimestre de 2016, o momento que marcou o fim da recessão iniciada no segundo trimestre de 2014. Como o PIB do quarto trimestre de 2018 teve a sua variação mantida em 0,1% - havia quem apontasse o risco de revisão para o terreno negativo -, a economia não entrou em recessão técnica, fenômeno caracterizado por retração em dois trimestres seguidos.

    Para o diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, contudo, a sensação na economia é quase de recessão, já que a combinação do consumo das famílias e do investimento caiu, sim, por dois trimestres seguidos. Nos últimos quatro, houve baixa em três.

    Borges vai na mesma linha, dizendo que a demanda "privada" entrou em recessão técnica, o que não ocorria desde 2016, embora as quedas tenham sido modestas. Segundo ele, o conjunto formado por consumo das famílias e o investimento recuou 0,5% no quarto trimestre de 2018 e 0,4% no primeiro trimestre deste ano, em termos anualizados. Borges observa que a combinação desses dois componentes é uma aproximação da demanda privada, porque a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) inclui o investimento público e o das estatais.

    O investimento continua a mostrar um desempenho especialmente ruim. Com a incerteza política, a grande ociosidade e a demanda anêmica, o setor privado investe pouco. O investimento público é ainda menor, dada a situação de penúria das contas públicas da União e de muitos Estados e municípios. A formação bruta de capital fixo está 28,5% abaixo do nível alcançado no segundo trimestre de 2013.

    Nos primeiro trimestre, a taxa de investimento ficou em 15,5% do PIB, um pouco acima do 15,2% do PIB do mesmo período do ano anterior. No entanto, é um nível bem inferior aos 20,7% do PIB dos primeiros trimestres de 2011 a 2014.

    O consumo das famílias desacelerou. Depois de crescer 0,6% e 0,5% nos dois trimestres anteriores, avançou apenas 0,3% no primeiro trimestre deste ano, num cenário marcado pela fraqueza do mercado de trabalho - o número de desempregados é de 13,4 milhões de pessoas. O consumo do governo, por sua vez, cresceu 0,4%, depois de quatro quedas consecutivas. Foi uma alta inesperada num quadro de controle dos gastos públicos.

    Ramos enfatiza a fraqueza da atual recuperação, a mais lenta desde que há registro. O PIB per capita ainda está 9,1% abaixo do pico anterior, atingido no primeiro trimestre de 2014, nota ele.

    Ramos diz que a retomada fraca reflete o efeito da incerteza elevada sobre decisões de gastos, mas avalia que podem ser mais importantes os "danos estruturais aos principais motores do crescimento ocorridos nos últimos anos". Segundo ele, a recuperação também tem sido limitada pelo declínio do estoque de capital da economia, dado o tombo forte do investimento, pelos níveis elevados de endividamento, em especial do governo e das famílias, e pelo efeito do alto desemprego por um período prolongado sobre as habilidades dos trabalhadores.

    As exportações também foram mal, num cenário marcado pela grave crise na Argentina, que prejudica as vendas de manufaturados brasileiros. No primeiro trimestre, elas caíram 1,9% em relação ao trimestre anterior, enquanto as importações subiram 0,5%.

    No primeiro trimestre, pelo lado da oferta, a agropecuária, a exemplo da indústria, também ficou no vermelho, com queda de 0,5% em relação ao trimestre anterior. Apenas os serviços tiveram alta, de 0,2%.

    A construção, por sua vez, caiu 2% nos três primeiros meses de 2019. Com isso, o setor se encontra ainda 32% abaixo do pico anterior, alcançado no primeiro trimestre de 2014. Para o pesquisador Leonardo Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a crise da construção se arrasta além do previsto, travando o investimento e a recuperação do emprego. Ao mesmo tempo, a paradeira prolongada do setor acende um alerta para um crescimento mais forte da economia, sobretudo pelo atraso na solução de gargalos de infraestrutura, diz ele. "A construção emprega muito e poderia, no curto prazo, ajudar a melhorar o mercado de trabalho formal."

    Vários analistas reduziram ontem mesmo as suas projeções de crescimento para 2019. Foi o que fez o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, que cortou a sua estimativa de 1,1% para 0,9%. "O segundo trimestre não tem dado sinais de melhora", observa ele, em relatório.

    "Parece ficar claro que a reforma da Previdência é uma condição necessária, mas cada vez mais longe de ser suficiente para que a economia comece a se recuperar", diz Vale. Por isso, 2020 tende a ter crescimento maior do que 2019, mas não muito, diz ele. "Os 2% esperados para o ano que vem estão arriscados, pois, além das dificuldades políticas do governo, há riscos que surgem do cenário internacional."

    O Citi Brasil, por sua vez, reduziu a sua estimativa de 1,4% para 0,9%. "Olhando adiante, ainda consideramos que o PIB não apenas continuará a crescer, mas também a acelerar em relação aos trimestres anteriores, refletindo o estímulo monetária já em andamento", afirma o banco. "Dito isso, reconhecemos que desde o quarto trimestre de 2018 há mais sinais de que a economia tem enfrentado ventos contrários internos e externos, reforçando a perda de força" da atividade.

    No cenário externo, o Citi Brasil destaca a desaceleração da economia mundial e a recessão argentina. No cenário interno, além do colapso da barragem de Brumadinho, os economistas mencionam as recuperações gradual e cíclica dos mercados de trabalho e crédito, que também desaceleraram desde o fim do ano passado.

    O desempenho da economia no segundo trimestre tem sido fraco, com queda da confiança de empresários e consumidores. Ainda que não se espere uma nova queda do PIB no período, as estimativas com base em indicadores divulgados até agora não são animadoras. A estimativa preliminar do Itaú Unibanco é de alta de 0,1% sobre o trimestre anterior, o que coloca em risco a projeção da instituição de crescimento de 1% em 2019, diz o economista Luka Barbosa.

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    Retomada só ganhará força com melhora do cenário fiscal, diz Guedes 

    Ana Krüger

    31/05/2019

     

     

    O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou ontem que não se pode esperar uma reação da economia enquanto o cenário fiscal não estiver organizado. A afirmação foi feita a jornalistas quando foi questionado sobre o recuo de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no primeiro trimestre deste ano. O ministro diz que o resultado não é "novidade" para o governo. "Nós sempre falamos que a nossa economia está estagnada à espera das reformas", disse.

    Ainda assim, Guedes disse estar confiante e afirmou acreditar que o PIB do próximo trimestre já virá positivo. "Vamos fazer a reforma tributária, o choque da energia barata, a revisão do pacto federativo, e o investimento será retomado", diz.

    Segundo ele, houve um otimismo muito grande com a eleição de Jair Bolsonaro e a plataforma liberal do candidato, que levaram a expectativas de crescimento de 2%, 3%, já neste ano. "A eleição do Bolsonaro significa que o Brasil não vai virar a Venezuela, mas não garantiu que não vai virar a Argentina", disse. Na avaliação de Guedes, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, demorou a implantar grandes reformas no país. "Com a nossa reforma da Previdência, o Brasil não vira mais a Argentina. Ao contrário, vai voltar a crescer."

    Para o ministro da Economia, no primeiro trimestre não faltaram medidas de estímulo ao crescimento e à produtividade. De acordo com Guedes, ao fazer apenas medidas de estímulo pontuais, e não reformas estruturantes, o Brasil virou um país que não cresce.

    Guedes reafirmou que a reforma da Previdência vai "estancar a sangria" e abrir o horizonte fiscal do Brasil para as reformas seguintes e para a atração de investimentos. "Com a revisão do pacto federativo, vamos colocar os Estados de pé e com a reforma tributária vamos estimular o setor privado", disse. Segundo Guedes, a partir do segundo semestre, o Brasil começará "a decolar" -a expectativa é que o Congresso aprove nesse período as mudanças nas aposentadorias.

    O ministro também refutou a ideia de o Banco Central baixar os juros como forma de estimular o crescimento. "Você só pode baixar o juro se tiver um regime fiscal de pé, e tudo isso exige as reformas antes." Guedes afirmou que os juros e os impostos começarão a recuar, justamente porque a parte fiscal foi equacionada.

    A Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, também emitiu nota sobre o resultado do PIB e defendeu "políticas pelo lado da oferta que visem o crescimento não apenas agora, mas também no médio e longo prazos". A secretaria também criticou as diversas políticas de estimulo à demanda implementadas nos últimos 40 anos, "demonstrando-se incapazes de promover o crescimento sustentado".

    Para a SPE, além das restrições de caráter estrutural ao crescimento da economia brasileira, diversos choques de curto prazo se refletiram negativamente no resultado trimestral. O ambiente externo caracterizou-se por incertezas e crescimento relativamente lento, reduzindo o potencial tanto do comércio exterior quanto dos fluxos de investimentos. Com isso, projetos foram adiados e a recuperação da economia revelou-se mais lenta do que o esperado no início do ano.

    "A agropecuária teve reflexos de intempéries climáticas no início do ano. Todavia, as estimativas mais recentes apontam para recuperação da safra ao longo do ano, o que deverá contribuir para a retomada do PIB do setor agropecuário. No caso da indústria, houve impacto da tragédia de Brumadinho (MG) com reflexos na produção extrativa mineral. Para a indústria de transformação, a crise na Argentina gerou reflexos na exportação de manufaturados. Constata-se desempenho positivo do comércio no primeiro trimestre, gerando carry over (efeito carregamento) de 2% para o ano de 2019, o que contribuirá para o resultado do PIB de serviços".

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    Primeiro trimestre frustra, mas projeções podem sofrer novos cortes sem reformas 

    Silvia Matos 

    Luana Miranda 

    31/05/2019

     

     

    Conforme previsto pelo mercado, e ligeiramente abaixo das projeções do Boletim Macro Ibre, o Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre de 2019 recuou 0,2% em relação ao trimestre imediatamente anterior e cresceu apenas 0,5% em relação ao primeiro trimestre de 2018.

    Mais uma vez, o pior resultado dentre os três grandes setores da atividade foi o da indústria, com retração de 1,1% na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior e 0,7% em relação ao quarto trimestre de 2018. Este resultado veio em linha com as nossas projeções. Podemos elencar um amplo conjunto de fatores que explicam o péssimo desempenho desse setor.

    A crise econômica na Argentina e a piora das projeções a respeito do futuro de nosso principal parceiro comercial de bens manufaturados pressionaram ainda mais a já fragilizada indústria de transformação brasileira no primeiro trimestre. Mas a fraqueza da demanda doméstica também contribuiu para uma segunda contração consecutiva neste setor.

    Além disso, o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho e seus desdobramentos sobre outras unidades produtivas impactaram fortemente a produção nacional de minério de ferro, o que levou a indústria extrativa a recuar significativos 6,3% no primeiro trimestre.

    Os serviços, contudo, registraram alta de 0,2% no trimestre, compensando parcialmente a queda verificada na indústria. Todavia, os números poderiam ter sido muito melhores se o resultado da indústria tivesse ajudado.

    A economia encontra-se estagnada, empresários e consumidores parecem estar em compasso de espera. A incerteza desacerbada a respeito da condução da agenda política, tanto em relação à aprovação da reforma da Previdência quanto do avanço de outras reformas microeconômicas, tem gerado dúvidas a respeito da capacidade de crescimento do país.

    O resultado de tamanha incerteza e confiança abalada foi a diminuição de 1,7% do investimento no trimestre. Após contrair 4% nos dois últimos trimestres, hoje o investimento está 29% abaixo do pico registrado em 2013, não muito longe do pior momento durante a recessão, quando marcou retração de 32%. Como podemos pensar em crescimento econômico sem investimento?

    Para este ano, esperamos um crescimento do PIB de 1,2%, isto é, um resultado próximo ao registrado no ano passado. Com relação ao investimento, nossa projeção é de um crescimento de apenas 2,5%. Esta previsão inclui a contabilização das importações de plataformas de petróleo realizadas no passado. Se as desconsiderarmos, o investimento cresceria apenas 1,2% no ano, menos que no ano passado (alta de 2%), um resultado muito frustrante.

    Para 2020, mantemos a nossa previsão de crescimento em 2%. Mas, se esse quadro negativo se acentuar, o mais provável é que façamos novas reduções nas previsões de crescimento para 2019 e para o ano que vem.

    Essas previsões assumem implicitamente que a reforma da Previdência será aprovada até setembro e com magnitude suficiente para impedir uma deterioração das contas públicas. Além disso, trabalhamos com a hipótese de que ela será seguida por outras medidas, tanto na área fiscal como em termos de reformas estruturais.

    De qualquer forma, o quadro econômico e político atual tem contribuído para que empresários e consumidores fiquem mais apreensivos e pessimistas, um círculo vicioso que gera apenas menor crescimento econômico. Esperar demais para restabelecer um mínimo de previsibilidade quanto aos rumos da economia pode ter custos significativos. Não há tempo a perder.

    Silvia Matos e Luana Miranda são economistas e pesquisadoras do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV)